Capítulo dezessete.

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Part. Maria

Minha mãe chegou em casa, aflita, abatida. Eu sabia que noticia boa ela não tinha. Ela sentou na cama e lá ficou, parada, olhando para o chão, com as mãos na cabeça. Ela não vai me falar nada, então vou perguntar, é meu pai, ela tem que me contar.

- Mãe, o que houve? O que a médica disse?
- Seu pai está muito doente.
- Eu soube disso desde quando vi aquele caroço crescendo num piscar de olhos mãe, o que ele tem? Me fala mãe.
- Câncer, seu pai tem câncer.

Meu mundo desabou nessa hora, minha boca ficou seca, meu corpo amoleceu, fiquei sem chão, sem reação. O meu paizinho estava com câncer, o que vai ser de mim sem meu pai? Meu Deus porque, logo com o meu pai, tira a dor dele e coloca em mim, eu aguento, mas meu pai não Senhor, ele não. Era assim que eu orava todos os dias, mas ele só piorava. Passou um fim de semana e eu não fui pra lá, pois não tinha como eu ir, ele não estava em condições de vir me pegar.

Não lembro bem o dia, mas ele ligou pra minha mãe dizendo que as dores não diminuíam, o pescoço estava inchado demais, estava muito fraco, mal conseguia andar, comer. E ele ainda estava ouvindo, mas como se a pessoa estivesse falando com ele de muito longe.

Então minha mãe começou a cantar pra ele Há uma saída de Shirley Carvalhaes.

Na tentativa de tentar acalmá-lo. Parece que deu certo, pelo menos só por hoje. No fundo eu quero acreditar que há uma saída para meu pai, mas eu não quero criar esperanças e depois acontecer o pior. Eu sei que eu devia estar otimista dizendo que meu pai vai melhorar sim, mas eu sei que nas condições em que ele está, as chances são mínimas.

Ele passou o resto da semana, ligando pra minha mãe, dizendo o que ele sentia, ela precisava saber pra poder ajudá-lo. O fim de semana chegou e, minha mãe chamou umas irmãs da igreja pra ir na casa do meu pai fazer uma oração por ele, perguntou se eu queria ir e, sem hesitar, disse que sim eu precisava muito ver meu pai. Chegando lá, oramos, cantamos e conversamos bastante com ele. Eu parei pra observar meu pai, e vi outro homem ali. Não era o meu paizinho lindo. Aquele homem era abatido, sem motivo pra viver, pálido, de olhos fundos, e vinha um mal cheiro dele por conta daquela maldita doença, ele ficava bem afastado da gente pra nós não percebermos.

Mas eu fui até ele, eu queria abraçá-lo, matar a saudade por isso percebi. Quando estávamos perto de irmos embora, minha mãe perguntou se eu queria ficar com meu pai que ela viria me buscar no outro dia. E o que eu fiz? Eu fiz a maior besteira da minha vida, cometi o maior erro que alguém pode cometer nessa vida, fui uma idiota, uma louca. Eu olhei para meu pai e ele estava sorrindo pra mim, eu podia ver em seus olhos que ele queria que eu ficasse, mas o que eu fiz, disse que não eu não fiquei com meu paizinho, eu o rejeitei, eu me assustei ao vê-lo daquele estado.

Seu sorriso agora se desfez ao ouvir meu não, eu decepcionei meu pai, porque eu sempre fiz besteira na minha vida? Porque eu tinha que fazer aquilo logo com meu pai? Eu me arrependo amargamente. Fomos pra casa e minha consciência estava me matando, eu merecia e como merecia. Mais uma semana chegou. É a semana que meu pai vai começar as quimioterapias. Lá vem mais sofrimento. Ele ficou cada vez mais fraco, mais pálido, mas tudo ele dizia pra minha mãe, ele disse pra ela que até uma queda no banheiro ele levou, porque está fraco e foi tomar banho sozinho. A semana toda foi de quimioterapia, passou rápido pra mim, mas pra ele, foi infinita.

Mas um fim de semana, e minha mãe chamou as irmãs novamente pra irmos lá, o que nós não sabíamos era que meu pai já tinha perdido completamente a audição. Isso aconteceu de ontem (sexta) pra hoje (sábado) e minha mãe não falou com ele hoje, não tinha como ele avisar.

Chegando lá, todo mundo se acomodou e minha mãe falou com ele, e sem resposta ela ficou sem entender. Eu logo entendi, pois ele olhava tentando entender o que minha mãe estava falando, sorte que meu pai era bom em leitura labial.

- Mãe, meu pai perdeu totalmente a audição. Ele só entende o que a senhora diz pela leitura labial - falei cabisbaixa.
- Preciso falar pra ele o que viemos fazer aqui.
- Ali tem um caderno, escreve que ele vai lendo, depois ele responde falando.

Assim minha mãe fez, escreveu tudo o que tinha pra falar pra ele e ele respondia. Ele estava cada vez pior, seu semblante cada vez mais caído. Oramos, cantamos, chorei muito, abracei meu pai e disse no ouvido dele que o amo, mesmo sabendo que ele não vai escutar. Deu a hora de irmos embora, e mais uma vez, eu não quis ficar com meu pai. Essa foi a última vez que o vi, já estava pra acabar o ano e meu pai passou Natal e ano novo sozinho. Eu não dei a mínima para meu pai, eu não quis saber do meu pai, eu fui egoísta, eu abandonei meu pai. Do mesmo modo foi nas férias de janeiro, durante o mês todo, eu não quis ir um dia sequer pra casa do meu pai.

Além dele ter passado o que ele passou, sofrer o que sofreu, ainda foi rejeitado pela filha que ele lutou com minha mãe pra ter. Porque que eu fiz isso com meu pai? Eu me pergunto até hoje. No finalzinho do mês eu resolvi ir pra casa do meu pai. Passei uns três dias lá e, em um desses dias, eu estava assistindo Tv com ele na casa da minha vó. Fui na cozinha beber água e, quando ia voltando meu pai vinha na mesma direção que eu, eu ia de cabeça e quando levantei dei de cara com meu pai. Só que eu me assustei, depois de tempos sem ver meu pai, quando o vejo, a primeira coisa que faço é me assustar com meu próprio pai. É, sou a pior filha do mundo, me assustei com o meu paizinho.

A quimioterapia deixou ele muito pálido, seu cabelo já tinha caído todo, seu pescoço tinha desinchado mais, mas foi só um pouco. Passou-se os três dias, fui pra casa. Passou uns dias e meu pai foi para o hospital, instituto do câncer e de lá não saiu mais. Ficou internado, mas com alguns tratamentos a audição dele foi voltando. Então ele podia se comunicar com minha mãe novamente. Minha mãe ia visitá-lo frequentemente no hospital que demorava horas pra chegar. Mas ela ia com amor, levava perfume, escova de dentes, roupa, tudo o que ele precisava.

Um dia eu pedi pra ir junto, mas ela me avisou que não iam me deixar entrar, pois eu era uma criança. Mesmo assim, eu me vesti estilo "gente grande" pra parecer o mais jovem possível. Chegando lá, não passei da recepção, não me deixaram entrar, também, quem não ia perceber que eu era uma criança! Minha mãe foi, e disse pra ele que eu tinha vindo com ela. Mas ele pediu pra ela que não queria que eu visse ele do jeito que ele estava. Eu não sei como ele estava, pois não o vi depois daquele dia, segundo minha mãe, ele estava do mesmo jeito só que, 3 vezes pior. No hospital, ele pegou uma infecção generalizada, fazendo assim com que seus órgãos parassem, um por um.

Se eu pudesse voltar atrásOnde histórias criam vida. Descubra agora