Capítulo 54: Ranna

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TERRENO MINADO


"Entre a queda e a ascensão, existe escória". Essa frase, que não parece ter senso, explode em meu peito. Algo me diz que eu sei o que Natanael está aprontando e tenho medo do que isso significa. Infelizmente, não há nada que eu possa fazer para impedi-lo. Como ouvi pelo comunicador, Carlo está ferido, a ilha está sendo atacada e nossas forças de ataque estão sendo, lentamente, dizimadas pelas Força Aérea Especial.

— Nós precisamos sair daqui agora! — exclamo, fixando o olhar em Adri e Aurora.

Eles assentem e deixamos a sala de monitoramento, descendo em disparada para o térreo. Não encontramos resistência no caminho, contudo, ao chegarmos na calçada, percebo que existe uma espécie de trégua entre os dois lados. Chamas lambem o asfalto, separando o grupo de renegados, agrupado ao lado sul, e o Exército Militar, enfileirado de forma precisa, reagrupados sob uma única voz potente, do lado oposto. Não sei como essa divisão foi acontecer ante ao caos que havia se formado, mas o fogaréu que toma conta de prédios, lançando fumaça preta ao céu, deve ser a resposta.

Mantendo-nos sob as poucas sombras pelo caminho, alcançamos o grupo dos renegados, sendo comandados por Lya, visivelmente exausta. O cabelo ruivo, trançado, lança fios para todos os lados, desgadelhando-se. Pequenas bolsas arroxeadas surgem sob seus olhos dourados, devido ao uso constante de seu poder. Ela está com cara de que pode cair a qualquer momento, mas o olhar feroz se mantém intacto.

Assim que nos avista, vem saber como estamos e onde está Carlo e Natanael.

— Você não ouviu o que aconteceu? — questiono.

— Eu desliguei o comunicador, tinha mais com o que me preocupar. O que houve?

Trinco o maxilar, temerosa em contar e ser arremessada contra o grupo inimigo.

— Carlo foi ferido e Natanael está sob o poder de Thiago.

Para minha alegria, não sou atirada aos leões, mas Lya resmunga, xinga, soca o ar e se volta para o Exército com um olhar ainda mais sanguinário. Os renegados atrás dela parecem ver em suas atitudes uma ordem para se prepararem, pois eles se posicionam, prontos para avançar.

— E tem mais — interpela Aurora —, a ilha está prestes a ser atacada.

— Você só pode estar brincando — resmunga a ruiva.

Balançamos a cabeça ao mesmo tempo, e afirmo ser bem verdade. Mais do que gostaríamos de crer. Lya arfa, mantendo o controle de suas faculdades mentais. Vejo como ela está estressada e, principalmente, irritada pelo jogo de xadrez que se tornou nossa vida. Os Treze souberam aproveitar nosso descuido com a ilha para retomarem o poder sobre ela e nos jogar para escanteio.

— O que faremos? — questiona Adri, dando um passo à frente e se virando para o Exército, que parece tremeluzir atrás das ondas que o fogo produz no asfalto. — Mesmo organizados, não temos poderio contra os soldados no chão e contra os caças.

— Então qual sua ideia, sabichão?

Antes que meu amigo responda, um som retumba por caixas de som que não vemos. Luzes surgem entre os dois exércitos, dando vida a uma tela dividida em doze quadros enfileirados em três linhas horizontais que transmite ao vivo a imagem de doze pessoas. Não é preciso de muito para saber que se trata dos principais representantes d'Os Treze. O décimo terceiro, entretanto, suponho se tratar de Antônio Nanquim ou seu filho.

— Ah, olha só quem resolveu dar as caras pela primeira vez na História! — resmunga Lya, tomando a frente. — O que vocês querem?

Os modos nada delicados da ruiva fazem alguns deles franzirem o semblante, outros parecem ultrajados. Uma mulher e um homem não se abalam, e ela, uma senhora de cinquenta, sessenta anos, cabelo ruivo curto bem penteado, solta um risinho e começa:

— Saudações, senhorita Morris, também é um prazer vê-la. Espero que esteja tendo um belo dia.

