Quando o clarão eclodia contra a escuridão no céu da pequena cidade de Three Folks, já era possível encontrar a figura estática e silenciosa de John em seu carro, junto de sua inseparável Mont Blanc e um pedaço de papel terrivelmente mal cortado. Ele permanecera ali por longos quarenta minutos, encarando o vazio do estacionamento sob sua janela dianteira em um semblante severo, retomando seus milhares de pensamentos e os deixando fluir assim que os sondava cuidadosamente, como se acostumara a fazer de forma cotidiana nos últimos anos. Quando finalmente a centelha que esperava ecoou sob suas reflexões, ele tratou de pincelar o papel imediatamente de forma incômoda, porém, ininterrupta no espaço limitado do veículo, até que suas palavras cobrissem quase todos os milímetros disponíveis da folha que arrancara de uma de suas velhas cadernetas de composições. Não fazia parte de seus planos escrevê-la algo naquele momento, mas a singela memória dos dois em seu closet dias antes, o fez esboçar instintivamente um sorriso em seus lábios, e lhe presenteou com uma nova ideia. Admirou seu trabalho árduo por alguns segundos e a dobrou ao meio perfeitamente. Seu relógio de pulso marcava três para as sete, e logo ele partiu em uma pequena viagem em busca de suprimentos, que não se derivassem de uma máquina de venda automática com a aparência de uma década de funcionamento.
Katy remanescia em um sono profundo como de praxe, e não se incomodou em investigar do que se tratava, quando o ouviu entrar e sair do quarto múltiplas vezes. Após perceber a ausência de John a seu lado, tratou de se espalhar sob a até então ampla extensão da cama, quedando-se em uma posição engraçada que o fez gargalhar. Cuidadosamente, ele furtou sua bolsa para deixar ali a pequena mensagem que escrevera mais cedo. Sentiu-se tentado a bisbilhotar o que ela carregava, e logo cedeu, tratando de inspecionar tudo o que a moça trazia consigo. Obviamente, era uma típica bolsa feminina repleta de produtos e objetos que ele não compreendia quais eram as funções. Passou de todos produtos estéticos que julgava completamente desnecessários, para suas roupagens comuns e íntimas. Ela tinha um bom gosto, especialmente para lingeries, e ele não duvidava disso ao admirar as pequenas peças de seda precisamente dobradas. Por alguns instantes lembrou-se da noite anterior, e fantasiou sobre o quão deliciosa ela provavelmente ficaria trajando qualquer uma das peças. Continuou com sua investigação mais ágil, e então se deparou com uma pequena caixa plástica repleta de pequenas divisórias. Cada uma era preenchida com diferentes tipos de alcunhas, que ele não compreendeu o significado até explorar seu interior. Cerca de cinco pequenas pílulas de cores e tamanhos diferentes encontravam-se nos compartimentos da caixa, e cada uma fora nomeada com adjetivos propriamente óbvios que ele presumia ser em latim: felicitas, vitale, infantes, statera e trinus. Mayer não se familiarizava com nenhum dos comprimidos, mas chegou a conclusão de que era mais uma das milhões de peculiaridades femininas que ele jamais seria capaz de compreender. Finalmente, se deparou com o lugar perfeito para deixar seu manuscrito e cuidadosamente a escondeu em meio ao conteúdo confuso.
Ela se remexeu sob os lençóis, e ele julgou que aquela fosse uma deixa para acordá-la.
John aproximou-se de seu corpo adormecido, e lhe deu um beijo em seu ombro desnudo, seguido por beijos delicados sob seu cabelo e costas.
– Ei, bom dia... – ele sussurrou entre suas pequenas carícias.
Katy gemeu em descontentamento, e tratou de cobrir-se, o ignorando.
– Vamos, acorde, é feio desperdiçar o dia.
– Que horas são? – murmurou em um tom manhoso.
– Oito e meia.
Ela definitivamente não era uma pessoa matinal, e aquilo a fez bufar como uma criança rebelde.
– Regra número um: a não ser que isto seja um convite para uma maravilhosa sessão de sexo matinal, você não deve nunca, e grande ênfase no nunca, me acordar antes das duas da tarde. Capisce? – resmungou imediatamente, com a voz abafada sob o tecido.
– Regra número dois: se você realmente quiser uma sessão de sexo matinal, eu devo ter livre arbítrio de lhe acordar a hora que bem entender, e não somente para sexo matinal. – John respondeu, franzido o cenho.
– Regra número trê...
– Katy, estou tentando ser um cavalheiro. Você não deveria fazer pouco caso do meu cavalheirismo, e muito menos da minha tentativa de ser romântico no meio do nada. – ele a interrompeu.
– Tudo bem. – relutante e ainda enterrada sob os lençóis ela retrucou, tratando de se levantar, logo surpreendendo-se com o banquete improvisado preparado por ele.
– Hmmm, isto cheira bem.
– Eu espero que você goste de café orgânico da Roasting Company, pois aparentemente eles detém monopólio de oitenta por cento das cidades de Montana. – falou apontando para a mesa de madeira perfeitamente ajeitada sobre o beiral do largo colchão – Aliás, comida orgânica em geral.
Ele não fazia ideia do que poderia agradá-la, então optou por um pequeno banquete um tanto quanto exagerado, repleto de muito mais pratos que o necessário para um café da manhã de duas pessoas. Ela sorriu para si mesma, quando percebeu seu esforço para que seu pequeno gesto tivesse algum êxito.
– A aparência é boa... – Katy disse remexendo o peculiar prato de panquecas com um garfo - Viva ao orgânico!
– Acho que mereço créditos extras por ter dirigido uma hora por tudo isto, não acha?
– Sim, tenho que admitir. Obrigada por isto meu caro. – deu um de seus brilhantes sorrisos.
– Obrigada? Estou ofendido.
– Eu ainda não escovei os dentes...
– Não dou a mínima. – John deu de ombros, e logo ela lhe deu outro sorriso matador, se lançando em seus braços e arrancando-lhe um beijo inesperadamente quente de seus lábios.
– Se eu dirigisse por mais uma hora... Como você iria me agradecer? – perguntou ofegante.
– Não seja convencido Mayer. – ela colou os lábios no dele novamente antes de disparar para o pequeno banquete.
Ambos sentaram-se lado a lado diante de todas as opções do deslumbrante brunch de John, e em seguida deleitaram-se com o surpreendentemente apetitoso cardápio orgânico.
– Isto é definitivamente um ponto positivo em seu boletim. – Katy disse entre uma mordida e outra em um waffle abarrotado de mel – Aliás, dois.
– Ah sim? E quantos pontos eu já adquiri em meu boletim de pretendente senhorita?
– Bem... Você tem de considerar o fato de que ele começou com valores negativos...
– Mas obviamente consegui recuperá-los, pois sou um aluno excepcional. – gabou-se furtando uma mordida de seu waffle grudento.
– E presunçoso. – ela disse lambendo os polegares. – Você saberá suas notas no fim do semestre. Ou quando se graduar e passar de um mero pretendente para namor...
Uma melodia estridente a interrompeu, e logo ela a identificou como o toque do celular do rapaz. Ele checou o pequeno visor, e imediatamente o atendeu, levantando-se e vagando pelo quarto em busca de algum tipo de recepção melhor.
– Era do centro de treinamento. Tenho que buscar Moose.
– E quem exatamente é Moose?
– Ah meu Deus, eu esqueci totalmente de introduzi-lo a você. – disse ele, em tom de clemência – Ele é meu fiel companheiro... – completou mostrando a foto de um simpático labrador retriever preto.
– Oh, ele é adorável. – Katy disse, agora fuçando entre as milhares de fotografias de Moose, com seus dedos ainda melecados de mel.
John tratou de lhe contar toda história por trás da adoção de um novo amigo, e sobre inúmeros estudos e pesquisas relacionadas a animais, humanos e recuperação de enfermos. Ele explicou o grande papel que a responsabilidade de cuidar de uma vida havia representado em sua regeneração, e o quão recíproca de fato fora toda a experiência. Era visível o seu grande afeto e estima por Moose, e aquilo a deixou fascinada, especialmente por ser totalmente relacionável a seu amor inexplicável por felinos.
Pouco antes do meio-dia, Katy retornava para sua estadia provisória, sendo recebida por uma sugestiva expressão facial de Judith.
– Juro que não vou questionar. – falou a loira folheando uma edição passada da Road & Track, sem tirar os olhos das páginas – Mas tenho certeza do que aconteceu. – zombou.
– Honestamente, não acho que seja necessário detalhar...
– Por mais que eu esteja tentada a implorar por detalhes, prometo me controlar. – falou, seguida de uma piscadela de seus peculiares olhos verdes. – Ethan lhe deixou um recado, aparentemente um homem te procurou por aqui hoje cedo.
– Homem? Que tipo de homem?
– Segundo ele, um rapaz de meia idade com uma câmera gigantesca...
– Oh... – falou, imediatamente sendo inundada por imensa culpa e preocupação.
Katy tinha conhecimento dos exatos motivos de John especificamente ter escolhido Bozeman para se restabelecer, e a cidade estar fora de todo o caos envolvendo a mídia Hollywoodiana era um deles. O fato de ela estar ali destruía completamente o conceito de segurança e estabilidade que ele acreditava se encontrar naquele lugar. Era como se ela trouxesse o caos para junto de si, e sua estada na cidade ameaçava arruinar completamente a vida que ele havia construído nos últimos anos. Julgava não ter direito algum de impedi-lo de viver a vida como havia arquitetado, por um simples affair de verão. Não era justo, não era humano e principalmente não era de seu feitio...
Todas as desculpas e motivos para abrigá-la ali haviam se esgotado, e ela pesadamente se recordou disto. Pensar em toda a paz de alguém que tinha muito estima sendo arrancada, a fez concluir que sua estadia em Bozeman deveria ter um fim, imediatamente.Antes que Judith pudesse lhe questionar, disparou para o quarto de hóspedes e ajeitou sua mala sistematicamente da forma mais célere o possível. Ela necessitava desesperadamente se afastar dali sem deixar rastro algum, antes que se arrependesse de sua decisão.
Á partir daquele momento, tudo ocorrera de forma ágil em um turbilhão de sigilo e paroxismo imaginário. Ela oficialmente concluía sua estadia em Montana, sem cerimônias ou avisos prévios. Judy recebera o maior pagamento em um conserto de sua vida e Ethan lamentava a partida de sua mais nova paixão...
– Sei que você provavelmente vai detestar o fato de eu ter feito isto, mas eu não aceito não como resposta. – anunciou em sua voz trêmula, prestes a explodir em um choro enquanto depositava uma enorme cesta no banco de trás da extremamente lustrosa Range Rover.
– Judy... Você fez demais por mim, isto realmente não era necessário. Obrigada! – disse Katy, a abraçando pela quinta vez nos últimos dez minutos. – Por tudo.
– Você não vai ligar para ele?
– Não. Será melhor se tudo ficar assim. – concluiu.
– Você acha que sim. Mas as coisas não acontecem ao acaso, e talvez você tenha acabado justamente aqui por um motivo...
– Talvez. Mas não posso abalar a inatingibilidade do tal motivo com a minha vida turbulenta.
– Por favor, me prometa que vai ligar. E eu não estou me referindo a uma ligação para mim. – suplicou em uma expressão consternada.
– Eu vou tentar. – mentiu.
– Isto vai deixá-lo em pedaços...
Ela deu de ombros, e apenas lhe lançou um sorriso apagado antes de sentar-se no banco do motorista, e girar a chave na ignição, trazendo finalmente seu carro de volta a vida pela primeira vez em quase um mês.
– Você fez um ótimo trabalho. – apontou para o painel luzente.
E em pouco menos de cinco minutos, ela atirava-se sob a highway 59 apressadamente, sob a borda do limite de velocidade.
Katy necessitava de sua dose de Los Angeles, pressupunha ser o melhor local para reestabelecer seus limites, objetivos e principalmente para limpar toda a bagunça que acreditava ter feito. Estava disposta a apagar o último mês de sua memória, e por mais difícil que fosse, ela estava decidida a fazê-lo, presumindo zelar pela segurança de John.
Mas não era necessário ser algum tipo de gênio para concluir que ela estava completamente errada.
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Montana
FanfictionKaty realmente é o tipo de mulher que confia em seus instintos, e quase sempre tenta seguir o que eles lhe dizem para fazer. Mas nem sempre eles estão certos... Ou será que estão? Seria John Mayer algo que seus instintos enxotariam ou acolheriam?