II

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Ao finalmente terminar minha refeição, levanto da cadeira e vou até o lado de fora da casa. Como sempre, a aldeia está vazia. De um lado, crianças abraçando seus pais. De outros, crianças chorando deitadas sob os corpos desfalecidos dos mesmos e sendo levadas por outros jovens ou outras famílias dispostas a cuidarem delas. Olho para o lado e me deparo com Margot e Beatrice sentadas, observando o mesmo que eu há poucos segundos. Um pouco mais atrás está Elyan, para finalizar nosso grupo, cuidando de Bubbles, Wasabee e Pringles, nossos cavalos. Na realidade, nunca foram nossos oficialmente. Eles simplesmente apareceram na floresta e nós os adotamos. Eles têm sido úteis para nós, pois nos levam para onde quisermos, coisa que não poderíamos fazer com tanta facilidade se estivéssemos a pé. Observando Elyan levanto meus braços, em busca de chamar sua atenção. Logo ele me percebe e vem até mim, abrindo um sorriso. O seu marcante sorriso torto, que é sua maior característica e o deixava mais charmoso que o natural. Acredito eu que seja de genética. Elyan é primo de Joseph, no entanto, ao contrário do que é tradicionalmente esperado, os dois se conheceram apenas em seus auges dos quinze anos, justamente devido aos trabalhos com as moradias. Foi quando desenvolveram uma amizade.

Quando enfim ele se aproxima, respiro fundo e o olho com um ar de seriedade. Não demora muito até que ele perceba do que se trata.

— Elyan, preciso de sua ajuda. Joseph está pensando em seu pai. Ele parece abalado. Você pode ir conversar com ele e ver se ele está bem para irmos? Você sabe, ele é cabeça dura, e como você também é, pensei que pudesse entende-lo melhor.

— Novamente? Oh céus, eu não sei como fazer isso. Não há mais o que dizer para o confortar. —ele conclui, pensativo. No entanto, ao suspirar acabo por o fazer repensar— mas não se preocupe! Eu irei conversar com ele. —ele diz— me dê dois minutos, logo estarei de volta.

Ele sorri para mim novamente soltando uma piscadela discreta e se vira, indo em direção oposta à minha, entrando em nossa moradia. Então volto meu olhar para as duas meninas e vou até elas, me sentando do lado de Margot, que segura seu arco e flecha enquanto olha para o chão. Ela demonstra nervosismo. Apesar de ser a melhor arqueira que nós conhecemos, devo dizer que de todas nós, ela é a mais medrosa. Acredito que atrás dela estou eu.

— Estão preparadas? — pergunto.

— Ainda dá tempo de desistir? — pergunta Margot. Hoje, seus olhos azuis e seus cabelos loiros ondulados estão mais destacados devido ao sol do dia e a temperatura da manhã. Ela consegue ter uma pele ainda mais clara que a de todos nós juntos.

— Não podemos desistir. —retruca Beatrice— E não vamos. Você precisa parar de ser tão medrosa! — ela diz, levantando-se e encarando a amiga.

Beatrice, assim como Margot, é branca e dona de olhos cor de céu, porém sem sardas, com a pele mais escura e cabelos pretos. Sua personalidade é de todas, a mais forte. Beatrice sofreu uma perda recentemente e por esse motivo se tornou extremamente dura com todos, inclusive consigo mesma. Ela é o que podemos chamar de competitiva e sedenta por vitória. É uma guerreira nata.

— Eu não sou medrosa! Eu apenas acho que não deveríamos fazer isso, pois é perigoso. Não estamos lidando com uma pessoa normal. Ele derrubou um exército e tomou o trono de um rei em uma só noite. Ele tem uma magia poderosa!

— E nós também! Veja, nós temos Aimeé e Audrey. Se você não está preparada, pode continuar cuidando dessas crianças, é melhor do que ir e não ser útil.

— Eu estou preparada. Mas ao contrário de você, estou pensando nas consequências!

— Meninas... — interrompi, vendo todo o resto do pessoal se retirando da moradia, inclusive Elyan juntamente de Joseph, que aparenta estar menos apreensivo— nós precisamos ir.

Elas se levantam. Joseph vem até nós com Bubbles, Elyan com Pringles e Aimeé com Wasabee. Cada um monta em seus cavalos. Me sento do lado de Joseph, desviando meu olhar para Margot, notando um possível desconforto em seu olhar quando ele pega em meus braços e faz com que eu segure em sua cintura, fazendo com que ela vá até Elyan que está montado em Pringles e por último, Aimeé então junta-se com Beatrice. Apenas Audrey fica em pé, guiando os três cavalos.

E então damos início a nossa viagem. Uma viagem que marca o início de tudo. De nossa luta, de nossa guerra e de nosso suor. O início de um imenso processo de rebelião contra os abusos de quem hoje se encontra no poder. E é nesse exato momento, aqui e agora, a partir do primeiro som de galope de nossos transportadores, que a história finalmente começa.

Amaldiçoada - A Jornada Maldita VOL. IWhere stories live. Discover now