DIA 22.

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    A ilha já estava tão distante que a única coisa que era possível ver era só um pontinho no horizonte, nada mais; a nossa frente já era possível ver prédios, casas, ruas, carros e é claro, pessoas, muitas pessoas, eu senti o meu coração apertar no peito. O tempo em que fiquei sozinho sem falar e ver ninguém foi maior do que os dias na ilha, antes de vim para cá eu já desfrutava da solidão, eu vivi mais de um amo isolado das pessoas.
O senhor que trouxe o barco nada falava, apenas observava, ele também era um servo do silêncio, assim como eu, depois de me deixar no cais combinei com ele que na parte da tarde eu retornaria para ilha.
    A cidade que eu fui parece um pouco com uma cidade onde morei na Itália, por um minuto me senti um pouco em casa, sai pela cidade, trombando entre as pessoas, eu tinha perdido o costume de estar no meio de tantas pessoas, procurei fazer tudo o que eu tinha para fazer o mais rápido possível.
    Primeiro fui a uma agência bancária, antes de ir para ilha, por segurança, abri uma conta em um determinado banco Brasileiro, por segurança, e transferi minhas economias todas para a moeda Brasileira; saquei o que eu achei necessário. Depois comprei algumas roupas, cadernos novos, frutas e outras coisas supérfluas, fiquei por algumas horas na praça da cidade, apenas observando, na verdade pensando no meu anjo ledo, na possibilidade dela aparecer novamente por ali, fiquei quase uma hora ali e nada do meu anjo ledo.
    Já estava na hora de retornar para ilha, para o meu pedaço de solidão, meu canto no meio do nada.
    E lá estava ele, o senhor Alberto, com seu barco me esperando, uma figura muito interessante, tão misteriosa quanto eu, tão silencioso quanto eu; mais quais serão os segredos que ele guarda? Qualquer dia desses o convido para um café na minha casa. Entrei no barco e retomei o caminho de volta.

( Lembranças de um tempo distante na Itália, onde na mocidade, me arrisquei na falha tentativa de ser um religioso. )

    Seminário em Roma, lá estava eu, um solitário à espreita, escondido entre as largas paredes de tijolos vermelhos; no corredor imenso e silencioso seminaristas iam e viam de cabeças baixas e com suas longas batinas arrastando pelo chão.
    Lá estava eu, com o coração e a alma dividida, de um lado era a carreira eclesiástica, já do outro; lembrança latente daqueles belos olhos, daquele ser angelical, a formosura nas curvas de uma mulher, doce veneno, doce pecado que me tirava a paz.

Lá estava eu,
A meditar na escuridão da noite,
Rabiscando no pensamento,
Versos de um amor juvenil.

    Lá estava eu; por fora; a veste negra de um aspirante ao sacerdócio, já por dentro; um poeta atormentado e um coração apaixonado, lutando ferozmente a se libertar das cadeias religiosas.
    Na tábua do meu coração eu riscava meus primeiros versos de amor, sem tinta e nem papel, solitário a luz do luar e ao brilho das estrelas de Roma.
    A mesma lua e as mesmas estrelas que testemunharam aqueles momentos de angústias, é a mesma lua e as mesmas estrelas que hoje testemunham as palavras que agora escrevo, antes eram lágrimas nos olhos, agora, apenas uma lembrança no papel.

Lembranças que ficaram,
No baú da memória,
Tudo passou e mudou,
Nada restou
Foi tudo embora.
Doces lembranças,
No baú da memória,
Agora me resta,
A solidão de uma praia deserta.

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