No dia seguinte a maré virou para o Projeto Terra. Com os reforços de Caramuru, os dois lados ficaram mais equilibrados, o que não pareceu abalar os ânimos dos Jaguares, mas quando a marinha tirou os canhões do compartimento de carga da nave, a confiança caiu por terra.
Apesar de parecerem com as armas da época das explorações marítimas, os canhões usados ali não disparavam meramente bolas de metal, mas toda a sorte de equipamentos fornecidos pela IWC. As criações da empresa de Hope iam de emissores de pulsos eletromagnéticos a granadas de gás cujo cheiro era tão pestilento que causava enjoos instantâneos em quem o inalasse.
Em três dias, a resistência dos Jaguares foi vencida e eles recuaram, devolvendo o território anteriormente conquistado. Naquela noite os generais se permitiram compartilhar uma garrafa de vinho importada de Maat.
Adriana e Juan estavam agindo como se o beijo daquela noite nunca tivesse acontecido, o que em certos momentos criava um silêncio constrangedor quando os assuntos de guerra se esgotavam. Adriana se sentia extremamente desconfortável nessas horas.
O rapaz conversava com Haru e o almirante Ricardo, e Adriana foi conversar com as meninas.
Hope e Alisha discutiam num canto da cabana. Nyela se mantinha afastada, e ao ver Adriana se aproximar, balançou a cabeça com força, pedindo que não tomasse parte naquela briga. Mas a jovem não segui o conselho da amiga.
-- Ei gente, qual é o problema? Não vamos discutir na nossa noite de festa.
-- A princesinha está reclamando que da minha empresa fornecer as armas que estão vencendo essa guerra – Hope girou a taça de vinho nas mãos. A julgar pela vermelhidão em suas bochechas, ela tinha bebido um pouco mais que o resto dos presentes.
-- Eu disse que é uma surpresa muito desagradável que a IWC invista na indústria da guerra e das armas.
-- O que construímos é para a nossa defesa!
-- Não precisaríamos nos defender dessa maneira tão brutal se não nos rebaixássemos ao nível deles e buscássemos a paz como objetivo comum.
-- Eles não querem paz, Alisha – Adriana argumentou – Também não gosto de estar num campo de batalha, mas não temos escolha. A ideia de "quando um não quer, dois não brigam" não se aplica aqui. Se ficarmos parados, eles vão nos matar.
Alisha se retirou sem falar mais nada. Hope foi conversar com Juan e Nyela chegou perto de Adriana, com certa tristeza no olhar.
-- Sinto pela princesa – comentou – Pessoas como ela não se encaixam nesse ambiente.
-- Concordo – Adriana assentiu com a cabeça – A visão de paz dela é bonita, mas não muito realista. É puro idealismo.
A noite terminou com a jovem levando Hope para sua nave, uma vez que ela tinha bebido muito vinho para fazê-lo sozinha. Era uma pena que alguém tão nova já bebesse tanto e de forma tão natural. Talvez fosse sua forma de lidar com o estresse da guerra.
Depois de deixar uma Hope adormecida em sua cabine, Adriana voltou para a Concriz. No caminho Luny se aproximou flutuando suavemente e informou:
-- Os Jaguares estão se reorganizando. É provável que tentem uma nova investida amanhã.
-- Se fizerem, temos batedores e sentinelas espalhados para nos avisar com antecedência.
Se preparando para dormir, Adriana viu que uma pequena luz piscava em seu comunicador, indicando uma mensagem. Era de Eduardo.
-- Oi, Adriana – ele sorria – Eu soube que a situação aí na Terra melhorou agora que a imperatriz mandou ajuda. Os jornais daqui estão te chamando de heroína. Eu até pensei – desviou o olhar por um momento – em ir pra aí quando acabar, ver se é tão bonito quanto você diz. Me ligue quando ouvir.
Ela não acreditava no que ouvira, Eduardo queria vir para a Terra selvagem. Imediatamente se encheu de alegria, mas tão rápido quanto surgiu, essa emoção sumiu para dar lugar à preocupação. E se ele viesse mesmo e descobrisse do beijo dela com Juan? O que pensaria?
Mas como ele descobriria? Só ela e Juan sabiam, e ele nunca contaria, certo? A incerteza a deixava louca.
Por outro lado, tinha muita saudade de Eduardo. Não se passava um dia sem que olhasse para a pulseira que ele dera e ficasse um longo tempo pensando nele e em casa. A pulseira se tornara uma espécie de amuleto, como se a ligasse à antiga vida.
Por fim, a guerra tomou lugar nos pensamentos de Adriana. Se Eduardo quisesse visita-la, teria que esperar o conflito amainar, com certeza não aguentaria o ambiente hostil, nem aprovaria sua presença ali.
*
No dia seguinte, conforme Luny previra, os Jaguares lançaram um ataque ao acampamento. Felizmente havia barricadas nos arredores para o caso de uma investida dessa natureza, e uma tropa se posicionou para defender os alojamentos.
Alisha estava na Concriz com Adriana quando ouviram os primeiros tiros. A princesa se encolheu na cadeira onde estava sentada.
-- Nunca tivemos um ataque tão perto do acampamento.
-- Calma, eles não vão conseguir passar da barricada – Adriana tentou acalmá-la.
Mas os tiros só aumentaram, parecendo cada vez mais perto. Num momento a general ouviu Kantu chama-la de fora da nave.
-- Ei, Adriana! – o sacerdote entrou tropeçando – Temos um problema.
-- Eles estão avançando? Furaram a barricada?
-- Não, é outra coisa. Chegou uma nave agora há pouco, mas não é dos Jaguares nem de nossos aliados. São documentaristas.
-- Como é?! – Adriana exclamou.
-- Querem cobrir a guerra. Fazer um documentário.
Incrédula, Adriana seguiu Kantu para fora, pensando que não poderia haver hora mais inoportuna e perigosa para jornalistas aparecerem.
Os dois atravessaram o pequeno espaço entre a Concriz e a pequena nave dos jornalistas com a cabeça abaixada, temerosos por alguma bala perdida.
Os tais documentaristas eram três: uma mulher com um salto alto demais para o terreno irregular dali, um rapaz de cabelo comprido que polia as lentes de uma câmera e um homem mais velho que cuidava do equipamento. Todos eram de Caramuru.
A mulher, que se apresentou como Amanda, falou com um sorriso profissional:
-- Queremos que o povo saiba o que a senhorita está fazendo. É o nosso dever como jornalistas.
Apesar de todo o profissionalismo em sua voz, dava para ver que ela estava com medo. Todos eles estavam apavorados, mas se esforçavam para não demonstrar. As mãos do rapaz tremiam ao polir as lentes, o homem com o equipamento olhava para os lados como se a qualquer momento um animal selvagem fosse ataca-los, e a mulher tinha o horror presente em seus olhos.
Adriana designou um pequeno grupo de soldados para escolta-los em sua estadia. No caminho advertiu:
-- Não posso prometer que todos os generais vão querer ser entrevistados.
-- Podemos começar pela senhora? – o rapaz cameraman perguntou. Adriana se sobressaltou.
-- Agora?
-- Se estiver ocupada, não precisa ser agora – respondeu Amanda.
A jovem pensou por um momento e disse:
-- Hoje à noite, depois do jantar, terei um tempinho livre. Pode ser na minha nave?
-- Claro. Qual é a sua? – a documentarista olhou para as grandes naves dos exércitos. Com um sorriso contido, Adriana apontou para a Concriz.
-- Aquela ali.
-- Oh – ela se surpreendeu – É de colecionador?
-- Está mais para de sucata. Bem, até de noite.
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Imigrantes
Science FictionCentenas de anos no futuro, a humanidade partiu da Terra e ocupou incontáveis outros planetas, se separando no processo. Agora há um planeta para cada população, mais distantes do que nunca uma da outra. Adriana nasceu em Caramuru, um enorme planeta...