Panfletos.

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Namjoon fica olhando pra ele e, quando a porta fecha, vira para mim.

— Cara, por que você faz isso?

— Porque todos vamos morrer um dia. Eu só quero estar preparado.

Esse não é o motivo, claro, mas a explicação foi suficiente pra ele. A verdade é que existem muitos motivos, que mudam diariamente, como as treze crianças assassinadas no início do ano quando um filho da puta entrou atirando no ginásio de uma escola, ou a garota dois anos mais nova que eu acabou de morrer de câncer, ou o homem que eu vi chutando um cachorro na frente do shopping, ou simplesmente meu pai.

Namjoon pode até pensar que sou babaca, mas não diz nada, por isso é meu melhor amigo. Tirando esse fato, não temos muito em comum.

Tecnicamente, este ano estou sob provação. Isso se deve a uma bosta envolvidos uma mesa e uma lousa. Também se deve a um incidente com uma guitarra no dia do testa, ao uso ilegal de fogos de artifício e talvez uma ou duas brigas. Como consequência, tive que concordar com o seguinte:
aconselhamento semanal; manter minha presença; e participar de pelo menos um esporte.
Escolhi vôlei porque o uniforme é o mais bonito e estou no meio de um bando de garotos gays de shorts e belas pernas, achei uma boa oportunidade. Também tenho que me comportar, interagir bem com os outros, me abster de atirar mesas por aí e de entrar em quaisquer "disputas físicas violentas". E devo sempre,sempre, não importa o que aconteça,segurar minha língua, porque não segurar, aparentemente, é o início dos problemas. Se eu fuder com alguma coisa a partir de agora, é expulsão.

Na sala de orientação pedagógica, falo com a secretária e sento em uma das cadeiras desconfortáveis de madeira até que o sr.Heechul esteja pronto para me atender.
Se bem conheço o Chula — é como o chamo secretamente — , e de fato o conheço, ele vai querer saber exatamente o que caralhas eu estava fazendo no topo do prédio. Se eu tiver sorte, não teremos tempo para falar sobre mais nada.

Em poucos minutos ele me chama. É um homem alto e pernudo como uma girafa.
Ao fechar a porta, desfaz o sorriso. Senta, se debruça sobre a mesa e fixa os olhos em mim como se eu fosse um suspeito de assassinatos em série.

— Que caralhos você estava fazendo no topo do prédio?

O que eu gosto no Chula é que, além de ser previsível, ele vai direto ao ponto. Nós conhecemos desde que eu estava no segundo ano.

— Queria apreciar a vista.

— Estava pensando em se jogar?

— Não no dia de pizza, que é um dos melhores cardápios da semana.

Devo mencionar que sou um brilhante desviador de assunto. Tão brilhando que conseguiria uma bolsa integral na faculdade nesse curso, mas pra quê? Ja sou mestre nessa arte.

Espero ele perguntar sobre Taehyung, mas em vez disso ele diz:

— Preciso saber se você planejava ou está planejando se matar. Não ache que estou brincando, estou falando muito sério, sr.Jeon. Se o diretor Wang souber disso, você estará fora daqui antes que consiga dizer "suspensão". Isso sem falar que, se eu não prestar atenção e você decidir voltar lá em cima e pular, não tenho dinheiro para me defender judicialmente. Isso vai acontecer se você pular do prédio da escola ou de qualquer outro lugar com mais de 15 metrôs, seja propriedade da escola ou não.

Passo a mão no queixo, como se estivesse imerso em algum pensamento.

— Um prédio fora do colégio. É uma boa ideia.

Ele não mexe um músculo se quer, só me encara estreitando os olhos. Como a maioria das pessoas de Busan, o Chula não tem senso de humor, principalmente no que se refere a temas delicados.

— Não é engraçado, sr.Jeon. Não é assunto pra piada.

— Não, senhor. Me desculpe.

— Os suicidas não pensam no próprio velório. Nem nos pais, irmãos, amigos, namoradas, colegas, professores.

