Pai.

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Jungkook

Domingo à noite, Yerin, Rocky e eu vamos até a casa nova do meu pai, na parte mais rica da cidade, par o Jantar em Família Semanal Obrigatório. Visto a mesma combinação de camisa azul-marinho e calça caqui que sempre uso para visitar meu pai.

No caminho, permanecemos em silêncio, cada um olhando por uma janela. Nem ligamos o rádio.

— Divirtam-se — minha mãe diz antes de irmos , tentando parecer alegre, mas sei que assim que o carro saiu da garagem, ela ligou para uma amiga e abriu uma garrafa de vinho.

Vai ser a primeira vez que vejo meu pai desde o Dia de Ações de Graças e a primeira vez que vou à casa onde ele mora com Hyoyeon e o filho dela.

É uma daquelas casas enormes e novinhas que se parecem com todas as outras da rua. Quando estacionamos de frente, Yerin diz:

— Imagina tentar encontrar a casa certa depois de beber...

Marchamos pela calçada branca e limpa. Dois SUVs iguais estão estacionados na frente da garagem, brilhando como se sua pretensiosa vida mecânica dependesse disso.

Hyoyeon abre a porta. Talvez tenha trinta anos, o cabelo é loiro e o sorriso, preocupado. Segundo minha mãe, ela é o que se chamaria de "cuidadora", o que — também segundo minha mãe — é exatamente do que meu pai precisa. Ela veio com um acordo de duzentos mil dólares do ex-marido e um menino banguela de sete anos de idade chamado Moon Bin, que pode ou não ser meu irmão de verdade.

Meu pai vem em nossa direção lá do quintal, onde está assando quinze quilos de carne, apesar de estarmos no inverno. Sua camisa diz Chupa, estado. Há doze anos ele era jogador de hóquei profissional, mais conhecido como Destruidor, até que quebrou o fêmur na cabeça de outro jogador. Parece igual à última vez que o vi — bonito e em forma pra um cara da idade dele, como se esperasse ser chamado de volta pro time a qualquer momento —, mas o cabelo escuro está salpicado de cinza, o que é novidade.

Abraça meus irmãos e me dá um tapinha nas costas. Ao contrário da maioria dos jogadores de hóquei, de alguma maneira ele conseguiu manter todos os dentes, e os mostra pra nós como se fôssemos seu fã-clube. Quer saber como foi nossa semana, como vão as aulas, se aprendemos algo que ele não saiba. É um desafio pra ver se conseguimos vencer nosso velho pai, mesmo sendo fácil falar algo que aprendemos que ele não saiba já que estudamos em uma escola de arte, mas não é divertido pra ninguém, então nós três dizemos não.

Pergunta sobre sobre o curso fora durante novembro/dezembro, e eu demoro um pouco pra perceber que ele está falando comigo.

— Ah, foi legal.

Boa, Yerin. Tenho que agradecer mais tarde. Ele não sabe dos apagões nem dos problemas no colégio desde o segundo ano porque no ano passado, depois do episódio da guitarra, falei pro diretor Wang que meu pai tinha morrido em uma caçada. Ele nunca se deu ao trabalho de confirmar, e agora sempre que tenho algum problema ele liga pra minha mãe, mas na verdade fala com Yerin, porque minha mãe nunca ouve as mensagens de voz.

— Eles me convidaram pra ficar, mas não aceitei. Tipo, por mais que eu goste de patinação artística e seja bom nisso, acho que puxei de você, não sei se quero seguir carreira.

Um dos grandes prazeres da minha vida é fazer comentários como esse, porque ter um filho gay é o pior pesadelo do imbecil preconceituoso do meu pai.

Sua única resposta é abrir outra cerveja e atacar os quinze quilos de carne com o garfo, como se eles fossem pular da churrasqueira e nos devorar. Eu até queria que isso acontecesse.

Quando chega a hora de comer, sentamos à mesa na sala de jantar branca e dourada, com um tapete de lã natural, o mais caro que o dinheiro pode comprar. Parece que é uma melhora enorme com relação ao carpete de náilon de merda que estava na casa quando eles se mudaram.

Moon Bin mal alcança a mesa, porque a mãe é baixinha e o ex-marido dela também, ao contrário do meu pai, que é um gigante. Meu meio-irmão é um nanico, diferente de como eu era quando tinha a idade dele — tem tudo na medida, proporcional, nada de cotovelos nem orelhas protuberantes. Essa é uma coisa que me faz acreditar que, no fim das contas, talvez ele não seja geneticamente ligado ao meu pai.

Agora, Moon Bin chuta o pé da mesa e olha pra nós por cima do prato com olhos de coruja arregalados e enormes.

— Como vai, tampinha? — digo.

Ele responde alguma coisa com a voz fina, e meu pai, o Destruidor, põe a mão na barba perfeitamente aparada e diz com a calma de um monge:

— Moon Bin, nós já falamos sobre chutar a mesa. — Ele nunca usou esse timbre comigo nem com meus irmãos.

Rocky, que já encheu o prato, começa a comer enquanto Hyoyeon serve um por um. Quando chega minha vez, digo:

— Não quero nada, a não ser que você tenha hambúrguer vegetariano.

Ela só pisca pra mim, a mão ainda pairando no ar. Sem virar o rosto, encara meu pai.

— Hambúrguer vegetariano? Cresci comendo carne e batata e cheguei aos trinta e cinco. — (Ele fez quarenta e três em outubro.) — E nunca questionei, porque eram meus pais que colocavam comida na mesa.

Ele levanta a camisa e acaricia a barriga — ainda retinha, mas não tão definida —, balança a cabeça e sorri pra mim, o sorriso de um homem que tem uma esposa nova e um filho novo e uma casa nova e dois carros novos e só tem que aguentar os filhos mais velhos por mais uma ou duas horas.

— Não como carne vermelha, pai. — Pra ser exato, tenho uma nova versão de mim que é vegetariana.

— Desde quando?

— Desde a semana passada.

— Ah! Pelo amor de... — Ele recosta na cadeira e olha pra mim enquanto Rocky dá uma mordida grande no hambúrguer e o sangue escorre pelo queixo.

— Não seja babaca, pai. Ele não precisa comer se não quer — diz Yerin.

Antes que eu pudesse pensar, digo:

— Existem jeitos diferentes de morrer. Você pode pular de um telhado ou se envenenar aos poucos com a carde de outro ser vivo.

— Me desculpe, Jeon. Eu não sabia. — Hyoyeon dispara um olhar pro meu pai, que ainda está me encarando. — Que tal um sanduíche com salada de maionese? — Ela parece tão esperançosa que eu aceito, embora a salada de maionese tenha bacon.

— Ele não pode comer isso. A salada de maionese tem bacon. — Essa frase vem da Yerin.

— Bom, ele pode tirar a droga do bacon — Meu pai deixa transparecer um pouco do sotaque canadense. Está começando a ficar irritado, então calamos a boca, porque quanto mais rápido comemos, mais rápido vamos embora.

The froster brightness  [kth +jjk]Onde histórias criam vida. Descubra agora