Sete

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Não sei como consegui dormir com um gato voador no quarto. Especialmente porque ele não queria dormir e a bola de meia não distrai ele tanto assim. Vou precisar arrumar brinquedos ou pelo menos qualquer coisa para ele ficar subindo. E um arranhador. Faço uma careta quando vejo o pé da cama. Como ele conseguiu arranhar isso aqui? A cama é feita de uma coisa que parece ser uma mistura de plástico super resistente. É a mesma coisa que eu vi na nave de João Mário, e sei que é quase impossível arranhar isso. Eu tentei. Queria contar os dias.

Olho para o gatinho, que está deitado no meio do quarto, de olhos fechados. Agora ele dorme, sem vergonha. Olho para o monitor na parede e paro, sentada na cama. Cadê a selva? A imagem é do espaço de novo, com um planeta se afastando. Pelo visto terminaram de consertar a nave enquanto eu estava dormindo.

Vou direto para o banheiro. Quero um banho bem quente. Não adianta, não consigo me acostumar com o frio aqui dentro, mesmo que eu sempre esteja vestindo pelo menos duas blusas. Os aliens devem ter algum tipo de controle da temperatura dentro da nave, não? Porque só consigo imaginar algo como um ar condicionado gigante para fazer o ar correr aqui dentro... Custava deixar um pouco menos congelante?

Deixo a água esquentar o máximo possível antes de entrar debaixo do chuveiro. Pelo menos isso é praticamente igual a qualquer coisa na Terra. E... Eu não sei o que vou fazer agora. Estou esse tempo todo dentro do quarto, mas sei que não vou aguentar ficar aqui. Já faz quanto tempo desde que eu fui abduzida? Não faço ideia, mas é bastante tempo. Acho que está passando da hora de me conformar.

Dou um pulo quando o gatinho mia. Ele está sentado do outro lado do campo de força que funciona como box, me encarando. Eu fechei a porta do banheiro? Não, não fechei porque tenho medo da porta travar e eu não conseguir abrir mais. A fechadura é toda estranha, tenho direito de ficar preocupada. Então só deixo ela encostada. O gato mia de novo.

— Vai ficar me assistindo tomar banho? Sério?

O gatinho abre as asas um pouco e se deita no chão. Ótimo. Vou ter que começar a fechar a porta. Continuo a tomar meu banho e olho para ele de novo. O gato nem se mexeu. Folgado.

Mas ele estar aqui só me faz pensar que é muita idiotice eu estar morrendo de medo dos ETs e não ter me preocupado nem um pouco com o gatinho – que também é alien. Eu nem assustei quando ele começou a voar pelo quarto, então por que estou com tanto medo assim dos aliens? Não que seja muito difícil entender isso, depois de ter acordado em uma cela com outras mulheres e ter entendido rapidinho que éramos mercadoria. Acho que dá para entender porque quis tanto ficar o mais longe possível deles. Só que continuar assim não vai adiantar nada. Não adiantou muita coisa até agora, na verdade. Estou começando a me arrepender de não ter aproveitado o que João Mário queria me ensinar. Talvez não fosse nada demais. Pelo menos Paloma parecia não estar tendo problema nenhum, mas não sei se ela ia ter me contado se as coisas não fossem o que pareciam.

E os aliens que vi aqui não parecem ser tãããão diferentes assim. Não estou falando de aparência – ainda tenho arrepios só de lembrar do cara dos dedos-tentáculos – mas de como eles agem. Ainda estou pensando nisso. Dravos, Frog, os outros aliens que vi de passagem e na sala segura na hora do pouso de emergência... As conversas deles, as reações e tudo mais, tudo é muito humano. Não sei se isso é só aqui, na nave de Dravos e com os aliens que trabalham para ele, ou se eu que só comecei a notar isso agora.

Ou seja: hora de sair daqui. Do quarto, quero dizer. Ninguém me proibiu de ir em lugar nenhum. Aliás, quando Dravos me viu quase saindo da nave, ele só comentou que não esperava me ver fora do quarto. Só agora que estou parando para pensar nisso. Quer dizer que eu realmente posso fazer o que quiser aqui, então? E Frog me ensinou a mexer nos controles da porta sem nem parar para pensar.

Dravos (Filhos do Acordo 4) - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora