XIX. O Fim da Tempestade de Areia

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Meus olhos incendeiam a escuridão, me sinto ofuscada pela claridade, apesar do lugar em que estava ser escuro, não sei se é dia ou noite, mas pelo barulho do vento que assoviava nas placas de zinco sobre a minha cabeça a tempestade de areia ainda não cessara. Sinto meu estômago embrulhado, regurgito um líquido viscoso e amarelo enquanto respiro a poeira do armazém que se arrasta rasgando minha traqueia.

Um cheiro salgado, ferroso e azedo, invade as minhas narinas, era familiar, Legionários. Eramos treinados a reconhecê-los, cheiravam a sangue fresco e lágrimas, eram fortes e enfurecidos, apesar de haverem exceções, a maioria focava apenas no físico sendo facilmente abatidos em uma batalha que exigisse um pouco de estratégia e raciocínio. Eu estava amarrada, "Por que diabos eles tem sempre que me amarrar? ", enquanto recobro minha consciência, percebo que estou amordaçada também, e quando acho que nada pode ficar pior, três figuras emergem por de trás das prateleiras escuras, um deles se aproxima andando de um lado para outro, como uma serpente peçonhenta — Olá Caçadorazinha... — diz ele em tom irônico — dormiu bem? Estamos esperando seu guarda-costas te buscar... — eu olho para os outros dois, estavam vestidos de Guardas do Portão de Wal , porém as cicatrizes em seus braços em formato de "X" deflagravam seus disfarces.

Os outros dois dão as costas, sumindo dentro da escuridão e poeira que levantava no armazém. O capanga de Otelo a minha frente me olhava tal como um Chacal da Areia olha sua presa — Sabe, depois que isso tudo acabar e Otelo arrancar a cabeça daquele Rato nojento — ele continua falando com boca próxima a minha, uma respiração rançosa de cheiro pútrido exalando por detrás de seus poucos pivôs — Você e Eu poderíamos ser mais amigos, eu poderia pedir você a Otelo, sabe, como meu animalzinho... — Eu fervia de ódio, aquela mente deturpada é interrompida repentinamente por alguém chamando ao longe. 

Ele vira-se — O que foi agora? Vocês idiotas não sabem montar guard... —permanecendo de costas por tempo suficiente para que eu suspende-se meu corpo na corrente presa ao teto, para aplicar uma gravata com a minhas pernas, com um giro forte eu escuto o pescoço do mercenário estalar, um barulho seco de osso e cartilagem sendo rompidos. Agora eu precisava me soltar, esperava que ele estivesse com a chave em seu sinto. Nada. Um dos guardas chegou correndo — Mas... que MERDA é essa? Como você? Como... — ele estava perplexo demais com a morte do companheiro caído a minha frente com a face virada para as costas. Ele me olha e dispara em fúria, investindo contra mim que estava presa nas correntes do Armazém. Bem. Não foi difícil, eu já havia testado a corrente com meu peso antes, então saltei e apliquei o chute com a maior força em minha pernas que consegui alcançar. Nocaute. Olhando por cima conclui que as chaves deveriam estar com o terceiro guarda. Meu estômago ainda doía do veneno, malditos, me pegaram desprevenida.

Eu não podia ficar parada esperando pelo próximo saqueador, amontoando legionários de pescoços quebrados e nucas deslocadas em frente a uma prisioneira. Foi então que me lembrei de uma das noites dos meus treinamentos de fuga, balancei a cabeça e joguei uma de minhas tranças no ar, agarrei-a com a boca, para poder assim pressionar o maxilar, o que eu iria fazer agora me causaria uma dor lacerante, aproximei as mãos "Chacais em armadilhas mastigam suas pernas para se salvarem" UGHHHH!!! — (...) clank — gemi. As lágrimas escorreram enquanto me concentrava na voz de Tundra, minha mentora, que havia me prendido por dois dias sem comida ou água no Planalto de Sal, uma voz que se misturava com o som do meu polegar direito sendo brutalmente deslocado, com uma mão livre e peguei um micha que escondo em minha bota. Eu coloco o dedo de volta no lugar. A cena é igualmente aguda. A dor não diferencia em nada também. Livre.

Agora eu precisava tomar conta do último guarda, quando eu chego sorrateira, Morgan está socando velozmente a cara do soldado de chão de Xavier. O rosto do Legionário havia virado uma pasta gélida de sangue que melava ao chão   — Eu vou perguntar mais uma vez... onde está a Garota? — algo me dizia que ele estava falando com um homem inconsciente, eu o interrompo — Olha só, eu sendo resgata pelo Rei em pessoa... nada mal — ele me fita e me reconhece — Raja! Você está viva...— diz  ele prosseguindo — Precisamos sair da qui rápido — Mas por que? — pergunto enquanto sou arrastada.

Chegamos na tenda médica, após o centro da cidade, algumas pessoas nem sabem quem é Morgan, ou pelo menos nunca havia visto em público, em uma maca e com soro improvisado ele respirava — Ele está assim a quanto tempo eu pergunto? — o Médico diz, que Marlboro pode não acordar.

Saio e pego meu arco. Não estava mais com som forte de vento. A Tempestade de Areia acabou. agora  nos restava somente esperar...

"Vamos lá Marlboro, eu não vim a até aqui para desistir agora."

Morgan me olha e diz — Fique aqui e monte guarda, com a tempestade sumindo muitos comerciantes e viajantes se dirigem até a Cidade Mercado de Wal, vou tentar reunir informações sobre Otelo, não confie em ninguém além de mim, há mais traidores entre nós.

Aproximo minha cadeira, sento,observo. Um homem de sono inquieto, com diversos espasmos musculares, até que ele diz algo que me chama atenção...

Raja... fique viva... aguente firme... — ele parece estar preso em um pesadelo. Ponho a mão sobre sua testa, a temperatura um pouco elevada, eu tinha umas raízes secas num compartimento secreto de minha mochila — Eu não preciso que você me salve, Rato da Areia... mas... Obrigado...

Pego as ervas secas e começa a amaçá-las usando uma cerâmica de barro, com a tempestade passageira, Morgan ao nosso lado, talvez agora os ventos soprassem a nosso favor.

Assim espero.

SANGRANDO POEIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora