VII. Abril 2012

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Odeio buscar a Katy na escola. Sinceramente eu acho que meu velho faz isso só pra me sacanear, só pra eu não poder ver a Bel depois do serviço dela. Acabei de pegar minha carteira de motorista, 16 anos esperando por isso e finalmente, eu vou poder levar a minha namorada para curtir, um show dos White Stripes.

Pode não ser um carro novo, mas dei duro o verão inteiro pra conseguir esse Impala 67 - ele estava um lixo, tive que reformar cada detalhe, do painel a pintura, estofados e assim por diante - mas ele ficou espetacular. Sua pintura preta metálica espelhada, o Dean e Sam ficariam com inveja. Finalmente após torturosos 27 minutos minha irmãzinha desce a grande escadaria da Escola Junior — Até que em fim — disse eu para a pequena pirralha a minha frente, essa foi uma fase difícil de Katherine, 12 anos.

  — Papai disse para você me tratar bem, ou ele vai devolver o seu "brinquedo" para a loja de veículos - disse de maneira ameaçadora a pré adolescente, tão ameaçador quanto um hamster segurando uma faca de plástico. Eu quase tive vontade de rir. Bom de qualquer forma, depois da morte da nossa mãe, Katy ficou muito apegada a mim, ela estava crescendo rápido demais.

  — Onde estão suas amigas, o trato era 11:20 aqui na frente... - reparo que algo estava errado no momento em que Katy suspirou e fez um muxoxo, emburrando a cara e fazendo beicinho - Certo, o que aconteceu agora?

Elas são muito chatas! Odeio elas! - disse a pequena esbravejando, intervi da melhor forma que me ocorreu no momento. — Oah. Calma lá mocinha. Por que a senhorita está tão brava, vamos tomar um sorvete e você vai me contar essa história melhor - um sorriso, muito fácil Katy,  você sempre foi fraca para sorvetes.

Alguns minutos depois, na lanchonete... — Bom Katy, as coisas são assim mesmo, eu não entendo as meninas até hoje... — Você é um péssimo irmão mais velho, mas eu te amo. - após algumas conversas ela me confessou o problema, garotos, deixei escapar uma risada, quando eu tinha 12 anos eu não queria saber de meninas, queria jogar video-games, quem estou enganando ainda quero, resolvi passar a tarde com minha irmã, talvez mais um milkshake? Naquele exato pensamento o celular começou a vibrar - Bel - atendi.

  — Alô Bel, e  aí gata o que me conta - disse com a voz confiante enquanto observava Katy revirar os olhos —  Oi, então Tigrão eu não estou me sentindo muito legal, deve ser uma gripe, virose ou algo assim, então pedi pro meu pai vir me buscar, vamos dar uma passada no hospital, qualquer coisa te aviso, OK? - disse minha namorada do outro lado da linha com a voz meio falhada —  OK, Bel, sem problemas, me avise qualquer coisa, estou com a Katy, viemos tomar um sorvete — Manda um beijo pra essa fofura! - o celular estava meio alto então Katy pode ouvir, fez careta e mostrou a língua — Beleza, pode deixar que eu mando sim, se cuida gatinha. — Você também Tigrão.

Achei estranho, mas a lanchonete estava mais vazia que o de costume, enquanto acabávamos os milkshakes, pude notar que várias ambulâncias passavam rapidamente indo e vindo, na direção do subúrbio e do Hospital Estadual. Fiquei meio perplexo, mas resolvi ignorar, precisava conversar com minha irmã sobre minha namorada   — Katy, por que exatamente você não gosta da Bel, ela sempre gostou de você e te levou pra passear e fazer coisas de garotas... —  Por que ela vai tirar você de mim. - respondeu seco, antes que eu pudesse explicar aquilo para ela, o celular tocou novamente - Pai.

— Fala meu velho, já peguei a Katy, paramos pr... - antes que eu pudesse finalizar a frase meu pai me cortou —  Filho, presta atenção, não sai de perto da sua irmã, e não fala com ninguém, não me importa onde vocês estão só sai daí com a Katy, e vem direto pra casa!  — Calma, você tá me assustando, o que esta acontecendo? — Vem logo pra casa, PORRA! - afastei o celular do ouvido, a linha ficou muda. Deixei o dinheiro do sorvete na mesa, me levantei, peguei Katy pelo braço e sai da lanchonete.

Um cara estava no estacionamento, não estava desmaiado, mas em sua volta estava uma poça de água, não era sangue eu tinha certeza, ele estava vomitando, chorando e urinando tudo ao mesmo tempo, tampei os olhos de Katy — Não olhe querida - sussurrei no ouvido dela - Não olhe. O Homem não conseguia falar, aquela era uma visão angustiante, fui correndo em direção ao carro. Entramos, dei a partida.

No caminho pra casa, vi mais pessoas assim. Devo ter recebido algumas multas, pois não parei em nenhum sinal vermelho. Estacionei o carro em frente nossa casa, abri a porta com um impeto. Fiz um barulho considerável, meu pai ficaria bravo com aquela entrada espalhafatosa.

 —  Pai! Cadê você? Lá fora está uma loucura e... — enquanto fechava a porta da frente e chaveava, pedi para Katy me trazer um refrigerante. Liguei a televisão na CNN, estava passando uma reportagem especial de última hora sobre os acontecimentos de hoje.

...

"Uma nova doença? Será uma nova linhagem vírus ebola? Os doutores do Hospital Estadual de California dizem que as vítimas chegam com seus corpos quase completamente desidratados, em estado debilitado, porém ainda vivas, o laudo de óbito do legista confirma motivo da morte como afogamento... Fique conosco, mais notícias em breve..."

...

 Eu não conseguia acreditar no que estava vendo e ouvindo. Seria um atentado terrorista? Gás Mostarda, talvez? Enquanto abria minha lata de refrigerante e pensava sobre o assunto, Katy disse que procuraria por papai. Após uns 10 minutos no sofá, eu escuto uma batida oca na porta de madeira do segundo andar, então um grito agudo levanta cada fio de cabelo da minha espinha —  Katy!? - levanto e subo as escadas correndo, a cena que vi em seguida era difícil de descrever, Katy estava no chão, com a mão na frente dos olhos enquanto apontava para o banheiro. Lá estava o corpo de nosso pai, estirado no chão na mesma poça de água que eu havia visto tantas vezes até chegar aqui.

Na porta do banheiro tinha um bilhete:

"Mantenha sua irmã a salvo. Vá para a casa do seu tio. Amo vocês - Papai."

Fiquei alguns minutos sentado no chão, abraçado a Katy que se desmanchava em lágrimas, de repente vejo meu pai, totalmente encharcado em minha frente, olhando nos meu olhos.

  — Você a matou! Você vai queimar no inferno seu inútil!!!  

 Sinto suas mãos molhadas e frias estrangularem meu pescoço, enquanto meu rosto se molha pelo gotejar de seus cabelos encharcados...  — Não foi minha culpa....

SANGRANDO POEIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora