IV. Chacais

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Não sei se é o cansaço, ou a fome e sede que eu sentia que estavam brincando com a minha mente, mas a minha frente dentro de uma jaula estavam duas bestas, caninos do tamanho de um punhal, pelos negros ouriçados, olhos verdes brilhantes fendados como de cobras, eram maiores que cachorros comuns, calculei que se ambos ficassem em duas patas ultrapassariam a minha altura, porém o mais assustador naquelas feras era a forma como ignoravam o barulho ao seu redor e me olhavam, estudando, medindo e analisando cada centímetro do meu corpo. Enquanto minha cabeça procurava ações que me pudessem tirar vivo daquela situação, a multidão vibra ensandecida a chega dos Chacais Gêmeos de Nak, eles gritavam:

— Um galão de água como o Quebra Ossos acaba com ele primeiro! — outros gritavam diferente apostado no outro chacal — Dois galões de gasolina que o Dente-Lâmina vai destroçar ele antes! — nesse momento, do alto de seu camarote, General Nak levanta os dois braços ao ar, punhos cerrados, urra — Libertem os Chacais!!! — Otelo sorri.

A gaiola se abre, despencando ao chão, os chacais saem lentamente rosnando e mostrando suas presas afiadas, ainda me avaliando com cautela. Eu esboço movimento, um deles se desloca rapidamente a minha esquerda, eles estão me circulando, como abutres rodeiam carne podre na Vastidão — Matem ele! — gritavam os legionários nas arquibancadas de metal a minha direita, um dos chacais investe contra mim, eu rolo no chão e me desvio de seu ataque, o outro pula em cima de mim, eu acerto um soco em seu focinho, o que o afasta, mas parece deixá-lo ainda mais furioso, levanto-me rapidamente, e procura alguma arma que pudesse me conceder vantagem, olho em um dos corpos do Legionários caídos de minha outra batalha, avisto a lança. Talvez seja paranoia do calor da areia, mas um dos chacais parece perceber a forma como eu olhei para a arma no chão, esboçando os dentes, ele estreita os olhos de esmeralda enquanto o pelo de suas costas se arrepia.

O que se passou a seguir aconteceu muito rápido, porém eu podia perceber tudo em câmera lenta, cada segundo se arrastando ao movimento, eu disparo em direção ao cadáver que empunhava a arma, pego a lança, um dos chacais dispara enquanto o outro, estranhamente permanece imóvel, eu pego a lança e me desloco para a parede mais próxima, o animal está me perseguindo ferozmente, chega perto o suficiente, pula com dentes amostra prevendo o gosto de minha carne em suas presas. Eu me jogo na parede e prenso a lança no chão, o predador percebe seu erro tarde demais. A fera solta um ganido angustiante enquanto a lâmina da lança perfura seu corpo, deixando-o empalado em meio a arena.

Gritos enfurecidos dominam a plateia — Não! Como ele conseguiu matar o Quebra Ossos! — desviei meu olhar para Otelo, que sorria alegremente ao ver a chacina que ele promovia, porém algo me deixou desconfortável, o general legionário Nak tremia ao me olhar, levante e debruça-se sobre a arquibancada de seu camarote, de sua mascara posso sentir seu olhar me fuzilando, ele olha para inocente columbina acorrentada ao pescoço, semi nua e indefesa, com suas mãos enormes e deformadas, ele a levanta e quebra seu pescoço mostrando-a para sua Legião, um ato covarde de demonstração de poder, como era de se esperar do Cabeça-de-Porco, eu não a conhecia, infelizmente não havia nada que eu poderia ter feito, não existe espaço para compaixão, não na Vastidão.

Otelo se levanta, e diz:

— Você não está se esquecendo de algo, Rato de Areia? — olho rapidamente para frente, onde estava a fera? Uma sensação de amargor cruzou meu estômago, indo direto para minha boca, agora eu era a presa, e o caçador era um Monstro. Eu podia ver vultos negros se deslocando velozmente entre os escombros, como aquele animal poderia ser tão ágil?

Se eu não me focar nessa batalha, será a minha última.

SANGRANDO POEIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora