DIA 26.

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    Itália, 1941 domingo de manhã, nas proximidades de Veneza, uma mãe chora de dor, a dor do parto, o pai preocupado sai para procurar ajuda, duas senhoras, as mais experientes parteiras das redondezas, lutam junto a mulher de olhos azuis, gemidos, suor e lágrimas. Não havia muito o que fazer, era apenas esperar, mas de repente, um milagre aconteceu, aos berros, todo sujo de sangue, quando todas as vozes se calaram, a doce voz daquela criança ecoou na forma de choro, era o primeiro filho de D'accomo e Anita. Foi uma grande festa segundo minha mãe dizia, depois vieram os outros filhos, dois homens e uma mulher, família numerosa alegria e trabalho dobrado.
    O motivo de estar contando isso, nem eu mesmo sei, é minha história, minha vida, não estou me despedindo, nada disso, são apenas lembranças que resolveram aparecer no coração deste poeta. O dia de hoje está calmo, uma chuva fina cai lá fora, uma sensação gostosa que a muito tempo eu não sentia, uma paz dentro da alma, talvez seja o anjo ledo, sim claro, o anjo ledo; mesmo porque todas as vezes que o anjo ledo estava perto de mim, eu sentia essa mesma paz, talvez seja isso, talvez seja ela.

Vem anjo ledo,
Vem até minha presença,
Quero ver tua face,
Te envolver no meu amor,
Vem anjo ledo,
Não tenhas medo de aparecer,
Eu te quero tanto,
Eu te amo tanto,
Vem para os meus braços,
Vem agora, não demores,
Eu te amo anjo ledo,
Com todas as forças do meu coração,
Em cada palavra que escrevo,
Eu te amo anjo ledo,
Se algum dia o mundo ver o meu diário saberá o quanto eu te amei,
Mas nunca saberá,
Quem tu és de verdade,
Saibas anjo ledo,
Que eu sempre te amei,
E te amarei até o fim de meus dias.

    Sou apenas um poeta, um esquecido catador de palavras jogadas pela janela, eu sou um vago pensamento em seu coração, um fiapo de lembrança no canto da memória.
    Já não existem sonhos dentro de mim, a esperança não voltou, e a minha alma ainda flutua na dor, flutua nas águas da incerteza, enquanto a sua doce presença fica cada vez mais distante.
    O teu olhar está cada vez mais ausente, muito mais do que antes, já não consigo ver o brilho nos teus olhos, teus belos olhos distantes dos meus.
    Talvez isso anjo ledo… Seja o início de um adeus, seja o prenúncio do fim, ou talvez um até logo cheio de prévias. A única certeza que tenho é que o teu meigo olhar está triste e distante dos meus.
    O teu silêncio machuca lá dentro da minha alma, dilacera o coração, o teu silêncio mata em silêncio doloroso. Apenas derramo minhas lágrimas, apenas isso e nada mais.

Enquanto o mundo dorme,
Transformo dor em palavras,
E medos em versos insanos,

    Sendo assim, vou tentar esquecer o anjo ledo do céu, vou tentar riscar do meu peito todo vestígio de sentimento, e vou apagar tudo, tudo mesmo; até que não reste mais nada dentro deste coração de papel.

Como disse certo poeta:
Volto à face e tremo,
Vendo teu vulto desaparecer,
Na extrema curva do caminho extremo.

Outro poeta pediu que escrevesse em sua lápide a seguinte frase:

Viveu amou e foi poeta.
Adeus anjo ledo do céu.
Apenas isso e nada mais.


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