Espirito espotivo

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Íamos ficar gripados. Depois de tomar chuva no peito e depois da cúpula de gelo, eu e Lucas tinhamos narizes entupidos e dores no corpo.

  -Que berda. -Falei, esfregando meus braços no moletom, depois do banho.

  -Dão acredito que você consegue consertar uba costela, bas não consegue curar gripe. -Lucas protestou.

Lá fora a tempestade ainda quebrava o mar, e o barco balançava demais.

  -Se continuar assim, não vamos chegar vivo a Creta. -Tio Ethan reclamou.

  -Está brincando, ? -Perguntei.

  -Aquilo é uba ilha? -Lucas perguntou de repente, se levantando de uma vez.

  -Você está enxergando alguma coisa? -Ethan perguntou.

  -Ali. -Lucas apontou.

Um relâmpago caiu em algum lugar próximo, iluminando momentaneamente o mar. A ilha estava um pouco distante, mas foi possível ver um pouco dela.

  -Precisabos ir para lá. -Lucas disse, convicto.

  -Como?

  -Você acabou de dizer que não vamos continuar vivos se continuarmos navegando desse jeito. Temos que parar ali.

Estranhei. Lucas falava com muita certeza, sendo que nem sequer sabíamos que ilha era aquela. Ele olhava pra ilha, o cenho franzido, enquanto tio Ethan encarava a paisagem turbulenta, preocupado.

  -Certo. Teremos que passar o resto da noite lá, ou vamos naufragar ainda hoje. -Tio Ethan concluiu.

Voltei a me sentar no banco e Lucas se sentou ao meu lado, olhando quase ansioso pra ilha.

  -Lucas. -Chamei, mas ele nem sequer pareceu me ouvir. -Lucas. -Coloquei a mão sobre a dele, apertando um pouco e chamei com um pouco mais de urgência. -Lucas!

  -O que? -Ele perguntou, saindo do davaneio.

  -Você está bem? -Perguntei, preocupada.

  -Estou bem. Porque?

Ele puxou a mão dele da minha e as colocou no bolso, quase sem perceber.

  -Nada. -Resmunguei e também guardei minhas mãos no bolso do moletom.

Quando finalmente chegamos na ilha, a chuva caia com menos força, mas ainda era impossível enxergar muita coisa. Lucas insistiu que tínhamos que descer do barco e procurar um lugar pra ficar, mas tio Ethan disse que era melhor fazer isso de dia ao invés de entrar numa mata desconhecida no breu da noite.

Era a vez de Lucas ficar de vigia, mas tio Ethan disse que cobriria aquele turno, dizendo que tínhamos passado por maus bocados e que precisávamos descansar. Lucas tentou convencê-lo do contrário, mas acabou cedendo.

Eu estava deitada de barriga pra cima, ouvindo a forte chuva caindo. Lucas estava na cama ao lado de costas para mim. Pensei em mamãe, em como ela estaria se saindo no Equador. Percebi que meus dedos estavam de novo na correntinha presa ao meu pescoço, tocando a aliança de papai.

Fechei os olhos e me concentrei. Fazia dias que eu tentava ter alguma visão por espontânea vontade. Eu quase conseguira da última vez e estava bastante confiante, apesar de estar bem cansada.

Sob minhas pálpebras o mundo começou a se desfazer. Eu estava numa sala de estar espaçosa com paredes azuis e um sofá branco. Algumas crianças pequenas corriam ao redor da mesinha de vidro, uma garotinha morena de rabo de cavalo e outra com os cabelos ondulados soltos. Elas riam sem parar, até a voz de uma senhora chamou a atenção, em espanhol.

As Crônicas dos Daren - Livro II Da Brisa à TempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora