Hunter me olhava com determinação e sem medo. Apesar de estarmos presos e ele estar dependurado pelos braços há horas, ele não esboçava qualquer reação ou dor. O comodante da estranha unidade militar se aproximava da gente, armado até os dentes com cara de poucos amigos, murmurava alguma coisa em aparelho que lembrava um walk-talk, sua pronuncia era gutural e áspera, parecia alemão ou algo do tipo, mas não estou certo disso.
Parte de mim estava aliviada, pois da ultima vez que havia visto Hunter ele espumava pela boca como se estivesse numa crise nervosa de epilepsia, agora eu via ele consciente e de certa forma alerta, Katy e eu estamos na mesma "gaiola", dessas que você em canis, para cachorros e animais de pequeno porte, portáteis e leves porém extremamente reforçadas para meu desespero e lamuria de minha irmã. Desde ontem quando levaram Hunter e Collins para uma cabana abandonada no meio da floresta, é incrível, andamos durante semanas na mata dormindo ao relento, e os caras chegam e encontram uma cabana abandonada em poucos minutos, desde então, eu não via mais Collins. Não conseguia falar com Hunter, mas por que todo esse alvoroço por mim e pela minha irmã?
Um dos soldados apontou o fuzil para a cara de Hunter — Então você é o famoso líder da unidade Alpha, não parece grande coisa... ainda mais visto de que sua unidade inteira o traiu... — distanciou-se enquanto o soldado amordaçado e amarrado calculava cada passo de seu captor — O que foi Hunter? Está esperando seu subordinado vir te libertar? Magoei seus sentimentos? — Hunter mantinha os olhos fixos, não piscando nem movendo um grau se quer de seu campo de visão, estático. O mercenário continuava andando sem olhar o caminho em direção a mim, havia uma pequena folga na porta da minha gaiola, Katy estava em choque, pobrezinha não tinha nenhuma reação a não ser chorar e soluçar no cantinho, mas eu poderia nos tirar daqui, e o olhar de Hunter para mim confirmava o meu pensamento, se havia alguma chance de sair daquele lugar, ela seria dada a mim, e eu precisava agarrar com unhas e dentes.
Quanto mais próximo ele chegava de mim mais eu podia ouvir o meu próprio coração batendo descontroladamente, foi então que ele parou e novamente disse algo em russo para mim, que eu não consegui distinguir, mas pela risada debochada dele deveria ser algo humilhante. Ele então virou-se mais uma vez para importunar Hunter, que estava quase inconsciente mantendo-se firme somente pelo treinamento rigoroso que recebera da Unidades Especial. Eu então aproveitei minha chance, estiquei meus braços pela grade o mais cuidadoso e rápido que consegui conciliar ao mesmo tempo. Alcancei o que eu queria a faca de combate do soldado, que ele trazia consigo a disposição na bota esquerda. Agora era esperar, Hunter notou meu movimento e piscou duas vezes com olhos pesados. Eu senti que ele estava me parabenizando. Veremos se o esforço de todos seria recompensado.
Escureceu. O restante dos mercenários se reuniu perto da fogueira, floretas costumam ser frias, mesmo no verão, o vento batia, eu tirei um dos casacos e cobri Katy, que dormia de alguma forma, apesar de toda aquela situação. Droga, não podíamos ser pegos, o que fariam com a gente? Eu olhei para Hunter que ainda estava acordado, nunca conheci alguém como ele, parecia indestrutível. Um soldado vinha trazendo nossa comida, prisioneiros cansados ou famintos são um atraso, então sempre devemos mantê-los alimentados, hidratados e despertos. Ele vinha caminhando segurando segurando as bandejas, enquanto a luz do cinto tático iluminava o caminho, ignorando a primeira regra básica, "nunca ande desacompanhado em um acampamento de guerra", Collins havia me ensinado isso enquanto acampávamos em nosso último refúgio, para nossa sorte, o soldado mercenário não conhecia esse regra.
Ele deixou a comida de Hunter na frente dele, e desceu ele da prisão suspensa, deixando as mãos e pernas dele ainda acorrentados, o soldado despencou ao chão e deu um forte e prolongado suspiro de alívio, estava praticamente esgotado — Não tente nada, ou mato as crianças e depois torturo você até a morte, está me entendendo, Hunter? — disse o soldado olhando fixamente para Hunter, que apenas confirmava com a cabeça. Então o sentinela veio em minha direção, passos largos, eu esperei ele chegar perto o suficiente e comecei a tossir, quando ele se abaixou pra ver o que estava acontecendo, eu usei a faca com toda a força e espaço que eu tinha disponível, acertando-o em seu pescoço, no inicio houve resistência, ele tentou se levantar e se afastar, mas já era tarde, estava se afogando com o próprio sangue e o trauma na cervical era letal. Ele caiu do lado de nossa gaiola, agonizando. Por sorte, eu alcançava os bolsos de seu traje, não demorei até encontrar a chave das gaiolas.
Abri minha gaiola e deixei Katy trancada lá dentro, levando a chave comigo, ela dormia calmamente. Peguei o fuzil e pistola do soldado e fui agachado nas sombras até Hunter. Ele estava debilitado, mas levantou-se e me disse em baixo tom — Vamos eliminar os guardas de rondas, e pegamos a Katy e damos o fora daqui... — perguntei então, afoito — Mas e o Collins — ele me olhou no fundo dos olhos e disse — Collins nos traiu, precisamos sair daqui.
Aquele momento foi difícil, mas nada se comparou ao que veio depois. Enquanto saiamos devagar, estávamos próximos da saída para interestadual, Hunter quebrou o pescoço de dois sentinelas que guardavam acesso, primeiro o que saiu para fazer a ronda e depois o outro, armou armadilhas de arame com as granadas de luz dos mercenários, para que se caso nos procurassem, teriam ao menos obstáculos para distraí-los. Ele me olhou, exausto — Você consegue carregar sua irmãzinha? — eu olhei ele e afirmei com a cabeça, então voltei para pegar Katy. Ela estava como a deixei, dormindo. Peguei ela nos braços e segui em direção da saída, não houve nenhum problema. Hunter me esperava escondido nos arbustos, fez sinal mexendo nas moitas, o que chamou a atenção de um dos mercenários, que veio checar onde estavam os companheiros que haviam ficado de sentinelas — Que estranho... eles deveriam estra aqui... aqueles dois malditos, devem estar cagando em uma dessas moitas, vamos logo com isso seus... — quando ele pôs a mão na moita Hunter girou seu corpo jogando por cima dele, amordaçando sua boca e torcendo ligeiramente seu pulso — Se você gritar, você já era, me entendeu? — disse Hunter ao mercenário, tirando a mão da boca do soldado inimigo e mantendo pressão no braço imobilizando-o — Onde está o Collins? — perguntou, o soldado apenas disse — Eles vão pegar vocês e n... — Hunter deu uma chave de braço e nocauteou o guarda, nós chegamos depois, então saímos antes que algum deles percebe-se que havíamos escapados. Katy parecia estra tendo um pesadelo. Eu também.
Andamos por quase duas horas no sentido contrario ao acampamento dos mercenários, estava muito escuro, apenas as estrelas e a lua faziam companhia, e os animais selvagens da floresta, mas estávamos próximos a rodovia, local que os animais silvestres evitavam por instinto. Descemos uma ladeira, Hunter tropeçou e rolou o barranco, estava exausto, eu desci com Katy em meus braços — Hunter! Você está bem? — ele levantou-se e chacoalhou as folhas e gravetos — Estou sim garoto, vamos descansar por aqui — haviam algumas arvores tombadas coloquei Katy no chão e ajudei-o a fazer uma pequena cobertura, o suficiente para nos abrigar, colocamos colocamos alguns gravetos no chão a fim de tentarmos nos isolar do frio, o corpo humano perde mais calor para o chão do que para a atmosfera, Hunter acomodou Katy e colocou o fuzil ao lado travado, eu olhei para ele e disse — Descanse, amanhã revezamos, hoje você precisa descansar, deixa que eu fico de guarda... — ele concordou, estava esgotado — Hunter? — perguntei a ele que já se encontrava deitado — O que foi garoto? — disse ele pondo-se sentado olhando para mim, eu estava cabisbaixo — E o Collins? Onde ele nos traiu mesmo? — ele me respondeu, disse sereno — Esqueça o Collins, ele não é mais um de nós... — deitou-se novamente — Hunter? — mais uma vez eu precisava falar algo, e mais uma vez ele se atentou ao que eu tinha a dizer — Diga garoto, eu preciso descansar, fale logo... — eu olhei para ele, deitado na cama improvisada de folhas e gravetos ao lado de minha irmãzinha — Hunter... Eu matei um homem... — ele deu um longo supiro e disse — Eu sei garoto... Eu sei...
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SANGRANDO POEIRA
Ficção Científica1° LUGAR - No Concurso SELLERS em FICÇÃO CIENTÍFICA 5° LUGAR - No Concurso SAKURA em FICCÃO CIENTÍFICA "Tudo e todos se dirigem para o mesmo fim: Tudo vem do pó e tudo ao pó retorna" - Eclesiastes 3:20 *** Em mundo devastado pela Guerra do Cata...