XVI. O Senhor da Poeira - Parte III

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Morgan cambaleava com cada soco que eu acertava em sua face, com a ação desenfreada e a inversão do rumo da luta, os guardas da Cidade de Wal olhavam descrentes o que estava a sua frente. O Senhor da Poeira já perdia a noção de equilíbrio e ao tentar se levantar esbarrava nos caixotes e sucatas de sua sala do trono— Você não é um legionário, não pode ser — disse Morgan pondo-se o mais firme que conseguia sobre as pernas — Não, eu não sou um legionário — me aproximei e pude notar que ele estava com uma Agulha, a pistola que injetava a droga da Legião, Spartacus. Agora eu sabia da onde vinha tanta velocidade, sabia que a droga tinha efeitos diferentes de acordo com o metabolismo de cada usuário, mas havia algo errado com a substancia no vidro, era amarela, a droga legionária era carmim, como sangue fresco. Eu arranco de suas mãos a pistola e quebro o frasco atirando-o no chão e esmagando com a sola de minha bota. Morgan me olha secamente.

Raja estava com o sorriso no rosto. Pegou a arma de fogo improvisada que o Guarda do Portão havia deixado para trás, só por precaução, pois o seu prêmio estava ali a sua frente, aquele bastão de baseball de alumínio era a clava ideal, havia um caçador que treinava com ela nos campos de areia, aquele caçador tinha um de madeira algo raro, engraçado como aquele objeto que em uma outra vida havia servido para entretenimento e diversão, agora tornava-se uma arma, um instrumento de sobrevivência. Raja observou a situação, escondida atrás do antigo ônibus. Cerca de 20 guardas olhavam perplexos o que estava acontecendo, nem haviam notado que a prisioneira havia fugido e matado um dos seus. A Caçadora se aproxima silenciosamente, sem ser notada ela contorna a multidão amontoada, eu posso vê-la, mas não faço nenhum sinal que pudesse entregar sua posição. Ela estuda o ambiente por um instante, acima do aglomerado de guardas havia um guindaste com caixotes, que pareciam cheios de sucata, um tiro na roldana e eles estariam fora de ação antes que pudessem se esquivar. Ela fez um sinal apontando sua intenção. Os guardas não seriam mais um problema.

O homem de joelhos a minha frente não era mais a ameaça de antes. Morgan estava fraco, mas não era como os legionários que ficavam completamente imbecis quando a droga tinha seu efeito cortado, ele me olhava fixamente — Termine, o Julgamento de Sangue, uma vida por sua inocência... — Morgan esperava o golpe final, um dos guardas levantou o fuzil e esboçou uma reação, naquele momento o Senhor da Poeira gritou ferozmente — O QUE PENSA QUE ESTÁ FAZENDO? MINHA PALAVRA É UNICA, MINHA VIDA SERÁ O JULGAMENTO, ME DESONRE E EU MESMO VOU TE MATAR! — havia sangue gotejando no chão empoeirado, o guarda ficou estático, largando a arma no chão, Raja que estava pronta para atirar na roldana desarmou a posição — Vamos com isso Andarilho... — Eu cobrarei sua vida pela minha liberdade — estendi a mão ao rapaz a minha frente — Morgan, Senhor da Poeira, Soberano de Wal, eu quero seus serviços, em troca da sua vida... — os guardas olhavam desacreditados, aquilo nunca havia acontecido antes, tanto Morgan ser derrotado, quanto alguém ser poupado em um Julgamento de Sangue. O Senhor da Poeira se levanta com meu auxílio, me olha e diz — Você realmente não é da Legião de Xavier, eu aceito a sua troca, Andarilho dos Ermos, você e a Caçadora estão limpos, vejo que depositei minha confiança no lugar errado... — somente naquele momento quando Morgan notou que a prisioneira havia escapado, estava a postos com um rifle mirando para uma armadilha mortal em cima de seus guardas, que pareciam não ter notado nada que havia ocorrido até ali — Você vai precisar de cuidados — eu disse ao rapaz que possui vários hematomas no corpo — Uma dose de Menphis estarei pronto para a próxima — disse ele — Você quer dizer Spartacus? — disse eu, enquanto o ajudava caminhar — Menphis é uma especialidade minha, eu criei a partir da droga da Legião, foi fácil, temos os efeitos bons, força, velocidade e regeneração, sem os colaterais ruins, porém tudo tem seu preço... — explicou ele, o desempenho dele caiu drasticamente durante a luta, a droga concede habilidades potencializadas, porém consome muito do corpo do usuário, deixando em estafe rapidamente. Os guardas notaram Raja muito tempo depois, estavam em choque com todo ocorrido.

