Capítulo II

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Atualmente...

Lia POV 
 Estou me preparando para encontrar Astra no treinamento físico. O corpete justo de couro preto empurra meus seios de forma um pouco desconfortável, mas fornece boa mobilidade. Botas de cano longo apertam meus pés de forma desnecessária, mas que minha irmã insiste que eu use. 
 Com a besta já apoiada em meu ombro e as flechas posicionadas nas costas, caminho até o campo de treinamento e fico observando por alguns minutos. Me sinto orgulhosa e culpada em relação à Astra, por não ter dado a vida que minha irmã merece, obriga-la a ser forte e por ter colocado minha irmãzinha naquela situação. Eu quebrei minha promessa...Mas vida que segue, pelo menos eu tentei.
-Ficará o dia inteiro olhando sua irmã treinar? – Questionou o veterano que conheço pelo nome de Marxwell. 
 E com um sorriso breve aponto minha besta em direção aos alvos, acertando todos os cinco consecutivamente, em cheio. 
-O que você havia dito Marxwell? – 
 O mesmo responde com um olhar de aprovação e vem em corre na minha direção com os punhos acirrados, como quem está preparado para nocautear qualquer um que entre no seu caminho. Não tenho tempo de reagir, com um golpe rápido contra o peito sou jogada no chão. Meus pulmões se esvaziam e mal consigo respirar, por um segundo tudo fica escuro e só consigo sentir a dor do impacto. 
-O que tanto lhe distrai Lia? – Ele me pergunta decepcionado.
-Desculpe, mas isso não lhe diz respeito. Sua função é apenas me preparar para o combate lá fora e não se preocupar com minha vida pessoal.– Respondi. 
-Então me deixe fazer o meu trabalho. – Respondeu o veterano.
-Eu preciso ir até a biblioteca, treinamos mais outra hora. – Respondi voltando minha atenção para minha irmã. 
 Astra lança velozmente lâminas nos alvos que a cercam atingindo, em principal, a garganta e o peito. Enquanto em outros disferia cortes que separam o abdômen preenchido de feno da estrutura de madeira que mantém o alvo de pé. Ela parece se divertir, sempre esboça felicidade e a  técnica desenvolvia após anos de treino de combate corpo à corpo. O modo com que segura as lâminas para que não se corte, os movimentos leves de seus pés que fluem como uma dança ensaiada. Ela estava tão focada que apenas desviou sua atenção quando minha flecha atingiu o cabo de sua adaga, bem acima de seus dedos rosados devido à firmeza com que a segurava. Fui respondida com um sorriso descontraído e a chamei para irmos à biblioteca. 
 Caminhamos alguns metros até chegar à Biblioteca Sophia Tis Psychís, a mais linda que já pude ver em minha vida. O salão de mármore e detalhes em dourado conta com incontáveis prateleiras que contam com livros que colorem o local. Quadros de membros importantes da Ordem de Caçadores roteados por corpos e sangue de seus inimigos enfeitam as grandes colunas que erguem a biblioteca. E uma escadaria dourada em espiral no centro do salão que leva ao segundo andar, onde se completa a coleção de livros disponíveis. Pegamos alguns livros referentes aos primórdios da Ordem e nos sentamos em uma das mesas de madeira que preenchem o recinto. 
-Sei que você não gosta da parte teórica do treinamento, mas você precisa ler. – Comentou Astra abrindo um de seus livros favoritos. 
-Mas por quê? Ninguém me concederá misericórdia se eu responder o aconteceu durante uma batalha de 1700. – Reclamei. Odeio livros, são entediantes quando posso ocupar meu tempo de algo mais prestativo. 
 Minha irmã começa a gargalhar, fazendo ecoar seus risos pelo salão. E naquele instante, depois de muitos anos sombrios, eu tive um momento de felicidade. Apenas eu e minha irmã, rindo. Sem nos preocupar por um minuto em nossas responsabilidades, no que comeríamos ou se passaríamos frio ao anoitecer. Alguns minutos depois fomos interrompidas por um grupo de rapazes que entraram em direção ao segundo andar, pareciam preocupados com o debate que aconteceria na manhã seguinte. 
 -Você é uma idiota. – Sussurrou. 
-Eu sei, mas eu sou a sua irmã idiota. – Finalizei abrindo um livro. 

Na manhã seguinte... 

-Lia! Cuidado! – Acordei de supetão aos gritos de minha irmã e o impacto de uma bota atingindo meu corpo por cima das cobertas de lã padrões dos dormitórios. 
-Astra! Não me assuste assim, pensei que...Deixe pra lá. – Reclamei levantando e vestindo minha roupa para irmos ao debate. 
-Desculpe, estava apenas testando minha teoria de que minha bota seria capaz de acorda-lá mais rápido, eu estava certa. – Riu amarrando seus cadarços. –Vamos, já vai começar. – Disse me puxando em direção à porta. 
 Quando chegamos ao ponto de encontro todos já estavam em fileira, diante do mestre que nos avaliaria. O homem alto de cabelos grisalhos, coberto por um sobretudo preto nos encarava com olhar de decepção e desgosto.
-Caçadores da Coroa não devem apenas saber aplicar e desenvolver suas habilidades de luta, também devem saber se portar diante de situações diplomáticas. Vocês representam a Coroa para a população, devem ter conhecimento além da destreza e planejamento de ataque. Não nos decepcione. -  Iniciou. –Então, como aprendizes na fase final de treinamento devem saber que alguns grupos se revoltam e lutam contra a Coroa. Quem terá a coragem de me responder quem são? – 
 Astra estava parada a minha esquerda, estávamos na terceira  de cinco fileiras de aprendizes. Todos de pé em postura de respeito ao mestre/professor, com o braço esquerdo colado as costas. Sua mão direita batia em meu quadril, chamando minha atenção para que respondesse à pergunta. Mas mesmo que eu quisesse, não poderia. Como ele disse, não podemos falhar. E antes que eu pudesse sussurrar que não responderia, o homem de voz desgastada se pronunciou novamente: 
-Já que ninguém se dispõe, eu mesmo vou escolher. - Anunciou. –Você! A loira de olhos acizentados, responda. – Disse apontando na minha direção.
-Bruxas que dominam magia negra, vampiros e lobisomens.– Respondi sem expressão, demonstrando confiança. 
-Perfeito. Agora o próximo a responder uma pergunt... - 
-Com licença mestre, por que essas espécies teriam esse desejo pela queda da Coroa? – Interrompeu uma jovem de madeixas longas e ruivas parada na fileira atrás de nós. 
-Mestre? Escutei rumores de que essas pessoas não podem ocupar cargos públicos. É verdade? - Completou um rapaz parado à minha direita. 
-Mestre, em meus estudos sobre o assunto, descobri que existe mais um tipo de bruxa além das que estão contra Coroa. Qual a diferença entre elas e por que são chamadas de bruxas negras? – Perguntou um menino da última fileira. 
-Já que vocês têm tantas dúvidas a respeito deste assunto, faremos uma excursão a campo e vocês responderão a todas elas. - Disse professor convicto.

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