Remédios.

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Jungkook.

As Casas-Ninho não estão lá. Está escuro quando paro no centro, com seus prédios de cores vivas, e pergunto pra todo mundo que encontro onde estão as tais casas. A maioria das pessoas nunca ouviu falar delas, mas um velho me diz:

— Sinto muito que tenha vindo até aqui. Infelizmente elas foram consumidas pelo tempo e pelas intempéries.

Como qualquer um de nós. Os ninhos atingiram sua expectativa de vida. Penso no ninho de lama que fizemos pro passarinho lá em casa há tantos anos, e me pergunto se ainda está lá.

Imagino os ossinhos no pequeno túmulo e acho que é o pensamento mais triste do mundo.

Em casa, todos estão dormindo. Subo a escada e me olho no espelho do banheiro por muito tempo e chego a desaparecer diante dos meus olhos. Estou desaparecendo. Talvez já tenha desaparecido. Em vez de entrar em pânico, me sinto meio fascinado, como se fosse um macaco num experimento. O que faz com que o macaco fique invisível? E, se você não pode vê-lo, pode tocá-lo se estender a mão para o lugar onde ele estava? Ponho a mão no peito, na cabeça, e sinto a carne e os ossos e o pulsar forte e irregular do órgão que me mantém vivo.

Entro no closet e fecho a porta. Dentro, tento não ocupar muito espaço nem fazer barulho, porque se fizer posso acordar a escuridão e quero que a escuridão durma. Me esforço para que minha respiração não seja muito alta. Se for, não há como prever o que a escuridão pode fazer comigo ou com Taehyung ou com qualquer pessoa que eu amo.

Na manhã seguinte, ouço os recados gravados na secretária eletrônica de casa. Tem uma mensagem do Chula pra minha mãe, de ontem à tarde.

— Sra. Jeon, quem fala é Kim Heechul do colégio B&T. Como a senhora sabe, tenho aconselhado seu filho. Precisamos conversar sobre Jungkook. É muito importante. Por favor, me ligue.

Ele deixa o número.

Ouço a mensagem mais duas vezes e apago.

Em vez de ir à aula, subo a escada de novo e entro no closet, porque, se sair, vou morrer. Aí lembro que fui expulso, então nem posso ir pra lá mesmo.

A melhor coisa sobre o closet: nada de espaço aberto. Fico sentado bem quietinho e parado e controlo a respiração.

Uma corrente de pensamentos passa pela minha cabeça como uma canção grudenta, de novo e de novo sempre na mesma ordem: Sou defeituoso. Sou uma fraude. Sou impossível de amar. É só uma questão de tempo até Taehyung perceber. Você avisou. O que mais ele quer? Você disse como era. Transtorno bipolar, minha mente diz, se rotulando. Bipolar, bipolar, bipolar. Então começa tudo de novo: Sou defeituoso. Sou uma fraude. Sou impossível de amar.

Fico quieto durante o jantar, e depois do Conta pra gente o que você aprendeu hoje, Rocky e Conta pra gente o que aprendeu hoje, Jungkook, minha mãe e Rocky também ficam quietos. Ninguém percebe que estou ocupado, imerso em pensamentos. Comemos em silêncio e depois acho o remédio pra dormir no armário da minha mãe. Levo o frasco inteiro pro quarto e mando metade dos comprimidos garganta abaixo e, no banheiro, me debruço sobre a pia e engulo com água. Vamos ver como Cesare Pavese se sentiu. Vamos ver se tem algum clamor valente pra isso. Deito no chão do closet com o frasco na mão. Tento imaginar meu corpo sendo desligado aos poucos, paralisando completamente. Quase sinto o peso caindo sobre mim, apesar de saber que ainda é muito cedo.

Mal consigo levantar a cabeça, e meus pés parecem estar a quilômetros de distância. Fique aqui, os comprimidos dizem. Não se mexa. Deixe-nos fazer nosso trabalho.

Uma névoa de escuridão cai sobre mim, como uma neblina, mas escura. Meu corpo é pressionado contra o chão pela escuridão e pela névoa. Não há clamor nenhum. É essa a sensação de apagar.

The froster brightness  [kth +jjk]Onde histórias criam vida. Descubra agora