XVII

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Ao abrir meus olhos vejo Victor assobiando para mim, como se quisesse chamar minha atenção para algo. Desesperado, parar falar a verdade

— Ah, é você. — digo, em uma entonação desapontada.

— Esperava algo diferente?

— Não... — suspiro.

— Eu não aguento mais —ele diz, se sentando do meu lado com tudo e aproximando os joelhos do corpo, de forma que sirva de apoio para seus cutuvelos descansarem enquanto suas mãos são afundadas em suas bochechas— o que a sua amiga tem?

— Por Deus, do que está falando?

— Beatrice. Ela é cruel. Quase me bateu hoje, quatro vezes. Ela é a pior pessoa do mundo quando quer, quase pior do você. Quase. — ele diz, dando ênfase na última palavra enquanto coça a si mesmo.

— Eu acho ela um amor de pessoa.

— Oh, claro. Em uma coisa concordamos. Há algo curioso nela. É como uma caixa com tesouros trancada, aparentemente inacessível. —ele explica, enquanto movimenta suas mãos de forma que tente, visualmente me deixar mais explícito seu raciocínio.

— Ela é incrível, não é? Tão forte...

— E ao mesmo tempo, tão linda. —ele comenta, interferindo meu pensar sobre minha amiga, o que me aborrece.

Ao franzir minhas sobrancelhas para ele, deixo nítido minha desaprovação e ele logo entende o recado.

— O que houve? Ainda está chateada porque interrompi seu romance com o musculoso?

— Não existe romance entre ninguém.

Ele ri.

— Tudo bem, não me importa tanto assim. O que quero saber é sobre Beatrice.

— Está interessado nela? — pergunto, ao sentir um frio percorrendo minha espinha.

— Vamos, me fale sobre ela. — ele insiste, ignorando minha pergunta.

— Não há o que falar. Se quer saber sobre ela, fale com ela. —digo, e observo ele se esvair em decepção. Então suspiro e prossigo minha fala— Tudo bem Victor, você quer a verdade? A verdade é que Beatrice sofreu uma perda terrível recentemente. E por isso ela é como é hoje.

— Eu imaginava. O que houve?

— É uma longa história.

— Eu tenho tempo. — ele insiste. Quanta curiosidade. Deve estar de fato bem interessado.

No entanto, ao tocar no assunto é que percebo. De repente, tudo vem a tona. A medida que começo a explicar para Victor o ocorrido, consigo visualizar perfeitamente todas as cenas em minha memória, de tal forma que volto a lembrar como se fosse ontem. Era para ser apenas mais uma noite comum, onde abrigávamos todos nas moradias e lá ficávamos até o amanhecer. Naquela noite estávamos juntos eu, Beatrice e Jhon, seu irmão.

— Mãe! Para onde estamos indo?

— Não dá tempo de explicar agora, meu amor. — disse a mulher com os olhos cheios de lágrima e as pernas trêmulas— mas eu prometo, tudo irá ficar bem!

— Vamos, segure na minha mão— disse Jhon. Ele esboçou um sorriso para a garotinha, que olhou confusa para a mãe.

— Filha, me escuta. Você precisa confiar nesse rapaz, tudo bem? Seja boazinha! Eu te amo! — Ela disse, dando um beijo em sua bochecha e sumindo em meio a multidão de pessoas que corriam para lá e para cá desesperadas. Jhon pôs ela no braço e eu observei a semelhança entre ambos. Cabelos negros, olhos azuis e boca avermelhada.

— Qual o seu nome? — perguntou Beatrice, voltando-se para ela.

— Melody...

— Certo, Melody. Sua mãe nunca te trouxe aqui, é seu primeiro dia. Não importa como você conseguiu se salvar durante todo esse tempo e sim como irá se salvar daqui para frente... — observei com os olhos fixos em seu crucifixo— eu não preciso de explicações e sim e de compreensão. Todas as crianças daqui irão se reunir hoje a noite e nós iremos brincar a noite inteira, até o dia raiar e sua mãe voltar, tudo bem?

— Tudo bem. —ela disse. Afastei-me dos dois para conversar melhor com Melody, porém não pude deixar de ouvir a conversa deles. E não foi proposital, juro. Apenas ouvi.

— Vamos logo atrás das outras crianças, Jhon. — disse ela.

— Espera! Chloe vai levar todas para a capela, então nós temos um tempo a sós.

— Algum problema? — disse Beatrice.

— Eu vi uma banshee mais cedo.

— Uma banshee? Pare de brincar comigo Jhon, não tem graça!

— Porque eu brincaria com isso?

— É só uma lenda. Não é real, Jhon.

— Bea, três anos atrás eu costumava ouvir gritos do além, mas eu preferia ignorar o fato de que cada um deles representava a morte dos nossos pais se aproximando. Eu ignorei tanto o fato, que eles se foram bem no dia presumido por elas e eu não me despedi.

— Eu também não pude despedir! Foi apenas uma coincidência, isso não significa que vai acontecer algo com você.

— Se não acontecer comigo, será com alguém próximo de mim, no caso você, e eu não vou permitir que isso aconteça. No entanto, só quero me prevenir.

— Jhon, por favor, para... apenas... para de falar. — disse ela, saindo de perto dele. Observei bem seu caminhado, ela parecia extremamente irritada. Já ele... ele parecia inconsolável.

Corremos até a capela e quando chegamos na mesma avistei a menininha que havia visto mais cedo sentada em um cantinho isolado chorando, com o rosto entre as pernas. Fui até seu encontro e me sentei em seu lado, ouvindo o som das bestas se aproximando indicando que a meia noite havia chegado. Suspirei a abraçando e tentando acalmá-la, enquanto observava Jhon, do outro lado, sentado em seu cômodo e olhando para Beatrice de forma fixa. E então ouvimos barulhos de asas batendo. E elas vinham em uma velocidade frenética, de tal forma que, misteriosamente a porta se abriu, e logo nossa visão estava tampada de seres místicos.

— Mamãe! — Melody gritou ao ver uma besta se aproximando. Ela levantou e correu para fora da moradia em um ato ligeiro, de forma que não pude impedir. Jhon então, correu atrás dela. Ele a pôs de volta a casa a tempo, no entanto, foi pego por uma matilha. Me lembro de ouvir um breve grito de socorro em seu olhar, no entanto sua boca insistia em desafiar a si próprio, e minha covardia insistia em me paralisar. A profecia da banshee foi realizada, e nós nos vemos obrigados a assistirem eles definharem seu corpo parte por parte, assistimos a seu abatimento em silencio e vimos ele relutando bravamente até que em determinado momento não encontrasse mais forças e fosse derrotado.

— Victor, aquela foi nossa primeira experiência com uma banshee. E tudo o que queremos é tenha sido a última— digo, voltando a realidade e enxugando as poucas lágrimas que insistem em rolar por meu rosto.

Ele não me responde. Apenas suspira e ergue sua mão em volta de meus ombros, me dando um confortável abraço. Em questão de segundos, cogito afastá-lo de mim, no entanto pela primeira vez desde que o conheci me sinto verdadeiramente protegida. E gosto do conforto que é o seu abraço. Então apenas continuo lá.

Amaldiçoada - A Jornada Maldita VOL. IWhere stories live. Discover now