Apêndice I - O Androide Solitário

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O caminhão seguia em destino às docas, em seu interior transportava androides selecionados para serem desativados. Suspensos por correntes presas em seus braços, duas fileiras de androides iam sendo desativados um a um, caindo inertes. As unidades olhavam hediondamente ao seu redor, tentando processar essa nova situação da qual não estavam acostumados. Agora já não restavam muitos. Os dois funcionários, com uso de uma chave elétrica, cauterizavam a placa de circuitos situada sob a nuca dos androides, responsável pela distribuição da eletricidade que dava "vida" aos androides, sua força vital. O penúltimo fora desativado, restava apenas um.


- Hey, Joe, esse ultimo já veio desativado, olha.


O androide se pendia inerte como os outros.


- Alguém deve ter cometido um erro na triagem e mandou um já desativado, deixa ele aí. Estamos chegando, já vamos descarregar.


O veiculo abre o seu compartimento de carga, os funcionários carregam os androides para fora e os empilham um sobre os outros no chão.


- Logo alguém irá leva-los para o ferro-velho.


Os funcionários voltam ao veiculo e partem. Na pilha, uma das unidades começa a se movimentar. Ele se levanta se desvencilhando dos androides caídos sobre si. Este, o ultimo das unidades a ser desativado, compreendendo o seu fim, soltou o peso de seu corpo simulando estar inerte. "Sobreviveu", resguardou sua "vida". Ele começa a vagar pelo porto, em certo momento é surpreendido por um vira-latas, o cão latia e rosnava para ele. O androide tentava entender aquele novo ser. Então o cão investiu contra ele, assustado, o androide se pôs a correr. Percorreu alguns metros e se abrigou atrás uma coluna de contêineres, não havia mais sinal do animal. O androide se vira para trás e visualiza um grande hangar abandonado, seu portão está entre-aberto, ele constata que aquele seria um abrigo mais seguro.



Alguém entra no hangar e fecha seu portão, o androide o observa escondido atrás de velhos caixotes de madeira. O rapaz retira uma mochila de suas costas depois seu casaco. Ele bate suas palmas por duas vezes e as luzes do hangar se acendem, ele vê o androide de relance. Saca uma pistola de munição ultrassônica, de segunda-mão, modelo já ultrapassado.


- Quem está aí?! Saia ou eu atiro!


O androide se inclina para fora depois torna a se esconder.


- Um androide?


Ele guarda a arma.


- Você trabalha para alguém? Está perdido?


Ele se aproxima das caixas e se depara com o androide.


- Caramba... Um AE. Você parece assustado. Está tudo bem, não irei te machucar. Entende o que estou falando?


O androide permaneceu calado.


- Parece que você não é um dos que falam. Sou Vincent van, como van Gogh, minha família veio da Holanda ou algo do tipo. Mas não sou um Gogh, sou um Houten. Me chamo Vincent van Houten, mais conhecido como Vince. Eu moro aqui.



- Então é assim que você se comunica...


O androide apresentava em sua face/dysplay símbolos geométricos abstratos e códigos visuais incompreensíveis, semelhantes a um QR Code. Apenas outra unidade como ele poderiam decifra-los.


- Eu acho que posso dar um jeito nisso.


Vincent se dirigi a um terminal, nele pluga um pequeno disco de memória, realiza alguns comandos e o retira.


- Baixei um programa básico de idiomas, com ele você poderá se comunicar por meio das palavras, além de lê-las e compreende-las. Agora só resta saber aonde se encontra o card responsável por seus sistema de comunicação...


Vincent esmiúça cuidadosamente o corpo do androide, até se atentar a um ponto especifico em suas costas.


- Eu acho que possa ser por aqui... Não diga ao seu fabricante, mas eu irei fazer uma pequena alteração em suas configurações...


Com uma chave de fenda, Vincent pressiona um pequeno orifício. Imediatamente, as costas do androide se abrem como comportas, revelando seu interior.


- Fascinante...


Placas de circuitos, chips, Slots, pequenas luzes piscando. Cabos de fibra ótica serpenteavam toda a estrutura. Vincent localiza um cartão de memória especifico.


- "COMUN_SYST.", tudo indica que é esse...


Ele retira o cartão e o substitui pelo outro. Fecha as costas do androide, ouve um som de click quando elas se travam. Na face/letreiro de led do androide, passaram-se rapidamente caracteres dos mais variados idiomas: Mandarim, Russo, Coreano, Grego...


- Agora você pode compreender o que eu estou falando?

- POSSO...


Respondeu o androide.



Então o androide começou a aprender sobre o mundo. Lia livros de Vincent, processava todas as informações contidas em uma página em menos de um segundo. No Cyberespaço assistia a vídeos, filmes, antigos programas de TV.

Amigos de Vincent o conheceram. Garotos de rua, delinquentes juvenis, hackers. Aprendiam com o androide, o androide aprendia com eles. Se deu inicio a um verdadeiro culto à sua personalidade.

Então, certo dia, o androide se deu um nome. Apresentou em sua face: EU SOU... LEDMAN.

Ledman, um conto CyberpunkOnde histórias criam vida. Descubra agora