As Colinas de Gelo

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- De onde não se vê, uma pedra rejeitada, mas que dentro de sua capa rude existe um tesouro.

- Sorte de Quartenália que somos pessoas inteligentes- disse Ethan sorrindo.

- Existe algum lugar invisível em por aqui?

- Não. Isso é o que me preocupa.

O vi coçar o queixo. Um lugar que não se vê. O que seria?

- Um lugar escondido, talvez?- perguntei- Deve existir.

- Quem sabe? Não conheço Quartenália tão bem quanto gostaria, mas já ouvi falar de um lugar tão alto que está sempre no inverno.

- Um lugar alto e congelado. Deve adentrar as nuvens- falei- Talvez seu pico seja escondido.

- Isso. Mas, e quanto à pedra? Uma pedra rejeitada.

Estávamos sentados à luz de uma vela numa taberna próxima à nossa hospedaria. Há dois dias nós comiamos lá todas as nossas refeições e conversávamos sobre a próxima pista.

Olhei para o barman que enxugava um grande canecão de cerveja e dava olhadelas furtivas na nossa direção. O taberneiro já vinha trazendo nosso prato, e quando chegou, olhou para nós e perguntou:

- Não são casados, são?

- Não. Ela é minha irmã. Ellen Wolfgray. E eu Lefu Wolfgray. De Maya.

O homem abriu um sorriso revelando seus dentinhos engraçados. Ele sorrindo tinha aspectos de um ratinho.

- Boa terra, ouvi falar. Espero que nossa cerveja não ofenda o paladar tão requintado de vocês- ele virou-se para o barman- Bran, traga cerveja para nossos amigos. Por conta da casa.

- Que gentileza a sua- falei- Obrigada.

- Recebo viajantes aqui todos os dias. Todos querem contar suas histórias. Conheço lugares e pessoas sem nem mesmo ter visto com meus próprios olhos- ele sorriu orgulhoso.

Eu e Ethan nos olhamos. Era tudo o que precisávamos ouvir.

- Senhor...

- Gregor Goldenfray

- Goldenfray, ouvi uma história que me deixou curiosa.

Ele sentou-se ao meu lado e ficou atento ao que eu dizia.

- Ouvi falar de um lugar muito alto que está sempre no inverno. As pessoas que moram lá devem sofrer bastante com o frio.

- Ah, minha jovem! Impossível morar lá. Não existe comida, e o frio é de congelar os olhos se você passar muito tempo.

- Mas ele existe mesmo?- Ethan perguntou.

- Ora, claro que sim. Todos conhecem. São as colinas de gelo do Sul.

- Quanto tempo para chegar ao pico?

O homem coçou o queixo e olhou para cima como para lembrar de algo.

- Conheci um alpinista nortenho que se hospedou por aqui uma vez. Ele disse que é possível chegar em uma escalada de quatorze horas. Mas, quem iria querer chegar ao pico? Somente os aventureiros.

- Uma curiosidade, apenas- disse Ethan.

- De qualquer forma- o homem prosseguiu enquanto se levantava- É uma vista bonita de baixo, ouvi falar. Não dá para ver o pico. É coberto por nuvens. Bem... Bom dia para vocês.

O homem voltou à cozinha da taberna. Ethan me olhava em um meio sorriso.

- Espero que aqui próximo vendam roupas de frio.

Saímos da taberna algum tempo depois. Voltamos para a hospedaria e nos preparamos para a viagem. Nos despedimos do dono do local que nos recebera muito bem, e saímos.

Nossas novas roupas de frio eram estranhas. Longas, escuras e de couro com pelos de animais. Exceto por uma capa amarela que Ethan insistira em comprar para mim.

Nossa viagem seria longa. Três dias de viagem, segundo o mapa.

No nosso primeiro dia, paramos apenas para caçar, comer e dormir. O cetro estava bem guardado sob trancas no baú. Ethan conversava um pouco durante o caminho para se manter alerta. Parecia animado e ansioso.

No segundo dia de viagem, resolvemos fazer uma pausa um pouco maior para o almoço, afim de que pudéssemos descansar um pouco mais. Ele assava um coelho na fogueira, e eu olhei em seus olhos. Havia algo que eu ignorei por todo o tempo desde que havíamos chegado em Quartenália. Ethan estava ficando mais fraco à medida em que a luz fazia progressos para estinguir as trevas. Seus olhos estavam fundos e escuros. Sua pele mais pálida e seu cabelo desgrenhado como se não houvesse tempo ou ânimo para cuidar. Esse não era o Ethan. Não o MEU Ethan.

- Um cajado- ele disse- É isso que estamos fazendo, não é?

- Sim- falei.

- Acredito que amanhã pela noite chegaremos às Colinas de Gelo. Vamos dividir a escalada em dois dias. Sete horas para cada dia. Com pausas regulares.

- Mas a carruagem ficará em baixo.

Ele respirou fundo e disse:

- Um risco que vamos correr. Mas o cetro vai conosco.

-  Ethan. Precisamos de um plano logo. Para não ficarmos como da última vez. Vários dias sem saber o que fazer. Ou por onde começar.

Ele assentiu.

Estava muito frio à medida que nos aproximávamos do sul. Tivemos que dormir próximos um do outro para nos aquecermos.

Na manhã do terceiro dia de viagem, seguimos para o nosso destino, colhendo frutas pelo caminho para termos o que comer nas colinas.

Senti que a altitude não estava fazendo muito bem ao Ethan. Ele tentava disfarçar suas toces, sua fraqueza e o quanto seus olhos ficavam vermelho e lacrimosos. Mas eu percebia. Queria falar sobre isso, mas sabia que esse assunto o incomodaria.

Não havia anoitecido por completo. O céu estava escurecendo gradativamente quando Ethan parou a carruagem. Ele veio até o meu lado, segurou minha mão e me ajudou a descer.

O chão era completamente branco, mas onde não tinha gelo, o solo estava congelado. Olhamos para cima. Eram altas, azuis e com insistentes manchas brancas. Mas não conseguíamos ver o fim. As nuvens cobriam todo o pico.

Eram as colinas de gelo do Sul.

Quartenália- Era Da AscendênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora