Capítulo 44: Mirian

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AAAAAAA

— Ei, Bela Adormecida — é a primeira coisa que ouço quando minhas pálpebras se abrem.

Confusa, olho em volta, atentando-me aos detalhes: paredes brancas, um bipe ininterrupto e um colchão macio sob meu corpo. E, claro, o principal: Rita. Ela segura minha mão direita, um sorrisinho sem dentes apertando seus lábios macios, que tão bem conheço. Seu cabelo castanho está preso em um coque alto, o que lhe atribui um ar altivo, deixando à mostra seu rosto plácido e o olhar intenso, que tantas outras vezes me devorou.

— Ei — digo fracamente, minha voz soando rouca.

— Como você está se sentindo? — pergunta-me, conferindo o monitor ao qual estou ligada por sensores.

— Bem, eu acho.

— Já é um começo. — Aperta um botão qualquer na tela e se volta para mim. — Do que você lembra?

Pisco, franzindo o cenho, e logo o episódio da "invasão" a São Paulo possui minha mente. Relato sobre o hackeamento, o resgate de Ranna e os outros, Natanael enlouquecendo e se entregando para salvar a própria prima... Oh, lord, oremos que ele esteja vivo! Rita me fita com atenção, num misto de surpresa e preocupação.

— As coisas estão mesmo uma loucura — comenta ela, soltando um suspiro.

— Você não faz ideia — concordo, e mudo de assunto: — Diz uma coisa, nós estamos na ilha, né?

— Sim.

— Não é perigoso demais?

— Ninguém sabe além do Iorran e de mim — afirma. — Você precisará ficar aqui, se os outros te verem, sabe-se lá o que tentarão fazer.

Um arrepio involuntário toma conta do meu corpo. Engulo em seco ao lembrar da casa da cultura de Pombal e sua história. Eu sei que na ilha estão pessoas como eu, contudo, se eles tentariam julgar Natanael, o mesmo poderia se fazer comigo. E ser negra é um aditivo para sofrer preconceito extra.

Infelizmente, como você já deve saber, isso ainda é bem comum. Eu ainda não consigo compreender qual o motivo que leva as pessoas a sentirem preconceito por cor de pele, religião, sexualidade ou pelo caralho a quatro. Ok, é uma questão "cultural", disseminada pela sociedade? É, mas ainda existem tantos meios e canais de informação, sem dizer que, no fim do dia, todos nós lutamos pelas mesmas coisas: nossas próprias vidas.

— Vocês são loucos — digo.

Seus lábios se curvam de leve num dos cantos.

— Eu sei, mas eu faria qualquer coisa para te manter segura. — Seus dedos apertam os meus, aquecendo-me. — Quando Lya pediu para Iorran dar um jeito de te trazer até mim, não hesitei em ajudar. Você sofreu um colapso do sistema nervoso de novo, e só eu poderia te ajudar. Além do mais, meus sentimentos por você nublaram o que restava da minha razão.

Mordo o lábio inferior, contaminada por suas últimas palavras. Não é fácil de se imaginar Rita quebrando as regras por causa de sentimentos, tamanha sua racionalidade. Há alguns anos, Carlo teve de ameaçá-la para ajudar Natanael, depois de ser torturado por Tavares. E olha que os dois já eram, de certa forma, amigos na Base do Sul.

— Não posso agradecer por estar se arriscando — replico —, mas tem todo o meu agradecimento por me ajudar e estar sempre tão presente.

— A culpa é sua — aponta um dedo entre meus seios —, você me faz enxergar algumas cores a mais no meu mundinho em preto e branco.

Futuro Conquistado #2 (Ficção LGBT)Onde histórias criam vida. Descubra agora