Pai

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Algumas histórias possuem introdução, outras iniciam-se a partir de um ponto final. A de Naruto começou quando seus filhos nasceram. Por que ser pai é isso: é renascer e, ao mesmo tempo, morrer.

Morrer de amor.

Contudo, agora, Naruto também vinha morrendo de saudades. Uma saudade mesclada com culpa que, dia após dia, dilacerava o mais profundo de sua alma, cortando seu coração.

Não havia um segundo em que não pensava na esposa e nos dois filhos. Mesmo com pilhas de papéis para corrigir, ler e assinar, seus pensamentos ficavam a mil cogitando se tudo estava bem em casa, se Himawari estava doente ou se Boruto não estava dando trabalho para a mãe. Todos os dias fitava longamente o porta-retratos situado em cima da escrivaninha, estrategicamente voltado para si, revelando o lindo sorriso de sua esposa, a expressão adorável da caçula e o grandioso sorriso de Boruto.

Internamente, Naruto chorava sentindo uma dor latejante na altura do coração e um gosto amargo na boca.

Não o entenda mal, ele amava o posto de Hokage. Aquele era seu sonho, o objetivo que tanto almejou e que tanto lutou para alcançar. Mas sua família também era e não conseguir dividir o tempo entre os dois o rasgava no meio. Tentava mostrar-se forte na frente de todos, quando, na verdade, sentia-se um caco.

Naquela noite, resolveu sair um pouco mais cedo do escritório. Shikamaru já havia partido há tempos e também queria chegar mais cedo em casa, ao menos chegar a tempo de ver sua família. Com a coluna dolorida e a cabeça latejando, Naruto levantou-se da cadeira, apagou as luzes e trancou a porta do escritório.

O caminho até sua casa foi tranquilo só que, ao contrário dos antigos tempos, Konoha estava agitada — um resultado inevitável do avanço tecnológico e do crescimento da cidade. Suspirou longamente quando enxergou o sobrado e sorriu ao ver que algumas luzes estavam acesas.

Atravessou a entrada da residência como um verdadeiro zumbi, praticamente se arrastando. Retirou os sapatos no genkan, jogou sua maleta em cima da mesa e recolheu a capa que o intitulava como Nanadaime. Dizer que sua semana foi cansativa seria um eufemismo. Sentia-se exausto, completamente estafado.

Hinata surgiu da cozinha, limpando as mãos em um pano de prato, com um lindo sorriso enfeitando a face. Abriu os braços para recebê-lo e Naruto retribuiu o abraço, afundando o nariz na curvatura do pescoço feminino, inebriado pelo perfume adocicado.

— Okaeri, Naruto-kun... — ela fitou o fundo das safiras azuis. — Senti saudades.

Naruto encostou seus lábios nos dela e iniciou um beijo calmo. Assim que se afastou, olhou por cima do ombro da esposa. A luz da televisão refletia no rosto de Himawari, que dormia no sofá agarrada a uma cartolina cheia de desenhos feitos com giz de cera, reluzindo um "Bem-vindo, papai" em tons berrantes de vermelho e laranja.

— Ela insistiu em te esperar. — a mulher revelou, tocando o ombro do marido. Naruto abriu um sorriso entristecido, sentindo-se sufocado pela pontada de culpa que o atingiu.

Ele foi até o sofá, retirou a cartolina de cima da menina com muito cuidado para não acordá-la e a pegou no colo mesmo que ela já estivesse bem maior, com seus oito anos de idade. Na ponta dos pés, atravessou o corredor que levava aos quartos, sendo seguido pela esposa.

Assim que pararam em frente a porta de madeira branca, a Uzumaki girou a maçaneta e os dois adentraram o cômodo.

Ao deitar a filha na cama, o loiro puxou a coberta até a altura do queixo dela, depositando um beijo estalado na testa pálida. Sua menininha cresceu tanto nas últimas semanas....

Enquanto a morena apagava a luz e ajeitava o travesseiro da filha, Naruto continuou seu caminho pelo corredor até chegar no outro quarto. O luar era a única fonte de luz e iluminava parcialmente o cômodo. Na cama, Boruto dormia desajeitado com as cobertas emboladas nas pernas, os braços saindo do colchão e a cabeça afundada no travesseiro.

Reprimiu uma gargalhada, pensando que nem mesmo daquela forma ele deixava de parecer consigo. Ajeitou os braços do filho, o cobriu devidamente e se encurvou, acariciando o emaranhado de fios tão loiros quanto os seus.

Hinata empurrou a porta do quarto e entrou para fechar a cortina.

— Me desculpe, Hina. — a moça estancou do lugar.

— Pelo que?

— Por nunca conseguir dividir meus horários, nem estar aqui com vocês o tempo todo... — mesmo que não conseguisse ver o rosto do marido, a voz embargada o denunciou. Ele prendeu o olhar no rosto do filho e fechou os olhos, tentando conter a vontade de chorar. — Eu sempre sonhei em ter uma família e ser Hokage, mas as vezes... sinto como se não pudesse ter os dois. No fim, sempre decepciono vocês.

— Isso não é verdade, Naruto-kun. — se aproximou com cautela, tocando-o nos ombros e puxando-o para um abraço. O loiro apertou o pequeno corpo contra o seu, quase desabando.

— Você sabe que é, Hina. Olha só para o Boruto... — o brilho nos olhos dele era angustiante e a morena sentiu o peito pesar ao fitar aquelas safiras. — Sei que ele não me odeia... mas as vezes penso que sim. E toda noite a Hima me espera, mas poucas vezes chego a tempo. Há dias que nem consigo voltar para casa. Eu sou um desastre como pai...

— Não diga isso, Naruto-kun. — sussurrou, limpando com a ponta dos dedos as lagrimas que escorriam pelas bochechas dele. — É verdade que sentimos sua falta e que as vezes você não pode estar presente, mas isso não te torna um pai ruim. Você sempre se esforça, luta para estar conosco e ao mesmo tempo é um exemplo para toda a vila como homem, ninja e Hokage. O Boruto faz o que faz porque te ama. E muito, acredite. A Hima também.

As lágrimas escorreram por suas bochechas e, novamente, a abraçou.

— Eu amo tanto vocês... — falou entre um soluço, molhando os ombros da esposa e acariciando o cabelo negro.

— E nós te amamos, Naruto-kun. Nunca duvide disso.

Naruto concordou com a cabeça e, antes de sair do quarto, beijou a testa de Boruto, pensando que mesmo com seus erros, falhas e defeitos, faria qualquer coisa para ser o pai que seus filhos mereciam.



pai (s.m.)

alguns moram com você, outros não. era quem te levava ao cinema para ver aquele filme que sua mãe não deixava. é aquele que enche a boca de orgulho para falar da gente. é quem ensinou que todo mundo erra, inclusive ele (e que ta tudo bem). é quem nasceu de novo vendo a gente nascer.

"você cabia aqui na minha mão."

e você, pai, independente de tudo cabe e sempre vai caber bem aqui: no coração.

João Deoderlein.

Fim


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