Capítulo 34: Natanael

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ECOS DO PASSADO


Inúmeras coisas se passam na minha mente enquanto encaro Bernardo Guimarães na soleira da porta da minha casa. Nenhuma delas é capaz de responder como ele está vivo.

A mente de Carlo, para meu alívio, parou de se chocar contra a minha, senão eu estaria ainda mais perturbado. Atrás de mim, perto da mesa, Day está tão calada que, se eu não conferisse por cima do ombro, acharia que ela se teletransportou para o Marrocos.

— Posso entrar? — indaga o loiro, os lábios ainda curvados em um sorriso agora mais tímido, digamos assim.

Troco um olhar com meu ruivo, que apenas faz um sinal sutil de cabeça. Quando dou espaço para Bernardo passar, no entanto, ele se joga contra meu pescoço em um abraço tão apertado, que sinto minha coluna estalar.

— Fico feliz que tenha sobrevivido — fala contra minha orelha antes de se afastar.

— Bom, não sem consequências — ergo o (que restou do) braço direito.

— Quando foi isso?

— Recentemente, quando explodiram o prédio e que a gente morava. — Aponto para Carlo.

Bernardo suspira, anuindo.

— Eu sinto muito por Ivan — fala ele, aproxima-se de Carlo e o lhe dá um abraço de urso. Seus olhos marejam, mas segura as lágrimas diante da... visita.

— Obrigado — é a única coisa que diz, apoiando-se na pia para me lançar um olhar que, milagrosamente, não consigo traduzir.

— E você, é? — questiona meu ex-colega de cela para minha amiga.

— Dayane — responde, esticando a mão para cumprimentá-lo, que a aperta de volta. — Você deve ser o Bernardo, certo?

Ele sorri.

— Sim. Fico lisonjeado em saber que se lembra de mim.

Ela contorce os lábios.

— Tem uma foto sua na ilha dos refugiados.

O loiro murcha os ombros, aparentemente decepcionado.

— Tem, é? Legal.

— Não fique tão animado — interpolo, sentindo um gosto amargo na boca —, é no corredor dos que morreram.

Isso faz sua empolgação despencar de vez e solta mais um suspiro.

— Era de se esperar, não?

Ninguém responde.

Educado — e ainda perturbado —, convido-o a sentar à mesa e chamo Thiago, que ainda está lá fora, para fazer o mesmo. Ele me lança um olhar analítico enquanto passa pela porta, um sorrisinho de canto emoldurando seus lábios. O cheiro da colônia amadeirada paira no ar, como se me cercasse, prestes a me dar um bote e matar sufocado.

Balanço a cabeça, deixando isso de lado e também me sento, seguido por Carlo e Day. À nossa frente, as visitas parecem militares em um interrogatório. Thiago, claramente, é o cara mal, que fica estirado contra a cadeira de braços cruzados, encarando-nos como se fôssemos suspeitos de roubar sua santidade. Bernardo, apesar de ser pouca coisa mais velho que Carlo, parece muito mais experiente, mantendo um olhar de mistério ao mesmo tempo de passividade contida.

— Como? — pergunto, sentindo todo o ar pesar a minha volta.

— Simples — responde, pegando uma faca remanescente sobre a mesa e, num movimento rápido demais para que qualquer um de nós pudesse agir, ele estica a mão sobre a mesa e a acerta com a ponta da lâmina.

Futuro Conquistado #2 (Ficção LGBT)Onde histórias criam vida. Descubra agora