Amaldiçoada - A Jornada Maldita VOL. I

I

Amanheceu. Os resíduos da noite passada permanecem intactos em nossas memórias, fazendo com que nos questionemos como fomos capazes de realizar essa função por tanto tempo.

Não que tenhamos sido os únicos. Além de nós existem também outras moradias espalhadas pelo vilarejo abrigando as crianças durante os ataques noturnos. Há anos, eu fui uma delas, e todos aqui presentes também.

Tal qual mencionei antes, fomos a primeira geração a passar pelos olhos da senhora Grimm, a responsável dessa ação. Segundo o que nos foi contado, ela foi a única humana a não se transformar durante a noite. E por isso, se sentia intrigada ao ver as crianças indefesas sozinhas em suas casas enquanto seus pais saíam para se transformar, o que nem sempre era seguro, uma vez que as bestas poderiam facilmente destruir os ambientes e mata-los. E acontecia. Não suportando ver crianças inocentes sendo mortas e seus pais desolados em luto, ela abrigou e as impediu de serem vítimas de tamanha crueldade.

Fez isso até o último dia de sua vida. Ganhou o título de guardiã dos menores, e por seu bom coração se tornou uma lenda em nossa aldeia, sendo aclamada por todos nós. Como homenagem, passamos a dar continuidade a seu trabalho, nos dividindo entre quatro grupos e quatro moradias diferentes espalhadas pela aldeia, e reunimos jovens para abrigarem desde recém-nascidos até crianças de treze anos. Somos assim os guardiões deles.

Funciona como um ciclo vicioso que nunca acaba. Quando um completa a idade limite, dá espaço para outro mais jovem entrar. Assim garantimos a proteção dos jovens e diminuímos a quantidade de mortos no vilarejo, que é exatamente o que Garth quer.

Eu e meus amigos ainda não chegamos no estágio final, ou seja, na parte em que completamos vinte e um anos e somos pegos pela maldição. Pelo contrário, nos sobram ainda de dois a três anos de liberdade, os quais gastamos exercendo nossa função de protetores aos pequenos.

No entanto, em se tratando de Garth, não me restam dúvidas de que, através do castelo do antigo rei Dimitri e que hoje é seu, muito provavelmente ele observa dia após dia a tragédia na qual nos acometeu com imensa satisfação e alegria.

Exercer essa tarefa é algo que amamos, porém ontem eu e meus amigos as abrigamos pela última vez. Estamos saindo mais cedo, não por covardia, mas por estarmos indo em uma missão muito maior do que se imagina. Além de nós, existem outros adolescentes com nossa mesma faixa etária que irão nos substituir da melhor forma possível. Eles entendem nosso propósito.

A tradição a que estamos habituados é entregar as crianças de volta a seus pais -isto é, quando eles voltam- assim que amanhece. Porém hoje eu não fui. Não sei lidar com despedidas, por isso pedi que me deixassem dormir até que todos estivessem ido embora. Dito e feito. Quando abro meus olhos, todo o ambiente está vazio. Ou melhor, quase vazio.

Os olhos cor de mel de Joseph Pondere me encaram. Há um ar misterioso por trás deles. Qualquer um que não o conheça, dirá que ele é arrogante e egocêntrico. Porém, não eu. Eu o conheço como ninguém. Ele está comigo desde que me entendo por gente. O pai de Joseph era cavaleiro da corte e servia ao rei Dimitri antes de Garth assumir o trono. Por esse motivo, Joseph cresceu com instintos e talento para guerrear, manuseando uma espada como ninguém.

Dia após dia, anos após anos, treinos após treinos, ele foi adquirindo habilidades impressionantes, e como consequência disso, também um físico fortemente atraente. No entanto, mesmo com tanta astúcia, seus cabelos castanhos meio espetados para cima, suas bochechas brancas que facilmente tornavam-se vermelhas e seu sorriso angelical são sua maior arma. Para todo o resto do vilarejo, ele é extremamente irresistível e sedutor. Mas para mim é simplesmente Joe, meu melhor amigo. Alguém por quem colocaria minha mão no fogo sem pensar duas vezes.