Obedecer.

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Taehyung.

Acordo antes dele, e o cobertor está em cima da gente como se fosse uma barraca. Fico deitado um tempo, sentindo seu braço em volta de mim e o som de sua respiração. Ele está tão calmo e quieto que mal o reconheço. Fico vendo como as pálpebras tremem enquanto ele sonha, e me pergunto se está sonhando comigo.

Como se sentisse que estou olhando, ele abre os olhos.

— Você é de verdade — ele diz.

— Sou.

— Não é o efeito gravitacional de Júpiter-Plutão.

— Não.

— Nesse caso — ele ri com malícia —, ouvi dizer que Plutão e Júpiter e a Terra estão prestes a se alinhar. Será que você gostaria de se juntar a mim num experimento de flutuação? — Ele me puxa pra perto e o cobertor desce um pouco. Pisco na claridade e no frio. E percebo.

É de manhã.

E o sol está nascendo.

Ou seja, depois que o sol se pôs, não fui pra casa nem liguei pros meus pais pra avisar onde estava. Ou seja, ainda estamos na torre de Busan, onde passamos a noite.

— É de manhã — digo, e sinto que vou passar mal.

Jeon senta, o rosto pálido.

— Merda!

— Ai-meu-Deus-ai-meu-Deus-ai-meu-Deus.

— Merda-merda-merda.

Parece que demoram anos até descermos os vinte e cinco mil degraus e chegarmos de volta no chão. Ligo pros meus pais enquanto Jeon dirige rápido pra sair do estacionamento.

— Mãe? Sou eu.

Do outro lado da linha, ela cai no choro, então meu pai pega o telefone.

— Você está bem? Está seguro?

— Sim, sim. Desculpa. Eu estou voltando. Estou quase chegando.

Jeon quebra recordes de velocidade pra me levar pra casa, mas não me diz uma palavra, talvez por estar tão concentrado em dirigir. Também não digo nada até virarmos na rua de casa. E me vem à cabeça tudo de novo, o que eu fiz.

— Ai, meu Deus! — digo, com as mãos no rosto. Jeon para o carro com tudo e saímos correndo pela calçada. A porta de casa está aberta, e ouço vozes lá dentro, aumentando e abaixando.

— É melhor você ir embora — digo. — Deixa que eu falo com eles.

Mas meu pai aparece; envelheceu vinte anos da noite pro dia. Seus olhos examinam meu rosto inteiro, se certificando de que estou bem. Me puxa pra perto e me abraça forte, quase me sufocando. Então diz, por cima da minha cabeça:

— Entre, Taehyung. Se despeça de Jeon. — Parece definitivo, como se dissesse Se despeça de Jeon porque nunca mais vai vê-lo.

Atrás de mim, ouço Jeon dizer:

— Perdemos a noção da hora. Não é culpa dele, é minha. Por favor, não culpe Taehyung.

Minha mãe também está ali agora, e digo ao meu pai:

— Não é culpa dele.

Mas meu pai nem escuta. Está olhando pro Jeon.

— Se eu fosse você, iria embora daqui, garoto.

Como Jeon nem se mexe, meu pai dá um passo à frente, e tenho que impedi-lo.

— Hanyeol! — Minha mãe puxa o braço do meu pai pra que ele não passe por mim e vá atrás de Jeon, e depois puxamos meu pai pra dentro de casa, e agora é a minha mãe que quase me estrangula me abraçando forte demais e chorando. Não vejo nada, porque mais uma vez estou sendo sufocado, mas de repente ouço o carro de Jeon partindo.

Dentro de casa, depois que meus pais e eu (meio que) nos acalmamos, sento com eles.

Quase só meu pai fala e minha mãe fica olhando pro chão, as mãos moles sobre o colo.

— Esse garoto é encrenca, Taehyung. Ele é imprevisível. Ele tem problemas para lidar com a raiva desde pequeno. Não é o tipo de pessoa com quem você deveria conviver.

— Como você… — Mas então me lembro dos telefones que Jeon deu pra eles, escritos com tanto cuidado. — Vocês ligaram pra mãe dele?

Minha mãe diz:

— O que a gente devia ter feito?

Meu pai balança a cabeça.

— Ele mentiu pra nós sobre o pai. Os pais dele se divorciaram no ano passado. Jeon o encontra uma vez por semana.

Estou tentando lembrar o que Jeon disse sobre mentiras não serem mentiras se sentimos que são reais. Minha mãe diz:

— Ela ligou pro pai dele.

— Quem ligou…?

— A sra. Jeon. Ela disse que ele saberia o que fazer, que talvez soubesse onde Jeon estava.

Meu cérebro está tentando acompanhar tudo, apagar incêndios, pensar em maneiras de dizer pros meus pais que Jeon não é o enganador que eles estão pensando. Que isso sim é mentira.

Mas então meu pai diz:

— Por que não nos contou que era ele no parapeito?

— Como vocês…? Também foi o pai dele que contou isso a vocês? — Talvez eu não tenha esse direito, mas meu rosto está ficando quente e minhas mãos estão queimando, como acontece quando fico com raiva.

— Como você não estava em casa à uma da manhã e não atendia o telefone, ligamos pra Joohyun pra ver se você estava na casa dela ou se ela tinha visto você. Ela disse que provavelmente você estava com Jeon, o garoto de quem você salvou a vida.

O rosto da minha mãe está molhado, seus olhos, vermelhos.

— Taehyung, não estamos tentando bancar os malvados aqui. Só queremos fazer o que é melhor.

Melhor pra quem?, tenho vontade de questionar.

— Vocês não confiam em mim.

— Você sabe que isso não é verdade. — Ela parece magoada e brava.

— Achamos que temos sido muito legais, considerando tudo o que aconteceu. Mas você precisa pensar um pouco e tentar entender nosso lado. Não estamos sendo superprotetores nem sufocando você. Queremos nos certificar de que esteja bem.

— E que não aconteça comigo o que aconteceu com Baekhyun. Por que não me trancam em casa pra sempre pra nunca mais terem que se preocupar?

Minha mãe balança a cabeça pra mim. Meu pai continua:

— Você não vai mais vê-lo. Nada de andar de carro com ele por aí. Vou falar com seu professor na segunda-feira, se for preciso. Você pode escrever um relatório ou fazer alguma outra coisa pra substituir esse tal projeto. Estamos entendidos?

— Circunstâncias atenuantes. — Aqui estou eu de novo.

— O quê?

— Sim. Estamos entendidos.

Da janela do quarto, vejo a rua lá fora, como se Jeon fosse aparecer. Se ele vier, vou sair pela janela e dizer pra ele dirigir, só dirigir, o mais rápido e para o mais longe possível. Fico sentado aqui um tempo e ele não vem. A voz dos meus pais ressoa lá de baixo, e sei que nunca mais vão confiar em mim.

The froster brightness  [kth +jjk]Onde histórias criam vida. Descubra agora