O sorriso irônico de Lya é a certeza de que, se a mulher estivesse na frente dela, já teria sido virada do avesso.

— Está sendo maravilhoso! — soa sarcástica. — Até estava pensando que não poderia ficar melhor, até vocês aparecerem.

— Fico feliz que nossa imagem seja tão reconfortante — entoa o homem que não se abalou.

— Não foi isso que eu disse.

O senhor, de uns sessenta e cinco anos, mais ou menos — difícil dizer, na realidade, porque eles parecem todos tão bem-cuidados, arrumados, de peles lisinhas e sem marcas! —, retesa os ombros e se cala.

— Lya, minha querida, não estamos aqui para brigar — retoma a mulher —, queremos lhe oferecer um acordo.

— Do mesmo modo que Thiago?

— Oh, não, não. Ele não representa mais a totalidade de quem somos. Desvirtuou de seu caminho, bem como toda sua família. Suas ações, apesar de cruciais, foram as mais friamente calculadas. Suas intenções, apesar de serem parte da nossa, são movidas mais pelo pessoal que pelo social.

— E o que você quer me oferecer?

— Uma oportunidade de que todos sobrevivam e possam viver em paz, como sempre oferecemos. Vamos tirá-los de nosso plano como Armas Humanas bem como não os forçaremos a mais nada. Por serem detentores de grandes informações, acredito que não seja necessária que expliquemos os pormenores sobre nossas ações.

— Como a de manter toda essa merda embaixo dos panos! — grita Miqueias na primeira fileira do grupo.

Os doze presentes parecem desconfortáveis com a réplica do rapaz.

— Tenha minha palavra de que seus atos não serão ditos como subversivos e ganharão a importância de que possuem.

— E qual a importância? — questiono.

A senhora ruiva sorri, complacente.

— A que nos fez abrir os olhos para as verdades ocultas dentro de nossa própria família.

— E vocês — intervém um segundo homem, de semelhança indiana — são nossa família.

Olhar para ele por um momento me faz lembrar de Megan e em como sua vida foi tão curta. Ouço o risinho frouxo que ecoava por entre os lábios finos, mas também o tom sério e adulto que por vezes substituía sua ingenuidade infantil. Mais do que ter um poder que lhe permitia ver o tempo de uma forma diferente, ela era inteligente a ponto de desvendá-lo para nos deixar pistas sobre os eventos que estamos vivendo agora.

Tem mais uma coisa, Ranna. Uma segunda sensação.

E o que ela te diz?

Que nosso mundo vai mudar de novo. E isso vai acontecer após a chegada dele.

Olho em direção a Torre Central, desviando meus pensamentos de tudo que está acontecendo. Penso em Natanael e no que as palavras de Megan e as dele significam. Talvez minha desconfiança seja real, e não podemos ficar muito tempo aqui.

— O que me dizem? — pergunta a mulher ruiva.

Volto o olhar para ela, adiantando-me antes que Lya diga mais alguma besteira que ponha tudo a perder:

— Marque uma reunião conosco, pessoalmente, na ilha dos refugiados — soo firme, o que assusta até mesmo a líder dos renegados. — E não adianta tentarem atacar a ilha, porque, mesmo que sejamos poucos, nós vamos lutar se nos sentirmos ameaçados. Por favor, se forem de bom grado, tenho certeza de que serão bem recebidos e conseguiremos firmar e assinar um acordo.

— Me parece algo a se considerar — diz uma asiática, um tanto contrariada.

— Certo — retoma a senhora ruiva —, nós entraremos em contato muito em breve. Agora, por favor, retirem-se de São Paulo antes que Thiago e Nanquim causem mais estragos. Vamos conversar com eles.

— Obrigada — digo, voltando-me para Lya, que me encara com uma sobrancelha erguida. — Não temos muito tempo — friso, aproximando-me enquanto a tela desaparece —, precisamos sair daqui agora.

— Por quê a urgência?

Engulo em seco antes de replicar:

—Porque estamos em um terreno minado, e essa batalha ainda não acabou.

Futuro Conquistado #2 (Ficção LGBT)Onde histórias criam vida. Descubra agora