Gosto como ele parece achar que tenho tantas, tantas pessoas dependendo de mim, incluindo não apenas uma, mas várias namoradas, e sim namoradas, não namorados.

— Eu só estava brincando. Concordo que esse não foi o melhor jeito de matar a primeira aula.

Ele pega uma pasta e joga com força na mesa e começa a folhear os arquivos. Eu espero, e então ele olha pra mim de novo. Me pergunto se está contando os dias para as férias de verão.

Fica em pé, como um policial de filme, e dá a volta na mesa até chegar perto de mim. Se apoia nela, com os braços cruzados.

— Preciso chamar sua mãe?

— Não. E repito: não. — Não, não, não. — Olha só, foi uma coisa idiota. Eu só queria ver qual é a sensação de subir lá e olhar pra baixo. Nunca pularia do prédio da escola.

— Se acontecer de novo, se você cogitar fazer isso de novo, vou ligar pra ela. E você vai fazer um exame toxicológico.

— Obrigado pela preocupação, senhor. — Tento parecer o mais sincero possível, porque a última coisa que quero é um holofote maior e mais brilhante em cima de mim, me seguindo pelos corredores da escola, pela vida. E, na verdade, gosto do Chula. — Quanto a essa questão das drogas, não precisa perder seu tempo precioso. De verdade. A não ser que cigarro conte. Drogas? Não me dou bem com elas. Acredite, já experimentei. — Cruzo as mãos como um bom menino. — Quanto ao prédio, apesar de não ter sido, de jeito nenhum, o que você está pensando, prometo que não vai acontecer de novo.

— Isso mesmo... não vai. E quero você aqui duas vezes por semana. Você vem segunda e sexta e conversa comigo pra eu ver como está indo.

— Ficaria feliz em vir, senhor. Eu gosto muito dessas conversas, sabe, mas estou bem.

— Não é negociável. Agora vamos falar sobre o fim do semestre passado. Você perdeu quatro, quase cinco semanas de aula. Sua mãe me disse que você estava gripado.

Na verdade, quem disse foi minha irmã, Kim Yerim, mas ele não sabe disso. Foi ela que ligou para a escola enquanto eu estava apagado, porque minha mãe já tem muito com que se preocupar.

— Se é isso o que ela diz, quem somos nós para discutir?

A verdade é que eu estava mesmo doente, mas não com uma simples gripe. De acordo com minha experiência, as pessoas são muito mais compreensivas se conseguem ver a sua doença, e pela milionésima vez na vida eu desejei ter sarampo ou varíola ou alguma outra coisa facilmente verificável só para ficar mais fácil pra mim e para todo mundo.
Qualquer coisa seria melhor que a verdade: Pense em um sono longo e profundo, durante o qual você nem sonha.

Mais uma vez, o Chula estreita os olhos e me encara, tentando captar alguma hesitação.

— Posso acreditar que você vai vir e vai ficar longe de problemas este semestre?

— Com certeza.

— E que vai fazer os trabalhos?

— Sim, senhor.

— Vou combinar o exame toxicológico com a enfermeira. — Ele aponta pra mim num gesto brusco. — Provação significa " período para testar a adequação de uma pessoa; período em que a pessoa precisa melhorar ". Se não acredita em mim, pesquise e, pelo amor de Deus fique vivo.

O que não digo é o seguinte: quero viver. E o motivo para não dizer é que, considerando a pasta repleta de ocorrências na frente dele, o sr.Heechul nunca acreditaria em mim. E tem outra coisa na qual ele não acreditaria: estou lutando para permanecer neste mundo caótico de merda.

O Chula procura pela mesa e reúne uma pilha de panfletos para "adolescentes problemáticos". Então me diz que não estou sozinho e que posso conversar com ele sempre. Quero dizer "sem ofensas,mas isso não me conforta muito". Mas simplesmente agradeço .Pego alguns panfletos e o deixo com seu cigarro.
Ele nem mencionou Taehyung, ainda bem.

The froster brightness  [kth +jjk]Onde histórias criam vida. Descubra agora