Epílogo

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CARLO

ESCOLHAS CONSTROEM A VIDA


Defronte para a parede de vidro, forma-se um retângulo espelhado, permitindo que eu veja meu reflexo e ajeite a gravata vermelha-escura. Dou uma última retocada no cabelo cobre, finamente cortado, e aliso a barba desenhada de mesmo tom. Encarar o meu "eu" nestes trajes sociais e de bom corte têm se tornado, de certa forma, habitual. Mirian diz que é necessário eu treinar estando dentro do que pede o figurino.

De pé, faço um movimento com a mão e o espelho se desfaz, dando-me inteira visão do que acontece lá fora. Cerca de trinta andares abaixo, vejo pessoas andando de um lado a outro, pegando os caminhos em direção aos prédios residenciais, construídos em volta do complexo central há cerca de um quilômetro de distância. Entretanto, uma massa de pessoas se dirige ao que antigamente era um ginásio de treinamento para renegados e que, hoje, é um ambiente para recepcionar novos moradores.

E é lá que deverei discursar hoje, pela primeira vez, como o novo presidente do Brasil.

Isso me faz lembrar de como foi uma loucura ver o vídeo que meu pai deixou para minha irmã e eu. O primeiro sentimento foi o de tristeza, com toda a certeza, mas logo veio a euforia, trazendo-nos novas certezas (mesmo que nem todo o plano dele tenha dado certo). Naquele mesmo dia, Mirian e Henrique desvendaram a fórmula que nos transformou em "mutantes", como Dayane insiste em nos chamar, reverteram o fator de alteração genética e encontraram a "falha" que nos adoeceu. Depois de uma semana acalorada, as primeiras cobaias foram selecionadas: eles mesmos. Os testes deram positivo e, em um mês, todos estávamos devidamente vacinados e curados.

Claramente, foi a melhor coisa que nos aconteceu no que pareciam décadas.

Com ajuda de Iorran, entramos em contato com alguns presidentes ainda vivos, não afetados pela radiação ou por bombas de pulso eletromagnético. Um deles, para minha surpresa, é tia Meredith, que meu pai mencionou em sua mensagem e fez o pré-acordo com Ranna. Ela coordena a Austrália, e ficou extremamente feliz que Lya e eu sobrevivemos. Contamos sobre a cura e, em poucos meses, conseguimos distribuí-la para os renegados australianos. Também fizemos campanhas em outros países, como África, Japão e todos da América Latina. Claro que não foi tão fácil, afinal, o Brasil permanecia sem um governante. Aparentemente todos tinham ou morrido no bombardeio ou abdicado de continuar, entre eles, João Alberto. Mas com nosso jeitinho e recomendações de Meredith, conseguimos levar uma dose de salvação àqueles que tinham sofrido tanto quanto nós.

Enquanto enviávamos pessoas para cuidar de renegados, Lya e eu tomamos medidas de prevenção a humanidade, dando início ao projeto de expansão da ilha de Nova Atlantis, como rebatizamos o que foi nosso refúgio. A primeira coisa que buscamos foi mão-de-obra. Muitos dos homens e mulheres que trabalharam para reerguer a ala hospitalar, aceitaram dar vida ao nosso novo sonho. Condomínios foram erguidos em questão de ano, e rapidamente começamos a buscar moradores do sertão nordestino, além das serranas e daqueles próximos de áreas atingidas por bombas, ainda sem fornecimento de energia e muito menos água potável. Nessas regiões, demos início ao reflorestamento.

O projeto Nova Atlantis foi ainda maior e, com mais um ano, inauguramos as primeiras estações flutuantes. São pequenas ilhotas construídas sobre ligas de ferro e outros elementos não enferrujáveis conectadas à ilha central. Nelas, foram construídas casas maiores, para famílias maiores, onde poderiam desfrutar de maior conforto, já que os apartamentos condominiais suportavam no máximo três pessoas.

Os próximos projetos são a construção de uma ponte que ligue a ínsula ao continente e a restauração de uma cidade na costa, onde possamos ressocializar, criar campos de plantação comunitária e empregar o maior número de indivíduos. Por mais que não tenhamos dinheiro vivo — até por que nem temos onde gastar —, prevemos reestruturar a sociedade para algo próximo do que era em menos de uma década. Para isso, é preciso que todos cooperem.

Futuro Conquistado #2 (Ficção LGBT)Onde histórias criam vida. Descubra agora