Capítulo 4: Natanael

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EXISTE LUZ NA ESCURIDÃO?


A escuridão, nos últimos anos, tem sido parte de mim. Somos mais unidos que minha sombra e eu. Ela se cravou em minha alma e talvez nunca mais pare de manchá-la, assim como saboreia cada canto de meu coração, como uma serpente que se enrosca em sua presa, até vê-la sufocar.

Mas eu não sufoquei ainda. Quanto tempo levará para isso acontecer? Eu desejava que nenhum mais, porém, a escuridão se afasta de meus olhos, forçando-me a submergir no mundo real.

Olho em volta, confuso. Fios me ligam a uma máquina, que mede meus batimentos cardíacos e pressão sanguínea. Duas pessoas cercam minha cama, uma, que reconheço ser Sandra, está cabisbaixa, segurando minha mão esquerda; a outra é Rita, que se assegura de que estou vivo e prepara uma dose de alguma coisa numa seringa.

— Onde estou? — consigo dizer. Minha voz soa rouca, pesada.

Minha prima ergue a cabeça, o cabelo picotado emoldurando o rosto magro, e quase grita, pulando sobre mim e abraçando meu pescoço.

— Graças a Deus você tá vivo!

— Sandra... você tá... me sufocando — resmungo.

— Oh! Desculpe! — afasta-se rapidamente, ajeitando alguns fios atrás da orelha.

— Eu achei que... você fosse ateia — balbucio, o que a faz soltar um risinho de desdém e dar de ombros. — Onde estamos? — repito.

Sandra suspira, sentando-se na beirada da maca e acena para Rita, um claro pedido para nos deixar a sós. A médica assente e comunica:

— Volto em alguns minutos para aplicar a próxima dose — e, então, nos deixa, fechando a porta silenciosamente.

Retomo a completa atenção para minha prima, que não parece feliz em dar a notícia que está entalada em sua garganta.

— Respondendo sua dúvida: estamos na ilha dos refugiados.

Franzo o semblante, extremamente perdido.

— Mas... eu me lembro de estar com Carlo e os pais dele e... Ai, meu Deus.

— Eu achei que você fosse ateu — retruca zombeteira, porém, ao ver minha cara, suspira e me encara com pesar. — O prédio em que vocês moravam explodiu. Não sabemos ainda o motivo. A televisão irlandesa tem noticiado de que foi um vazamento de gás, contudo, acho que não foi só isso.

Algo estala em meu cérebro, entretanto, ignoro para pedir:

— Me diga que eles estão bem, por favor!

Minha prima não parece nenhum pouco à vontade para me responder, apertando meus dedos com os seus como se aquilo fosse suficiente para sanar todas as dúvidas que rondam minha mente. Claramente, isso não me causa sequer uma leve cócega.

— Primo, acho que não é o melhor momento para contar tudo, você precisa descansar e...

— Sandra, por favor, não me jogue de volta no escuro.

Suas sobrancelhas franzidas e os olhos baixos evidenciam uma profunda tristeza, uma daquelas que dói até em quem não é diretamente atingido por uma situação.

— Talvez você não tenha percebido, mas... — então aponta para meu ombro direito. — Rita tentou de tudo, mas não tinha muito o que ser feito.

Eu não entendo o que ela quer dizer, por isso, prendendo a respiração, puxo o lençol que me cobre até o pescoço e sufoco um grito amargo. Meu braço foi reduzido pela metade. Não existe mais mão nem antebraço do lado direito, o membro se estende até a altura do cotovelo. Lágrimas escorrem por meu rosto como verdadeiras cascatas, embaçando minha visão. O monitor que controla meus sinais vitais dispara, ensandecido.

Futuro Conquistado #2 (Ficção LGBT)Onde histórias criam vida. Descubra agora