Jake

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-Sabes, se não me contas nada é impossível desenvolver qualquer relacionamento. - Resmunga a Scarlet e eu levanto-me, saindo disparado do quarto.
Ela tem razão, é mesmo impossível. Tal como é impossível eu viver com o medo de a perder por causa do meu passado. Ela afirma que nada do que possa ter acontecido no passado é lhe indiferente, mas ela não sabe o que eu fiz. Não sabe a quantidade de merda que eu já fiz a raparigas, à minha mãe, a gajos, a quantidade de vezes que já estive a cair de bêbado e pedrado, a comer gajas e depois deitá-las fora como lixo. Se ela soubesse, não sei se voltaria a olhar para mim da mesma forma.
No entanto, preciso de tirar este peso de mim. Entro no quarto de rompante e ela assusta-se com o barulho da porta.
-Tens a certeza de que tudo o que possas saber sobre o meu passado não vai interferir de maneira nenhuma da maneira como tu me vês, e do nosso relacionamento? - Pergunto, ao entrar no quarto, demasiado rápido.
-Tenho a certeza. - Diz e senta-se na cama.
-É muita merda, por favor sê compreensiva. - Peço e ela acente com a cabeça. - Okay… isto vai demorar um bocado, vou-te tentar contar tudo, prometo que o que não te disser agora não é propositado. - Começo, ela dá-me a mão como encorajamento. - Quando era pequeno, os meus pais discutiam imenso, o meu pai batia na minha mãe, e houve uma noite... Em que vi o meu pai a violar a minha mãe. É por isso que tenho pesadelos... - Entro em recordações que me atormentam e engulo em seco ao me lembrar daquela noite que me tem perseguido nos últimos doze anos. - Na noite a seguir a essa o meu pai foi-se embora,veio para a América e nunca mais tive notícias dele até à dois anos atrás, quando a minha mãe decidiu vir para a América ter com o teu pai. Claro que nesse período, entre o meu pai de ter ido embora e eu ter-te conhecido fiz imensa merda. Quando tinha doze anos fiquei bêbado pela primeira vez, mas não gostei assim muito. Quando fiz treze, conheci um rapaz, o Thomas, ele também era como eu, revoltado, a mãe dele tinha morrido e o pai era a merda de um agarrado. Ele tinha quinze, foi basicamente o meu único amigo da adolescência. Adorávamos fazer merda com toda a gente, estávamos sempre bêbados ou pedrados, roubávamos em pequenas lojas de conveniências para obter bebidas alcoólicas. Tínhamos este pequeno grupo, eram todos um ou dois anos mais velhos que eu, e eram todos revoltados, com merda de família que só queriam esquecer tudo. - Respiro fundo, a Scarlet continua com a mão agarrada à minha e vejo as lágrimas nos seus olhos. Porra. Apanho as lágrimas com os dedos e ela encosta a cara às minhas mãos. - Aos catorze perdi a virgindade com uma rapariga de desassete, desde aí foram incontáveis as raparigas com quem dormi em noites de festa que estava pedrado, a cair de bêbado. Não me orgulho disto, somente não tinha nada a perder, não dava um chavo por nada. Fiz os piercings e a minha primeira tatuagem com esta idade. Não me arrependo de ter as tatuagens, gosto delas, são a única coisa por onde me posso expressar. Depois disso, nos próximos anos está tudo meio esfumado, estava sempre a cair para o lado, mas houveram casamentos destruídos, raparigas enganadas por causa de apostas,... - A Scar está com uma cara um pouco horrorizada, mas não vejo uma centelha de censura na cara dela. Imagens de raparigas se minutas à porta da minha casa a pedir para dormirem lá porque a família tinha virado as costas vêm-me à cabeça. Não as deixava entrar, como poderia?, a minha casa cheirava a tabaco barato, a álcool e a erva. Não as podia deixar entrar, simplesmente não conseguia. - Foram anos disto, fui preso duas vezes por agressões físicas e condução embriagada. Tenho um grave problema a lidar com a raiva, estava sempre a bater em toda a gente, mesmo sem razão aparente. Ainda não consegui vencer isso. Vim para a América com a minha mãe aos dezoito, há dois anos. Detestei e ainda detesto visceralmente este país. Detestei ter de viver para aqui com o teu pai e a minha mãe, mas não tive escolha. Era isto ou a casa do meu pai. O homem perfeito, agora, como não podia deixar de ser. Podre de rico, uma nova mulher, um novo filho, a casa e o emprego milionário, a nova família dele tem a versão de pai dele que eu nunca tive. Entrei para a universidade a muito custo, porque não fiz puto no liceu, mas lá consegui. A verdade é que até me safo bem, e vou acabar o curso um ano mais cedo que o previsto. No primeiro ano comecei num estágio na empresa de um amigo da minha mãe de infância remunerado. Ainda estou lá, é uma editora, paga bem e deixam-me trabalhar a partir de casa. Continuava a fazer merda aqui na América, até tu chegares. Scar, não quero ser mais o miúdo revoltado de se refugia no álcool, quero ser bom para ti, mas tens de me ensinar como isso se faz. Nunca estive numa relação, nem sequer dormi na mesma cama que uma rapariga antes, sem ser umas vezes que estava demasiadamente bêbado para me levantar. Nem sequer as deixo beijar-me, acho que é muito pessoal. Ouve sou uma besta, mas não quero. Quero que tu me encares como alguém digno de ti. - Ela está a chorar desalmadamente e não sei se é porque está com raiva e magoada comigo ou se sente pena por mim, ou mesmo um desgosto qualquer. Ela lança-se para os meus braços e abraça-me com força.
Okay, não era bem este tipo de reação que esperava.
-Desculpa ter-te feito relembrar isto... - Soluça no meu pescoço. Afago-lhe o cabelo e sinto o seu aroma a baunilha. Ela está preocupada comigo? Não faz puto de sentido nenhum, achava que ela ia ficar a ver vermelho e nunca mais me ia falar.
-Não estás zangada? - Pergunto é ela debilmente se afasta e limpa as lágrimas com as costas da mão.
-Porque haveria de estar? Ouve Jake, claro que não fiquei feliz ao saber o passado por que tiveste de passar, mas não fiquei zangada. Só me fez amar-te mais, não pelos teu erros, mas por mos teres contado e por saberes que foram erros. Amo-te, e disse-te que isso não ia mudar com qualquer passado que possas ter tido. - Respira fundo e eu volto a puxá-la para mim. Porra eu amo esta rapariga mais do que tudo no mundo. Farei os possíveis e os impossíveis para a manter e ser digno dela.
-Amo-te Scar. - Digo para o cabelo dela.
-Amo-te Jake. - Repete. E estas palavras são tudo o que é preciso para pensar que mesmo que seja muito difícil, nós vamos conseguir.
Deito-me na cama com ela e observo cada traço do seu rosto perfeito até adormecer.
Apelo a todos os anjinhos que façam com que isto resulte.

STAY STRONGOnde histórias criam vida. Descubra agora