Visão de Lia
Desviar nossa rota para as montanhas não ajudou nada nossa situação. Temos três feridos. Dois incapacitados de lutar . Entretanto não nos deixam outra alternativa a não ser cavalgarmos em direção às montanhas em busca de informações.
Alexander está em minha garupa, não diferente de mim, enfaixado por ataduras e cheirando a ervas. Ele se reacomoda a cada dois minutos, então decido fazer uma pausa em uma cavidade que se formou em uma pedra para checarmos nossas feridas.
-Então vamos caçar uma bruxa e roubar os feitiços dela?- Pergunta Aaron enquanto Astra enxuga o sangue misturado com um pouco de erva em um corte em sua perna.
-Não exatamente. Ela não é bem uma ameaça para os Caçadores, pelo contrário, seus conhecimentos serão usados a nosso favor. Vamos até ela e pegaremos algumas poções.- Explico de acordo com as informações da carta que li na caverna. – Mas não podemos esquecer que ela é uma bruxa, deve ser vista antes como ameaça.
-Espero ao menos que ela tenha algo para dor.- Comenta Alexander espremendo os olhos enquanto aperto o último nó da atadura envolvida em seu ferimento na cabeça.
O mesmo me agradece e toma as ervas de minha mão de repente quando tento cuidar do corte em minhas costas.
-Eu faço, você mal pode alcançar.-
Resisto à ideia, mas acabo por ceder ao notar que Astra ainda cuidava de Aaron e que eu não conseguiria limpa-la sozinha.
“Aquele desgraçado conseguiu me cortar.”
Trinco os dentes quando sinto as plantas encostarem em minha ferida.
“Arde! Mas que... merda.”
Terminados os curativos, o ajudo a montar no cavalo e subo em seguida. Continuamos a subir a montanha até avistarmos um pequeno rastro de fumaça branca próximo de nossa localização.
A fumaça vem de uma cabana feita de madeira e pequenas pedras escondida em meio à vegetação, que florescia no teto e em suas laterais. E com certeza se não fosse pelo rastro, não a perceberíamos.
Eu e Astra descemos dos cavalos e vamos em direção à porta, chamando a dona da casa. Não escutamos nenhuma resposta.
Noto alguns ruídos e sinto algo se enroscar em meu pé, um minuto depois me encontro de cabeça para baixo. Alcanço minha faca e corto os cipós e Astra faz o mesmo.
Caímos no chão mas rapidamente nos recompomos pois as plantas já estão se preparando para um novo ataque.
-Prenda a respiração.– Grito quando minha vista alcança duas flores, que reconheço como venenosas , se prepararem para soltar o gás.
Astra pega seu machado e as corta, calibro minha besta e atiro em toda a planta que vem em nossa direção. Eu e minha irmã ficamos de costas uma para a outra a fim de cobrir mais espaço. Os meninos descem dos cavalos com muita dificuldade e se juntam a nós. Aaron com seu arco e flecha, Alexander com um facão, Astra com seu machado e eu com minha besta.
Todas as plantas vêm em nossa direção e de repente param e se retiram.
-Acho que elas ficaram comovidas com o trabalho em equipe.- Diz Alexander.
-Ou talvez tenha sido aquela velhota lá atrás.. até eu estou com medo. – Brinca Astra.
Ao olharmos para a direção em que Astra aponta, encontramos uma senhora de longos cabelos brancos acompanhada de uma coruja de face branca e olhos negros em seu ombro.
Lamento pela falta de educação em minhas boas vindas, fui criar mais plantas medicinais. Ah, e vejo que estão feridos.- Ela diz. -Acredito que sejam os Caçadores atrás das minhas poções.-
-Sim senhora. Eu sou Lia e essa é minha irmã Astra Delavour.-
-Lia...Lia Delavour?-
-Algum problema?-
- Nenhum, apenas fui uma grande amiga de sua mãe, bem que achei você familiar. Você é muito parecida com ela, sabia?-
“O que? Ela conheceu mesmo minha mãe?”
-Entrem, entrem logo. Vamos cuidar dessas feridas.- Diz ela tomando a frente e abrindo a porta.
-Então Lia? Já despertou? Posso notar também que, como sua mãe, você tem grande força dentro de si. Entretanto sinto uma falta de pureza.- Diz ela puxando cadeiras em volta da mesa da cozinha para nos sentarmos.
“Despertei? Despertei o que?”
-Desculpe, mas eu não entendi.-
-Ah, sim... Esqueça, não vou estragar a surpresa. Mas me conte... Você e sua irmã tem algum interesse por botânica?- Pergunta ela jogando uma folha verde e em seguida, pingando um líquido dourado em uma panela ao fogo.
-Na verdade sim. Lia tem grande interesse e talento.- Responde Astra.
-Imaginei. E conhecendo bem o sistema dos Caçadores, vou lhes explicar exatamente porque estão aqui. Fiz um trato há muitos anos para que não me caçassem. Em troca, eu teria que fornecer todo meu conhecimento de magia branca a eles. Eu sou especialista em venenos, poções naturais para cura e em especial, alucinações.-
-Alucinações?- Pergunta Aaron.
-Sim, já pensaram se os rebeldes sofressem alucinações? Lutariam uns contra os outros em seu próprio exército.- Diz ela entregando uma xícara do chá que preparou para cada um de nós.
Todos bebemos e de imediato já sinto um grande alívio da dor. Obviamente o líquido dourado tem algo a ver com isso. Ela me entrega um pequeno vidro com um conta gota desse líquido e começa à preparar outra mistura.
Ela pega um pequeno cogumelo branco e o joga na água fervente, juntamente com algumas outras plantas que dão um aroma agradável de rosas. Na prateleira de livros, ela busca um livro de feitiços e outros recursos de bruxas brancas e me entrega.
-Fiz algumas anotações também. Levem.-
Agradecemos e pergunto quando a poção te alucinação ficará pronta. Ela me responde que ao anoitecer, e aconselha para descansarmos esta noite em sua casa e partirmos pela manhã.
Todos concordamos e acompanhamos a senhora até um cômodo com uma lareira feita de pedras e com apenas duas camas. Pela janela, debaixo de um pequeno telhado que declina até o chão, podemos ver que Apolo e Ártemis descansam.
-Podem ficar com as camas.- Digo.
-Mas e você? Também está machucada.- Diz Alexander ao se aproximar de mim.
-Isso não é nada.-
- Oh.. que desatento meu.. peço desculpas.– A bruxa aparece novamente, com o mexer de suas mãos as camas se afastam e galhos começam a aparecer, estes, tomam forma e se tornam camas. Nasce algodão, que ficam na forma de um colchão comum.- Descansem por favor.
Nos entreolhamos e encaramos as camas de novo.
“Pois é... Acho que esta é a vida de uma bruxa.”
Pela manhã acordo e verifico minhas costas.
“Espere, onde está?”
Procuro mas não a encontro. Aquele chá realmente funcionou. Vejo que a perna de Aaron que também está curada.
“Interessante.”
Nos sentamos à mesa da cozinha novamente e tomamos o café. E para alguém que não vive na cidade, há uma farta mesa. Pães, sucos e frutas. Ela nos entrega uma poção de coloração roxa em um pote redondo. Alertando em seguida que a receita também está no livro, mas apenas uma bruxa branca pode fabricá-la e que a mesma é muito poderosa.
Agradecemos a senhora por tudo e vamos em direção aos cavalos.
Afago a cabeça de Apolo e o monto, em seguida deixamos o chalé da bruxa e voltamos a ir em direção à Moldávia. Os rapazes já conseguem caminhar novamente e nos acompanham lado a lado.
-Gostei dela. Mas não notaram algo estranho?- Pergunta Alexander após tornarmos uma boa distância da casa.
-Nem me fale. Ela disse que vou ter uma supresa. Que raio de surpresa é essa?- Me revolto.
“As surpresas que recebo quase nunca são boas. Também... com a minha sorte.”
Enquanto todos conversam, permaneço calada. Essa surpresa não me parece algo bom, não vou descansar enquanto não descobrir o que é. Nem mesmo se eu quisesse.
-Lia? Você está bem?- Diz Astra.
-Estou sim. É que...-
-A conversa da surpresa ainda não te deixou em paz, não é?-
-Não.- Respondo.
O céu se escurece, não pela noite, mas pelo aproximar de uma tempestade. Procuramos abrigo, mas tudo o que o cenário apresenta são árvores e mais árvores deformadas.
Ficamos encharcados, nos protegendo debaixo de uma árvore de largo caule, mas que nos protege minimamente da chuva. E de qualquer forma, não seria possível prosseguir viagem.
-Podia ser pior.- Comento arrancando risadas dos outros.
*QUEBRA DE TEMPO*
Acordo com a voz de Alexander.
-Você está dormindo em pé.- Diz ele segurando a risada, já que os outros dormiam sentados apoiados a árvore.
Solto uma risada baixa com ele e me sento ao seu lado.
-Você nunca baixa a guarda, né?- Ele pergunta.
-Não posso.- Respondo.
-Claro que pode. Estamos todos aqui, eu fico acordado. Descanse. Você não vai fazer nada se não conseguir se manter de pé.- Ele responde puxando minha cabeça para seu ombro para que eu me deitasse.
-Qualquer coisa a gente grita.- Ele finaliza me fazendo rir novamente.
Acordo com uma voz feminina ao fundo.
“Quanto tempo dormi? Ah não... Onde estão todos?!”
Olho em volta e tudo que vejo é escuridão. Entre as folhagens vejo dois olhos roxos brilhantes em destaque.
“Mas que merda é essa...”
-Surpresa!-
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Caçadoras da Coroa
FantasiEm um mundo infestado de criaturas mágicas, haviam aqueles que eram responsáveis por manter a ordem, os chamados Caçadores. Dentre eles estavam Astra e Lia, duas meia-irmãs muito habilidosas e por este motivo foram convocadas para uma importante mis...