Quartenália- Era Da Ascendência

Nosso Outubro

O mês de Outubro começou bem chuvoso. As chuvas, nesse ano em especial, pareceram aumentar, deixando os campos um verdadeiro lamaçal. As garotas ficavam mais dentro do colégio, sobretudo nos quartos. Os garotos tentavam manter o ritmo dos treinos de esportes, mas o clima não os favorecia.

Numa terça-feira, enquanto eu estava sentada no pátio com Ethan, Ellen e Jane, e o céu ameaçava chover mais tarde, Brian, um amigo do Ethan, chegou por trás e perguntou:

- O que estão fazendo aqui fora num dia como esse?

- O que VOCÊ está fazendo aqui fora?- Jane devolveu.

- Eu vi vocês da janela e quis vir aqui. Lá dentro está um saco.

Ellen riu tímida. Brian e ela já haviam tido uma breve história, mas ele não pareceu notar seu riso.

- Junte-se a nós- disse Jane- Os desafiadores do tempo. Aqui fora está bom. Sem todas aquelas pessoas, sem todo aquele barulho, tranquilo...

- Húmido- Ethan completou.

- Qual é o seu problema, Ethan?- Jane perguntou lentamente- Não precisa nos lembrar toda hora que o clima está uma droga! Vamos apenas aproveitar...

- A chuva que vai chegar- falei.

- Ótimo! Viu o que está fazendo com minha amiga?- Jane perguntou a Ethan brincalhona.

Todos nós rimos. Passamos uma tarde agradável apesar da humidade. Não choveu logo, a chuva demorou um pouco.

Ethan me convidou para fugir do colégio a noite e ir para a sua caverna. Disse que sempre soube passar escondido das câmeras, mas nunca havia me dito pois não sabia se, de fato, era eu a sua prometida.

Quando a noite caiu, saímos da mesma forma como da primeira vez. Caminhamos pela mata até chegarmos à pedra.

Uma vez dentro, pude ver o que ele havia preparado.

Havia uma pedra lisa no centro que fazia-se de uma excelente mesa artesanal. Em cima estava uma toalha com uma vela, pratos de porcelana e taças de cristal. No chão, uma de frente pra outra, estavam duas almofadas vermelhas com bordados de fios de ouro.

- Ethan! O que é isso?

Ele riu. Aquele mesmo sorriso fraco do quarto do hotel. Mas sem perder nenhuma marca da sua beleza.

- Eu andei estudando como funcionam os reinados e percebi muitas coisas. Sabia que, quando cavalheiros reais desejam desposar damas, fazem-lhes uma corte de no mínimo um mês? Corte é uma espécie de paquera real- eu ri muito da forma como ele falou- Eles jantam juntos, fazem passeios, programas e outras coisas.

Ele parou de falar e passou a me olhar. Eu também estava em silêncio e o encarava.

- Não esperava mesmo que a dama mais especial de Quartenália ficasse sem sua corte, não é?

Eu ri, mas percebi que meus lábios tremeram. Por dentro, todo o gelo da minha personalidade estava se quebrando e caindo caquinho por caquinho no meu estômago. E eu estava chorando. Internamente. Mas chorando.

- Sente-se- Ethan disse- E me permita servir-lhe com meus dotes culinários.

Ele foi até um canto, onde estavam alguns pratos sobre uma mesa maior, e voltou trazendo duas bandejas. Uma equilibrada em cada mão.

- Espero que goste de comida brasileira- ele disse.

- Para falar a verdade, nunca comi.

- Vou perdoá-la desse crime- ele disse com sua melhor encenação de ofensa.

Ethan me serviu de algo que parecia uma torta, mas tinha frango, milho, batata palha e algumas coisas a mais. A comida era realmente incrível. Sem dúvidas, a melhor comida estrangeira que eu já havia comido.

- Isso tem pimenta?- perguntei sentindo um pouco do ardor na minha boca.

- Sim. Um pouco. E também tem temperos deliciosos que você talvez não conheça. Esses brasileiros gostam de comidas bem afrodisíacas.

Eu encarei Ethan. Como ele podia conhecer tanto sobre tudo?

- Quais as outras culinárias que você aprecia?- perguntei a meio sorriso, muito interessada no que ele tinha a me dizer.

Ele fez uma cara que eu não soube dizer o que significava. Prazer? Satisfação?

- Eu amo a culinária japonesa. A francesa também é legal, mas eles tem muitas comidas que não tem tempero, e isso não me agrada muito. Mas seus doces e massas são ótimos. Itália! Se um dia eu for à Itália, vou começar à explorar pelas padarias. E a comida Peruana também é estonteante. Para ser sincero, boa parte dos países da América do Sul tem uma culinária excelente. Eu sou fascinado por temperos. Quando eu for rei, o cozinheiro vai ter que usar muitos temperos.

Eu não consegui evitar o riso. Ethan tinha a mania de brincar com tudo usando Quartenália e o seu futuro reinado.

Eu percebi ao longo da nossa conversa que Ethan iria querer me beijar.

Já fazia algum tempo que eu evitava contatos excessivos com ele. Era como se eu não quisesse me sentir na obrigação de amá-lo somente porque teremos de nos casar. Eu queria que tudo acontecesse normalmente. Mas agora era eu quem estava com uma vontade enorme de beijar Ethan.

Mas ele não tentou nada. O que me frustrou.

Voltamos ao colégio e Ethan me mostrou uma portinha ao pé do muro. Parecia um armário de jardinagem, mas era, na verdade, um corredor que levava até a sala dos monitores.

A medida que Outubro passava, meus amigos se preocupavam em preencher seus exames para as universidades. Mas eu e Ethan continuávamos praticando minhas visões e fazendo a "corte".

Ele levou-me ao cinema. Levou-me à uma exposição de flores, uma feira de artesanato, um museu de arte sulamericana e um restaurante vegano.

Ethan era a pessoa mais interessante que eu já havia conhecido em toda a minha vida. E eu me esforçava muito mesmo para devolver em amor toda a felicidade que ele me proporcionava.

Eu estava quase lá.