Capítulo 42: Ranna

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GRUTA DE BACAETAVA


Quem diria que meu dia seria tão agitado?

Pois bem, resumidamente, depois que perdemos três Anjos da Morte, incluindo Thiago, e Natanael se entregou para salvar Sandra, fomos realocados o mais rápido possível para outro lugar, a fim de não sermos bombardeados. Neste momento, estamos na Gruta de Bacaetava, em Curitiba, um local que antigamente funcionava como ponto turístico e que hoje está "desativado" após ter sido atacado pelo Novo Governo. Isso porque há alguns anos os LGBTs se escondiam aqui, aí foram mortos, e a caverna não ficou mais tão estável.

Sorte pra nós que arriscamos nossas vidas para continuar vivos.

Mentira, porque eu tô me tremendo toda.

Tentando me distrair, chamo Irina até um lugar afastado, onde podemos fumar os últimos cigarros que ela "achou" em São Paulo. Aparentemente, a russinha está muito bem, contudo, os lábios entreabertos e o olhar quebradiço me fazem pensar o contrário.

— Está tudo bem? — questiono.

Ela dá de ombros.

— Mal pressentimento — é sucinta.

— Com o quê? — solto uma baforada.

Seu olhar cético para mim me metralha.

— Se eu soubesse não seria um pressentimento, né?

Ergo as mãos, na defensiva.

— Ok, desculpa.

O suspiro rouco que escapa por sua garganta chama minha atenção e ela aproveita o embalo:

— Desculpe, é só que... é estranho o que estamos vivendo.

Arqueio uma sobrancelha.

— Essa fala normalmente é minha.

Ela solta um riso debochado.

— Você não entenderia.

— Irina, você sabe que pode confiar em mim.

— Eu acordei essa manhã pensando em como fomos manipuladas, sabe? Em como nos deixamos ser.

Vinco a testa, tragando o tabaco antes de responder:

— Nós não tivemos muita escolha, fomos caçadas e controladas.

— Mas poderíamos ter evitado.

— Como? Nos matando?

Suas gemas translúcidas se prendem às minhas e seu silêncio é sua resposta. Uma resposta perturbadora.

— Como isso teria mudado as coisas? — pergunto. — Se não fossemos nós, seriam outras pessoas. O fardo que carregamos seria carregado por outrem.

Assim como estou carregando o de Ramona.

A loira faz um movimento de mãos, lançando a bituca em um canto.

— Pois que assim fosse.

As palavras que ecoam da boca de Irina não fazem jus à mulher que eu conheço. Por um momento me pergunto se não é algum renegado com poderes de trocar de aparência, porém, seu olhar raivoso não me engana. Pela primeira vez, vejo algo mais na russinha, algo além da sede de vingança.

Vejo tristeza. Por isso, falo:

— Você já pensou que tudo o que passamos, tudo o que vivemos, serve para alguma coisa? — Irina desvia o olhar, como se temesse ler em meu rosto algum tipo de verdade. — Pense comigo: nós sofremos, nós fomos manipuladas, destruídas, fragmentadas, mas podemos canalizar essas dores, esses sentimentos, e transformá-los em outra coisa.

Futuro Conquistado #2 (Ficção LGBT)Onde histórias criam vida. Descubra agora