Quartenália- Era Da Ascendência

O Toque Mais Profundo

- Mais rápido Ethan- gritei enquanto corríamos pela mata.

Nós havíamos fechado a caverninha às pressas. Corríamos por entre as árvores e tentávamos somente atentar para o fato do tempo estar passando.

Enfim, chegamos à uma parte do muro que dava para subir se nos esticássemos já que não dava tempo de chegar até a parte alcançável. Naquele momento eu lamentei meu pouco tamanho e agradeci meu pouco peso. Ethan fez escadinha para que eu subisse.

Quando meu pé afundou na mão dele, dei o maior impulso que consegui e alcancei o topo do muro. Me joguei para o lado de dentro, eu estava preocupada a respeito de como ele iria subir, mas quando fiquei de pé fui recepcionada com seu rosto surgindo rapidamente e arremessando seu corpo para o piso.

- Oi, gata- ele disse piscando pra mim.

Puxei ele pela camiseta até uma parte escondida. Olhei para o relógio e me assustei.

- Falta menos de vinte segundos- falei- Vão descobrir que saímos do prédio e essa é a desobediência mais intolerável.

Ele olhou para um lado, depois para o outro, me empurrou para junto da parede e falou:

- Nesse caso só há algo a se fazer.

Então ele se jogou em cima de mim e grudou seus lábios nos meus.

Não sabia qual era sua intenção. Não no primeiro momento. Se era me esconder, querer que as pessoas se sentissem constrangidas à ponto de não querer atrapalhar ou se queria aproveitar o fato de já receber advertência. Eu demorei alguns milésimos para entender que ele fingiria aquilo para que pensassem que só saímos dos dormitórios e não do prédio...
Mas ele começou a transformar aquilo em um inesperado beijo. Seus lábios estavam refrescantes e suaves, eu quase não notei um pouco de suor em seus cabelos. Seus olhos fecharam-se em sintonia com os meus. Tive que ficar na ponta dos pés, senti cinco reconfortantes dedos deslizarem entre os fios do meu cabelo e apertarem minha nuca, senti mais cinco dedos entrelaçarem-se com os meus.

Aquele quase interminável beijo não aconteceu por acaso. Senti que havia sido planejado. Pensado.

De repente aqueles lábios com sabor indecifrável foram se desprendendo dos meus. Eu queria observar o movimento das câmeras, mas não consegui desviar meus olhos daquele silencioso olhar ilegível que não dizia se algo via ou se algo escondia.

Eu não pensava em nada senão em não pensar. Em violar um pacto de voz entre quatro pares de olhos que durante anos abafaram os gritos- e eu tentava entender pelo que gritavam.

Então, em uma velocidade de como se a luz fosse às pressas se encontrar com um cometa, ele me juntou novamente consigo  e voltou a me beijar. Aqueles lábios, antes suaves, agora estavam grosseiros e selvagens. Capazes de unir o bem e o mal em uma só sensação.

Pareciam duas bocas amigas que não se encontravam há anos pela euforia com a qual se saudaram. Eu resolvi corresponder e levei minha mão até seu rosto. Um beijo tão perfeito quanto a perfeição poderia presenciar. Um beijo, enfim, correspondido por mais que lábios e pensamentos. Um beijo interrompido por um:

- Caham!- Uma voz grossa e seca tossiu.

Era um dos diretores do colégio.

Seguimos silenciosos pelo corredor. Nada dizíamos e nem nos olhávamos. Só ouvíamos os passos apressados em direção à secretaria onde todos os professores já deveriam estar.

Um segurança começava a vigiar as imagens das câmeras a partir das uma da madrugada. Ethan foi um gênio em... Me beijar... pois era pior sair do colégio do que sair do dormitório para... Se encontrar com alguém.

Chegamos à secretaria e- como pensei- já estavam os outros dois diretores e duas professoras- incluindo a Sr. Marroney.

- Boa noite crianças- A diretora Rose desejou.

- Melhor pra eles do que pra nós- O outro diretor brincou.

Eu deixei escapar uma risada muda.

- É terminantemente proibido os alunos saírem dos dormitórios depois das nove- Ela continuou- Principalmente se for para... Isso.

- E você, Ethan!- O diretor que nos viu primeiro falou- A quem nós confiamos como monitor noturno durante dois dias da semana. Sabe que a partir de agora não tem mais o seu posto?

Ethan balançou a cabeça afirmativamente.

- Os dois sofrerão detenções como manda a regra do colégio- a diretora falou novamente- Irão fazer atividades extras durante o tempo livre de amanhã.

Confirmamos com a cabeça. Não me preocupava já que eu não estava mais fazendo nada no meu tempo livre.

- O que vocês tem a dizer?- um dos diretores perguntou.

- Perdão- Ethan falou antes de me olhar de canto- Nós só somos dois adolescentes apaixonados.

Eu confesso que me assustei quando ele falou isso. Ou ele era um bom ator ou estava ficando maluco. Resolvi escolher a primeira opção e atuar também.

- É. Não podemos ficar longe por tanto tempo que já queremos nos ver- rebati com um sorrisinho safado.

Ele levou sua mão até a minha e quando ele tocou meu dedo indicador, eu senti minha mão formigar. Parecia que uma brasa havia entrado no meu peito.

- Então é melhor irem para seus dormitórios antes que piore o castigo- a Sra. Marroney pediu nos dando um leve empurrãozinho com sua mão seca e enrugada.

Ela nos acompanhou até o corredor de onde poderíamos podíamos acessar os dormitórios.

- Boa noite, amor- Ethan falou pondo a mão na minha cintura e me dando um formigante selinho.

Eu respondi igual e fui apressada pela escada acima enquanto ele ficou conversando com a professora Marroney. Imaginei que ela estivesse decepcionada com ele já que foi ela quem sugeriu seu nome para monitor.

Me atirei na minha cama sem que fizesse barulho. As garotas estavam dormindo. Eu ainda podia sentir a respiração dele disputando espaço com a minha. A minha cabeça parecia uma ópera italiana. Eu sabia que não sentia nada por ele, mas aqueles beijos haviam mexido comigo.

Ao menos eu havia percebido algo.

Durante toda aquela confusão eu não tive nenhum flash de imagens bizarras. Ele também não tomou choque. Então eu tinha que investigar James.