Capítulo VI

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Seguro a mão do homem de beleza misteriosa e dou impulso para levantar. Neste movimento aproveito para pegar minha velha adaga, que estava escondida em meu calcanhar, e a posiciono no pescoço do desconhecido.
De relance pude ver que minha irmã fazia o mesmo mas com sua flecha quebrada.
Eles podem ser bonitos, bem bonitos na verdade, mas ainda são uma ameaça.

-É assim que vocês agradecem? Arriscamos nossas vidas para ajudá-las e colocam armas em nossos pescoços?- Reclama o que está a frente de minha irmã.

-Não lembro de ter pedido sua ajuda então agradecer é desnecessário.- Responde Lia enquanto aperta mais a ponta da sua flecha contra seu pescoço.

-Então... Quem são vocês? Este clima meio silêncioso com fundo desaforado não está muito confortável.- Pergunto. – Temos que saber pelo menos o nome dos misteriosos intrometidos que entram nas brigas alheias estragando toda a diversão.

Olho para o que estava a minha frente, esperando por uma boa resposta, mas ele não parece ser de falar muito.
-Eu chamo-me Alexander e ele é o Aaron. -Explica o outro. -E somos os Caçadores responsáveis por acompanhar vocês na missão.-
"Espera... O que?!"
Eu e minha irmã nos entreolhamos até que Lia desvia o olhar, direcionando-se a Alexander:

-Vire-se, quero ver sua marca.-
Relutante ele vira, Lia afasta a gola de seu colete e abaixo da nuca de cabelos ruivos aparados a encontrou. Então virou para mim fazendo um sinal positivo com a cabeça.
Checo a marca do... como era o nome dele? Aaron! Esse nome é meio diferente.
E lá estava ela.. a marca dos caçadores. Imediatamente abaixamos nossas armas.

Visão de Lia

Vou em direção de Apolo e devolvo os restos de minha flecha a aljava que lá estava. Pego minhas facas mais afiadas e vou em direção ao leopardo caído.
"Esses idiotas até ajudaram, conseguimos bastante carne."
-Nenhum pedido de desculpas? – Ouço Alexander falar com um tom repleto de deboche.
"Mas que abusado!"
-Ele está mechendo com fogo. – Murmura Astra enquanto se junta a mim para separar os membros do animal.

-Você é burro ou apenas finge que não escuta? – Pergunto sem desviar o olhar do meu trabalho. –Não lhe devo desculpas porque não pedi por ajuda. Eu tinha tudo sobre controle. - Olho para trás apenas para ver a reação dele.

"Ele estava olhando para a minha bunda?"
Pego minha faca e quando estou prestes à arrevesa-la nele, Astra segura minha mão. Em seguida, levanta e vai em direção a Alexander dizendo-lhe em voz baixa:
-Meu querido... Você possui uma aparência exuberante, sendo bem direta, não é de se jogar fora, mas se você olhar
desta forma para minha irmã de novo, meu punho será a última coisa que irá ver nessa sua vida deprimente de Caçador. - Diz enquanto aperta a ponta de sua faca, que só Deus sabe de onde ela tirou, contra o abdômen do rapaz. -E mais uma coisa... É melhor você ajudar com algo, se não, vamos matá-los antes de chegarmos na Sede da Moldávia e culparemos o leopardo morto. Prepare a fogueira, recolha galhos, escale alguma árvore, faça uma dança de acasalamento. Não me importa, apenas faça.
-Alexander, deixe-as e procure algum lugar seco e cobertas que eu procurarei os galhos para a fogueira. – Diz o garoto misterioso.

- Olha só... Você fala! - Brinca Astra fazendo com que ele esconda o rosto sob seu capuz.

Ao terminarmos de recolher a carne e prepararmos o acampamento todos nos sentamos à volta da fogueira e a acendemos.
Os Caçadores misteriosos ficam diante de nós, do outro lado das chamas. Alexander concentrado em afiar suas facas extremamente cegas e o outro em verificar suas flechas. O mesmo se vira logo após terminar e retira de uma bolsa uma adaga semelhante com a que dei a Astra e começa a afia-lá também.
"Espere, esses detalhes estão muito específicos..."
-Aaron, onde conseguiu essa adaga?- Questiono.
-Nos mantimentos de alguns rebeldes que matamos mais cedo e decidi pegar. Nunca vi algo desse tipo antes, sua funcionalidade é supreendentemente boa.-
-Eu sei.- Respondo recebendo uma cara confusa como resposta.
-Como?-
-Porque eu a fiz. Ela tem as iniciais da minha irmã.-
Imediatamente ao nota-las ele a devolve. Enquanto Alexander pega outra bolsa.
-Acredito então que isso também seja de vocês.- Completa entregando-me a que continha meu diário e alguns poucos mantimentos que sobraram.
"Meus rascunhos ainda estão aqui. Graças ao Santo Rei!"
Depois de alguns instantes percebo
que estou sorrindo com o diário em minhas mãos e Alexander mantém os
olhos fixos em mim.
-O que foi?!-
-Nada. Você disse que você fez a adaga, certo? Você parece bem talentosa.-
-Agradeço.-
-Antes de serem derrubadas pelo leopardo, pude observá-las. Parece que a academia dos Caçadores esteve renovando seus métodos.- Comentou o moreno.
-Tantos anos de treinamento tinham que dar alguma coisa.- Responde Astra descontraída.
-Ei, loirinha.. Onde aprendeu a usar a besta assim?-
"Não....creio."
-Sempre tive admiração por armas, em especial bestas. E é LIA. -
Astra permanece deitada por alguns minutos e se levanta para comer mais um pedaço de carne assada.
-Espere um instante... Vocês não receberam cavalos?- Pergunta ela mordiscando a carne já fria.
-Foram infectados por algum tipo de doença. Acho que pode ter sido pela água.- Explica Aaron.
De certa forma senti frieza. Ele nem sequer sente dó?
"Não confio nele, muito menos no amigo."
-Vamos dividir os turnos. Nós começamos e vocês vão em seguida.- Finalizo.
Astra concorda e me sento junto a ela, para que pudéssemos dividir o cobertor mais quente. Reclinada em um tronco caído e com a besta apoiada em meu colo, me mantenho alerta a qualquer movimento estranho a cerca de nós.
-Você é sempre mandona assim?- Pergunta Alexander ao deitar e virar-se para mim arrancando um breve riso de Aaron, que tenta disfarçar com uma falsa tosse.
-Quieto, seu metido. Eu nem mesmo conheço você.-
Meu turno dura duas horas e acordo Astra para o dela e me escondo em meio aos panos.
Acordo com Astra me sacudindo pela manhã e depois de alguns minutos estávamos prontos para sair. Tentamos encobrir o máximo de rastros possíveis antes de partir, como já costumávamos fazer antes de entrar para os Caçadores.
"Nunca se sabe o que há por aí." Alexander caminha ao meu lado enquanto Aaron ao lado de Astra, em nossa esquerda. Cavalgamos por no mínimo meia hora em silêncio e pude perceber que Alexander ficou desconfortável com isso, até que decidiu iniciar um assunto.
-Sei que não gosta de falar com desconhecidos, mas aquela adaga me impressionou. Se não quiser responder, apenas me ignore. Eu tenho admiração por facas e espadas. Então... Poderia me contar como fez a adaga? - Ele pergunta.
-Não acho que tenha problema nisso. Bem, na Sede da Transilvânia eu gostava de passar tempo na parte em que os ferreiros ficavam, me ajudava a pensar além de eu gostar de ver como eles trabalhavam. E em um dia de treinamento, peguei uma faca que machucava minhas mãos e decidi concerta-la sozinha. Foi quando eu percebi que fazia isso muito bem, modéstia parte. - Ri ao comentar. -Em seguida comecei a fazer minhas próprias armas e peguei o jeito. Então depois da nossa formatura usei o pó de ouro celestial e prata lunar que Astra me deu e fiz esta adaga para ela em forma de agradecimento.- Olho para minha irmã e sorrio.
-Interessante... Na nossa Sede era um pouco diferente, não tínhamos muito tempo fora dos treinos e tínhamos que nos contentar com as armas de um arsenal fixo.- Reclama ele.
-Então é por isso que suas facas então sempre mau amoladas. - Brinca Astra enquanto com a mão que não segurava as rédeas de Ártemis, deslizava e passava a adaga dedo por dedo.
-Ei! Nossas facas são ótimas!- Diz Alexander.
Olhando de rabo de olho para o mesmo lhe respondo:
-Bem, não foi isso que pude notar ontem à noite. Vocês ficaram cerca de dez minutos amolando uma única faca. Acho que isso significa que estavam bem cegas, não acha? Como lutam assim? Eu não conseguiria cortar uma fatia de bolo com elas, mas... Já que você acha que elas podem se comparar às que fiz...- Digo acompanhando sua brincadeira.
"Consegui arrancar uma risada até do "Aaron o caladão" como Astra o apelidou. Acho que eles podem apenas ser solitários afinal. Mas vou continuar alerta."
Ficamos rindo por alguns instantes até que Astra reclama:
-Eu sei que temos um prazo definido, mas... Não podemos parar na próxima cidade? Está tão pertinho e estou com tanta fome. Até a barriga da vaca pintada está roncando e fazendo minhas pernas tremerem.-
-Concordo. Também estou morrendo de fome. Saímos muito cedo hoje e não deu tempo de comer. - Se pronuncia Aaron.
Abro uma das bolsas presas ao lombo de Apolo e puxo um mapa de seu interior. Noto que de fato há uma cidade bem próxima e não faria diferença se parássemos um pouco e comêssemos algo a mais do que carne assada e pão duro.
-Pararemos na próxima cidade daqui a alguns minutos. Podemos passar a noite lá e ir embora amanhã, no domingo, depois do almoço.-Aviso para a felicidade de Astra.- Vocês por acaso conheceriam alguém nela?- Pergunto aos rapazes indicando a mesma no mapa.
Ambos respondem em negativo com a cabeça e me volto para Astra.
-Certo!- Ela responde. -Alexander, não pude deixar de escutar sua conversa com a minha irmã. E é verdade que você gosta de armas de curto alcance?-
-Sim. Eu gosto me sentir parte da batalha. Já tentei manter a distância, mas não faz meu estilo. Soa um tanto suicida, não sei se você consegue entender. - Ele finaliza.
-Entendo esse sentimento. Quem diria que teríamos algo em comum.- Astra responde.
-Finalmente alguém que me compreende. Porque o indivíduo que chamo de parceiro não pensa bem assim.- Reclama ele ironizando o moreno calado caminhando ao lado de minha irmã.
-De fato, não entendo. Eu gosto de observar a batalha como um todo, continuo preferindo um arco.-
-Eu prefiro minha besta. Temos maior controle, visão e possibilidades de planejamentos estratégicos das batalhas que vocês jamais poderiam ter.- Comento me referindo a mim e Aaron.
Então uma conversa sobre estilos de luta se inicia, dividindo as opiniões já definidas até que chegamos aos portões da pequena cidade. Passamos pelos mesmos após serem abertos por alguns guardas e seguimos direto em busca de comida.
Lanchamos na padaria de um gentil senhor chamado Alfred, que nos contou sobre a temporada de novas especiarias que dominava a cidade. Então decidimos nos separar em duplas para comprar tudo que achássemos necessário. Alugamos um pequeno quarto em um aconchegante e modesto hotel e deixamos nossos cavalos no estábulo do mesmo.
Eu e Astra seguimos para a rua de comércios, mais especificamente, para a sessão de artefatos de montaria e compramos duas arreios cutuca de couro por algumas moedas de ouro.
-Finalmente posso montar confortável em Ártemis! Nem ela estava aguentando mais.- Diz ela.
Compramos mais alguns mantimentos para a viagem e voltamos ao quarto para dormir. Enquanto Astra arruma algumas coisas coisas, tomo um banho de alguns minutos na grande banheira de madeira separada do quarto por uma divisória do mesmo material.
Quando saio Astra está de pé, pronta para tomar o dela. Ela entra e um tempo depois sai, com seus longos cabelos negros encharcados apenas nas pontas e uma roupa um pouco mais confortável para dormirmos. Sua pele branca estava levemente corada pelo tecido com que foi enxugada. Ela se senta em frente ao espelho e me observa com seus olhos azuis-esverdeados pentear suas madeixas, como quando éramos menores.  Faço uma trança lateral que no comprimento de todo o mesmo. E lhe dou um beijo de boa noite na cabeça.

*QUEBRA DE TEMPO*

No café da manhã de domingo, todos sentamos à uma mesa próxima a cozinha do hotel, onde ele seria servido. Os rapazes estão a nossa frente e, agora na luz do dia, posso enxerga-los melhor. Alexander tem cabelos ruivos e seus olhos  são castanho-avermelhados. Já Aaron possui cabelos castanhos e olhos cor de mel. Conversamos sobre se dormimos bem e a quanto não dormíamos em uma cama confortável. Aaron mencionou que gostaria de ir à Igreja, então Alexander se dispôs a acompanhá-lo enquanto eu e Astra andaríamos um pouco mais pela cidade. Nos encontraríamos em frente ao estábulo para partir depois do almoço.
Minha irmã e eu caminhamos por toda a cidade, compramos algumas roupas para substituir algumas danificadas pelo leopardo, também pude comprar algumas ferramentas para me ajudar a forjar minhas criações. E no horário definido, estávamos no local de encontro.
Cerca de uma hora e meia se passou e ainda esperávamos em frente ao estábulo. Astra comenta sobre ter escutado algo sobre Aaron ser religioso enquanto vínhamos em direção à cidade, então seguimos essa única pista até a capela da cidade.
Ao chegarmos, encontramos apenas um senhor devoto que acabara de fechar as portas do recinto e se prepara para partir.
-Com licença senhor. Poderia me dizer se dois Caçadores altos, um de cabelos negros e outro ruivo, passaram por aqui?- Pergunta ela.
-Sim minha jovem, eles passaram por aqui. No entanto, saíram há tempos acompanhados por alguns amigos.- Responde o fiel.
-O senhor viu para onde foram?-
-Pareciam ir em direção à floresta, senhoritas.-
-Muito obrigada. Tenha uma boa noite.- Respondo.
Olho para Astra e parecemos ter o mesmo pressentimento.
-Está pensando o mesmo que eu?- Questiono.
-Sim. Os rebeldes os capturaram...-

NOTAS FINAIS:
Obs: Procuramos imagens que pudessem ajudar a imaginar como os rapazes se vestiam, lembrando que as mesmas não são de nossa autoria.
Roupa de Aaron:
https://i.pinimg.com/originals/85/a5/9d/85a59d85e878e0ff65d5e09ed5735a3e.jpg

Roupa de Alexander:
https://robertogatto.deviantart.com/art/Radan-the-rogue-483057845

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