Deixamos Morgan no que pareceu ser a enfermaria da cidade, uma antiga loja de roupas na galeria de serviços, um dos guardas nos acompanhou, ali deitado naquela maca improvisada eu via um jovem que falava como chefe de uma tribo da Vastidão, peso em seus ombros, Senhor da Poeira. O homem que fazia o papel de médico injetou o líquido amarelo direto na veia de Morgan, que passou os próximos 40 minutos recebendo o soro milagroso. Aguardamos algum tempo sentados observando o resto do lugar, não haviam muitas pessoas, mas era com certeza maior que vários lugares em que eu havia estado. Pouco mais de uma hora depois, o rapaz estava de volta, como se nada tivesse acontecido — Precisamos disso aí... — disse Raja ao meu ouvido, eu via que a mão direita de Morgan tremia incessantemente, fosse o que fosse, aquela droga tinha um preço alto, por seu milagre. Ele nos olhou, fez um gesto positivo com a cabeça, respondemos retribuindo o gesto.

No caminho de volta ainda escoltados, chegamos a Sala do Trono. Morgan sentou-se em seu lugar— Agora. Quem são vocês?— seu tom era outro, senti que agora poderíamos chegar a algum lugar com aquela conversa, Raja falou antes que eu pudesse responder — Eu sou Raja, da Tribo dos Caçadores, e esse é Marlboro — ele assentiu com cabeça — Certo, Raja e Marlboro, vocês estão absolvidos de qualquer acusação feita, tem livre passagem e hospedagem na Cidade de Wal...— um dos guardas falou "mas enquanto a morte do Capitão" — O Capitão era um traidor, ele acobertou a passagem dos legionários, sua morte não será honrada, pois não há honra na traição— silêncio— Agora me digam, o que os trouxe até aqui?— Raja ia começar a falar, mas toquei seu ombro — Nós estamos no rastro de Otelo, precisamos de suprimentos e direções para seguir... — Morgan assentiu novamente — Certo, vou ver o que consigo com meus batedores de territórios, comerciantes e vigias, sempre algum rumor chega antes a Torre, quanto aos suprimentos peguem o que precisarem e ...

Um guarda adentra a cúpula— Senhor! — diz — Uma tempestade Areia se aproxima, temos de fechar as entradas e fazer os preparativos — uma Tempestade de Areia, isso vai nos atrasar, mas não escolha, só poderíamos ficar ali e esperar passar, com sorte seriam horas, porém algumas duravam semanas, o mais comum eram dias. O jeito era aguardar. Morgan deu a ordem, todos que estavam dentro deveriam permanecer no local, aqueles que desejassem sair, deveriam fazê-lo imediatamente.

Raja me olhou, ela conhecia tempestades de areia, tão bem quanto qualquer Caçador, mas ela sabia de algo que nem todo Caçador de sua tribo sabia, a Legião tinha veículos, e usavam para se deslocar durante essas tempestades a fim de ganhar território e fazer ataques surpresas a assentamentos dos Ermos— Marlboro, não podemos...— disse ela — Raja, não vamos conseguir sair e nem se deslocar nessas condições, vamos ficar enquanto isso estaremos protegidos, a Legião não tentaria um ataque agora, seria suicídio...

Morgan nos acompanhou até uma pequena loja, coberta com papelão, madeira, plásticos e vidros— Por hora descansem, vou providenciar o que me pediram.

Ainda era dia, Raja e eu sentamos nas camas de mola e sucata, há meses não me sentia tão confortável, mas... por quanto tempo?

SANGRANDO POEIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora