6 Sydney

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Não fazíamos ideia do significado do tijolo de arenito. Não conseguimos
encontrar nenhum feitiço nele e não havia nenhum indício do seu papel nesse mistério. A
única coisa de que tínhamos certeza era que precisávamos chegar aos montes Ozark, ou pelo menos ao Missouri. Depois que a sra. Terwilliger combinou com a empresa de aluguel de carro para prolongar o contrato, sugeriu que viajássemos até St. Louis e planejássemos um ataque de lá. Senti um frio na barriga na hora.
— Lá não — eu disse rápido. — Tem um centro alquimista em St. Louis. Não me
esforcei tanto para voltar direto para as garras deles. Eddie arqueou a sobrancelha, refletindo.
— Será que isso não faz parte do plano? E se essa caça ao tesouro faz parte de um plano alquimista para fazer você sair e não tem absolutamente nada a ver com Jill?
Fazia sentido. A especulação ficou ainda mais preocupante quando a sra.
Terwilliger sugeriu:
— E se tiver a ver com Jill? Afinal, tem a mecha de cabelo que definitivamente
parece ser dela. Será que os alquimistas não a capturaram como uma forma de pegar
você?
Por um momento, a ideia me pareceu plausível. Jill realmente foi raptada assim que
eu e Adrian conseguimos fugir e nos esconder na Corte. Os alquimistas estavam entre as
poucas pessoas que sabiam da localização de Jill, então poderiam facilmente ter enviado
alguém atrás dela. Considerei a possibilidade e a analisei com o que me restava da lógica
alquimista de todos os jeitos possíveis. No fim, balancei a cabeça.
— Acho que não — eu disse. — Eles podiam ter os meios, mas não a motivação.
Os alquimistas são culpados de muitas coisas, mas não querem que os Moroi se voltem
uns contra os outros, o que aconteceria com a morte de uma princesa real. Também não imagino os alquimistas recorrendo à magia humana, nem mesmo para me capturar. A
doutrina deles é completamente contra.
Mesmo não sendo uma armadilha elaborada pelos alquimistas, não queria correr o
risco de dar de cara com um deles na hora do almoço em St. Louis. Pensando nisso,
decidimos um novo destino. O caminho levou um dia inteiro, mas finalmente paramos
em Jefferson City, Missouri, na noite seguinte, deixando St. Louis bem para trás. Ficamos
também ligeiramente fora de mão dos Ozark, o que poderia nos proteger de alguém que
estivesse esperando nossa chegada. Claro, ainda não sabíamos exatamente aonde
estávamos indo. Os Ozark abarcavam uma enorme extensão de terra, e até agora nosso
tijolo não tinha dado nenhuma pista.
Saímos para jantar depois de fazer o check-in num hotel, exaustos por passar o dia
todo no carro. Era quase meia-noite, mas tínhamos deixado de jantar para chegar mais
rápido. Estava mais cansada do que qualquer coisa; a comida não passava de uma
formalidade. Do outro lado da mesa, a sra. Terwilliger conteve um bocejo e até mesmo
Eddie, apesar de sua eterna vigilância, parecia não ver a hora de dormir. Enquanto
esperávamos pela comida, deixamos o tijolo em cima da mesa, encarando-o como se
pudéssemos fazer com que nos contasse alguma coisa.
Por fim, tirei os olhos dele e peguei o celular, torcendo para que tivesse alguma
resposta de Adrian à mensagem que eu tinha mandado antes. Ao longo do dia, ele tinha
se comunicado pouco, o que era estranho, visto que no dia anterior ele mandara
atualizações constantes. Sabia que era injusto esperar que ele não fizesse nada além de
ficar parado com o celular na mão para falar comigo, mas não conseguia entender a
mudança de comportamento. Depois de todos os problemas que enfrentamos no último
mês, me pegava em estranhos acessos de paranoia, achando que, depois do choque da
minha partida, Adrian tinha descoberto que gostava da liberdade.
A garçonete chegou com nossa comida e enfiei o celular de volta na bolsa. Enquanto
servia nossos pratos, ela perdeu o fôlego ao ver o tijolo de arenito.
— Vocês roubaram isso do Ha Ha Tonka?
Nós a encaramos fixamente como se estivesse falando outra língua.
— Quer dizer, é legal se roubaram — ela acrescentou rápido, sem graça pelo nosso
silêncio. — É um lugar incrível. Vejo muita gente aqui indo e vindo de lá. Também
gostaria de uma lembrancinha.
A sra. Terwilliger foi a primeira a se recuperar.
— Pode repetir esse nome? Ha Ha Wonka?
— Ha Ha Tonka — a menina corrigiu. Ela encarou cada um de nós. — Vocês não
foram lá? Esse tijolo é igual aos que compõem as ruínas. Vocês deviam dar uma olhada se
estiverem indo para os Ozark.
No instante em que ela foi embora, pesquisei Ha Ha Tonka no celular.
— Não acredito — eu disse. — Tem um castelo em Missouri!
— Você acha que Jill pode estar lá? — Eddie perguntou, com um brilho nos
olhos. Já dava para ver que ele estava se imaginando resgatando Jill de uma torre alta,
talvez até lutando com um dragão ou dinossauro robô no processo.
— Improvável. A garçonete estava certa quando disse “ruínas”. — Mostrei a foto do
Ha Ha Tonka para eles, que possuía uma estrutura impressionante, embora já tivesse
vivido dias melhores. Não havia teto e algumas partes das paredes tinham se desfeito,
deixando-o todo aberto e fácil de atravessar a pé. A construção era tecnicamente uma mansão, não um castelo, e todo o terreno fora transformado num parque estadual cheio
de trilhas e outras atrações naturais. Se Jill estivesse lá, seu cativeiro não seria óbvio…
mas, pelo menos, agora tínhamos um destino, porque a garçonete estava certa em relação
a uma coisa: nosso tijolo era exatamente igual aos das ruínas.
A nova informação nos animou e quase esquecemos da comida enquanto
começávamos a fazer os planos. Segundo o site do parque, ele abria às sete da manhã.
Decidimos ir para lá assim que a entrada fosse liberada para fazer um reconhecimento
prévio. Se houvesse a chance de ter algum confronto como o que tínhamos enfrentado no
museu de robôs, aí sim nos daríamos ao trabalho de entrar escondidos depois que o
parque estivesse fechado. Do jeito como essa estranha caça ao tesouro estava se revelando,
realmente não havia como saber o que enfrentaríamos ou o que a pessoa misteriosa que
ditava as pistas estava esperando de nós.
Na manhã seguinte, acordamos energizados, mesmo depois de apenas cinco horas
de sono. Estávamos ansiosos para voltar à estrada e ver que segredos Ha Ha Tonka
guardava. O parque ficava a apenas uma hora de distância, mas paramos num posto de
gasolina para abastecer antes de voltar à rodovia. Enquanto Eddie tomava conta do
abastecimento, segui para a loja de conveniência para garantir que eu e a sra. Terwilliger
teríamos mais café para a viagem. Enquanto me aproximava da porta, parei abruptamente
ao ver um rosto conhecido lá dentro.
Meu pai.
Ele estava na frente do caixa, tirando dinheiro da carteira. Não podia me ver porque
estava de costas para a porta de vidro. Lembrei da ideia do dia anterior e cogitei se esse
realmente não era um plano alquimista para me capturar.
Por um momento, fiquei tão paralisada de medo que não consegui reagir. Apesar
das dificuldades da minha vida na Corte Moroi no último mês, não havia dúvidas de que
ela era milhões de vezes melhor do que o que eu tinha enfrentado na reeducação. Pensava
ter conseguido deixar aquela experiência terrível para trás, mas, parada ali, olhando
fixamente para as costas do meu pai, senti uma súbita falta de ar. Talvez houvesse
cinquenta alquimistas prestes a surgir de todas as direções, arrastando-me de volta a um
quarto escuro minúsculo e me sentenciando a uma vida de tortura física e psicológica.
Corre, Sydney, corre!, gritou uma parte do meu cérebro.
Mas não conseguia me mover. Ficava pensando apenas em como os alquimistas
tinham me capturado antes, mesmo com Eddie ao meu lado. Que chance eu teria ali,
completamente sozinha?
CORRE, falei para mim mesma novamente. Para de se sentir desamparada!
Isso me colocou em movimento. Voltei a respirar e, devagar, fui andando para trás,
sem querer que nada chamasse a atenção dele pela visão periférica. Quando não conseguia
mais vê-lo, dei meia-volta e me preparei para uma corrida desvairada até o carro.
Em vez disso, dei de cara com minha irmã Zoe.
Ela estava andando na direção da loja de conveniência e meu pânico voltou a
disparar quando a encarei. Então, ao examinar sua expressão de espanto, percebi uma
coisa: eu era a última pessoa que ela esperava ver ali. Essa não era uma emboscada
elaborada. Pelo menos não até eu aparecer ali.
— Zoe — exclamei. — O que você está fazendo aqui?
Seus olhos estavam absurdamente arregalados enquanto tentava se recuperar.
— A gente estava a caminho da sede de St. Louis. Vou começar um estágio lá.
Da última vez que soube, ela estava em Salt Lake City com meu pai. Lembrei do
mapa de rodovias da região e percebi que essa não era uma rota direta entre os dois
lugares.
— Por que vocês não pegaram a I-70? — perguntei, desconfiada.
— Estava em obras e… — Ela balançou a cabeça, quase com raiva. — O que você
está fazendo aqui? Era pra você estar escondida com os Moroi! — Aumentando meu
espanto, ela agarrou a manga da minha blusa e começou a me puxar no sentido contrário
ao posto. — Você precisa sair daqui!
Ainda mais espanto.
— Você… está me ajudando?
Antes que ela pudesse responder, ouvi a voz de Eddie.
— Sydney?
Foi tudo o que disse, mas quando eu e Zoe nos viramos, pude ver a tensão em seu
corpo, pronto para a luta. Ele continuou parado, mas parecia prestes a pular a qualquer
instante e jogar Zoe contra a loja se ela tentasse me machucar. Eu realmente esperava que
isso não fosse necessário, porque, independentemente do que havia acontecido entre nós,
por mais que ela tivesse me traído, ainda era minha irmã. Meu amor por ela continuava
igual.
— É verdade? — ela murmurou. — Eles realmente te torturaram na reeducação?
Assenti e lancei outro olhar nervoso para o posto de gasolina.
— De mais formas do que você pode imaginar.
Ela ficou pálida, mas respirou fundo, decidida.
— Então dá o fora daqui. Rápido. Antes que ele saia. Vocês dois.
Fiquei chocada com essa reviravolta no comportamento dela, mas Eddie não
precisou ouvir duas vezes. Me pegou pelo braço e quase me arrastou até o carro.
— A gente vai. Agora — ele mandou.
Lancei um último olhar para Zoe antes de Eddie me empurrar para dentro do
carro, onde a sra. Terwilliger esperava por nós. Mil emoções passaram pelo rosto de Zoe
enquanto saíamos, mas poucas foram as que consegui interpretar. Tristeza. Saudade.
Assim que estávamos de volta na estrada, percebi que estava tremendo. Eddie dirigia e
checava o retrovisor, apreensivo.
— Nenhum sinal de perseguição — ele disse. — Ela não deve ter visto em que
direção fomos para contar pra ele.
— Não… — respondi devagar. — Ela não contou nada pra ele. Ela nos ajudou.
— Sydney — Eddie disse com a voz firme, mas tentando ser gentil —, foi ela que
entregou você na primeira vez! Foi ela que começou todo esse pesadelo de reeducação.
— Eu sei, mas…
Lembrei do rosto de Zoe pouco antes, tão sério e conturbado com a ideia de que
eu havia sido torturada. Lembrei também do dia em que eu e Adrian chegamos à Corte,
quando tínhamos sido arrastados para a sala da rainha e encontrado um grupo de
alquimistas que queria me levar de volta. Meu pai e Ian, outro alquimista que
conhecíamos, falaram muito sobre os erros que eu cometera e como precisava me afastar
dos Moroi. Zoe ficara em silêncio, com uma expressão estarrecida, e eu estava com coisas
demais na cabeça para pensar no que ela poderia estar sentindo. Imaginara que ela estava
indignada demais com meu casamento para falar, sem mencionar o fato de que meu pai
não deixava mais ninguém abrir a boca.
De repente me dei conta que poderia haver um sentimento que não tinha percebido:
arrependimento.
— Realmente acho que ela estava tentando ajudar — insisti, sabendo que essas
palavras poderiam parecer loucura, ainda mais para Eddie. Ele estava lá na noite em que
fui levada, quando fui traída por ela. — Alguma coisa mudou.
Ele não me contradisse mas continuou agitado.
— Será que dá pra gente mudar os planos? Vai que eles resolvem patrulhar a área
atrás de nós…
— Não — eu disse, firme, sentindo-me cada vez mais segura das minhas suspeitas.
— Ela não vai nos denunciar. Vamos seguir por este caminho até Ha Ha Tonka, a menos
que você veja sinais de alguém nos seguindo.
Passei o resto do trajeto em choque, ainda surpresa com a ideia de que Zoe poderia
estar tendo dúvidas, se não em relação aos alquimistas, pelo menos em relação ao que
fizeram comigo. Quando me recuperei do susto inicial, me peguei com uma emoção que
não sentia desde muito tempo: esperança.
As nuvens começaram a ficar mais esparsas quando chegamos ao parque estadual
Ha Ha Tonka, e a temperatura do começo da manhã prometia um dia escaldante.
Estacionamos perto do centro de visitantes e nos reunimos em volta de um mapa do
parque. Embora houvesse grandes gramados e trilhas, decidimos que as ruínas, a que até
o parque se referia como “castelo”, deveriam ser nosso ponto de partida, já que nossa
pista tinha relação direta com elas.
Não havia ninguém no parque àquela hora da manhã, tirando os funcionários do
centro de visitantes. Eu e a sra. Terwilliger demos uma volta pelas ruínas em busca de
sinais de magia, lançando alguns feitiços de desvendamento. Eddie ficou perto de nós para
nos proteger e explorar, mas confiava que encontraríamos o que quer que estivéssemos à
procura. A parte de mim que sempre adorou arte e arquitetura não conseguia deixar de
ficar impressionada com o esplendor das ruínas e desejei que Adrian estivesse ali comigo.
Não tivemos uma lua de mel oficial depois do casamento, mas sempre falávamos sobre
lugares que poderíamos visitar se tivéssemos liberdade. A Itália estava no topo da minha
lista, assim como a Grécia. Mas, sinceramente, me contentaria com Missouri se
pudéssemos estar juntos, sem nenhuma perseguição.
Depois de algumas horas de busca, estávamos suados e com calor, mas sem
resultados. Eddie ainda não se convencera das boas intenções de Zoe e ficou nervoso com
a ideia de demorarmos mais; queria voltar para a estrada logo. Quando a hora do almoço
se aproximou e consideramos uma pausa, alguma coisa brilhou na minha visão
periférica. Virei e ergui os olhos para uma das torres dilapidadas do castelo. Havia algo
pequeno e dourado resplandecendo sob o sol. Segurei o braço de Eddie e apontei.
— O que é aquela coisa dourada?
Ele colocou a mão na testa e estreitou os olhos.
— Que coisa dourada?
— Na torre, ali. Logo embaixo da abertura da janela de cima.
Eddie observou de novo e depois baixou a mão.
— Não estou vendo nada.
Chamei a sra. Terwilliger e mostrei para ela.
— Você está vendo aquilo? Embaixo daquela janela na torre mais alta?
— Parece dourado — ela disse prontamente.
Eddie ficou incrédulo e voltou a observar onde indicamos.
— Do que vocês estão falando? Não tem nada lá. — Sua descrença era
compreensível: a visão dampírica era superior à humana.
A sra. Terwilliger o estudou por um momento antes de voltar a fixar o olhar na
torre.
— É possível que a gente esteja observando alguma coisa que só pode ser vista por
pessoas com conhecimentos mágicos. Pode ser o que buscamos.
— Então como chegamos lá? — pensei em voz alta. A torre em si era um pouco
mais alta do que um muro de pedra e eu não estava confiante que ela ofereceria bons
apoios para escalar. Também ficava numa parte cercada do castelo, à qual os visitantes
não deveriam ter acesso. Com mais alguns turistas passeando, além do guarda do parque
que passava de vez em quando, sabia que não teria como pular a cerca discretamente.
Eddie nos surpreendeu com uma sugestão que envolvia magia.
— Eu poderia escalar. Vocês têm como fazer um feitiço de invisibilidade?
— Sim — comecei —, mas não vai adiantar muito se você não souber o que está
procurando. Queria poder escalar, mas acho que está um pouco acima das minhas
capacidades.
— Dá pra nós dois ficarmos invisíveis? — ele perguntou. — Você fica embaixo me
falando para onde ir.
A sra. Terwilliger deixou Eddie invisível e lancei o mesmo feitiço sobre mim. Não
era um feitiço de invisibilidade muito forte, e qualquer pessoa que estivesse à nossa
procura conseguiria nos descobrir. Não lançamos um feitiço mais forte por causa da
possibilidade de termos que nos defender depois e porque acreditávamos que nenhum
turista ou guarda esperaria que alguém escalasse as paredes da ruína.
Eddie e eu pulamos a cerca com facilidade e nos aproximamos da torre em questão.
De perto, tive uma noção melhor do que era o objeto dourado.
— Parece um tijolo — falei para ele.
Ele seguiu meu olhar, ainda sem conseguir enxergar o que eu via.
— Vou acreditar na sua palavra.
A superfície da torre era acidentada e irregular, com poucos pontos para apoiar as
mãos além de aberturas deixadas por janelas havia muito desmanchadas. Não teria
conseguido escalar, mas Eddie conseguiu habilmente. Os fortes músculos de seu corpo o
sustentavam enquanto buscava lugares para apoiar as mãos e os pés durante a subida
lenta. Quando chegou à janela, finalmente encontrou um lugar para descansar, apoiando-
se no parapeito. Ergueu o braço e colocou a mão num tijolo aleatório.
— E agora?
— Está três tijolos à sua esquerda e dois para cima — gritei.
Ele contou e encostou no tijolo que eu enxergava dourado.
— É este? Está frouxo. Dá pra tirar.
— Esse mesmo.
Fiquei tensa quando ele puxou o tijolo da parede. Não sentia nenhuma armadilha
daquela distância, mas era bem possível que toda a estrutura ruísse ao nosso redor
quando ele o tirasse. Depois de certo esforço, o tijolo saiu. Eddie e eu congelamos à
espera de um enxame de fotianas mortais ou algum outro desastre. Como nada
aconteceu, ele lançou o tijolo ao meu lado e começou a descer. Quando chegou ao chão
em segurança, saímos correndo da área cercada e levamos o tijolo para a sra. Terwilliger.
Nos amontoamos em volta dele, esperando alguma revelação, mas não conseguimos
nada. Lançamos feitiços e tentamos compará-lo ao tijolo que tínhamos trazido de
Pittsburgh. Nada ainda. Considerando que talvez houvesse outros tijolos dourados por
ali, vasculhamos mais a propriedade, mas não encontramos nada. Com calor e com fome,
decidimos fazer uma pausa para o almoço. Fomos a um restaurante alemão e ficamos
surpresos ao ver como aquele e os demais estavam lotados.
— Tem uma convenção de pesca na cidade — nosso garçom explicou. — Tomara
que consigam um hotel, se estiverem planejando ficar.
Não tínhamos reservado nenhum, na verdade, embora estivéssemos considerando
passar a noite para fazer outra busca pelo parque no dia seguinte.
— Talvez a gente possa encontrar algum lugar em uma cidade nas redondezas —
pensei em voz alta.
O garçom sorriu.
— Meu tio é dono de um camping que tem vagas. Vocês podem alugar barracas e
tudo mais. Sai mais barato que um hotel.
Dinheiro não era um problema, mas, depois de uma conversa rápida, decidimos
aceitar a oferta e partir para o camping, já que era perto do parque. Conseguimos alugar o
que precisávamos, montar tudo e fazer mais uma viagem a Ha Ha Tonka antes que o
parque fechasse. De novo não encontramos nenhuma resposta nem no parque nem no
tijolo. Tentamos dizer a nós mesmos que a manhã seguinte traria uma nova perspectiva,
mas ninguém teve coragem de expressar a dúvida que pairava entre nós: o que faríamos se
não conseguíssemos descobrir o segredo do tijolo dourado?
Queria muito conversar sobre isso com Adrian, mas ele ainda não tinha
respondido minha última mensagem. Diligente, mandei outro relatório sobre o que estava
acontecendo e preparei a cama, sem querer admitir como o silêncio dele me incomodava.
Exausta pelo dia longo, caí no sono rápido na barraca alugada…
… e fui despertada algumas horas depois pela voz aterrorizada de Eddie.
— Sydney! Jackie! Acordem!
Abri os olhos e sentei num instante.
— Quê? Que foi?
Ele estava parado na abertura da barraca, apontando para fora. Eu e a sra.
Terwilliger fomos até o lado dele e olhamos para onde ele apontava. Lá, sob a luz do luar,
uma poça reluzente de algo que parecia ouro derretido escoava lentamente pelo chão,
vindo na nossa direção. Deixava tudo o que tocava chamuscado.
— O que é aquilo? — exclamei.
— O tijolo — Eddie disse. — Estava de vigia e notei que começou a brilhar. Peguei
e quase queimei a mão. Joguei para fora e ele derreteu, se transformando naquela coisa.
A sra. Terwilliger murmurou um rápido feitiço quando a gosma dourada se
aproximou da nossa barraca. Uma onda invisível de poder foi lançada e jogou a gosma
alguns metros para trás. Então ela voltou a vir na nossa direção.
— Que maravilha — murmurei. Ela repetiu o feitiço, que, obviamente, não passava
de uma solução temporária.
— Dá pra gente aprisionar essa coisa? — perguntei. — Tem muitas pedras aqui. A
gente poderia fazer um tipo de cercado?
— Ela queima as pedras para abrir caminho — Eddie disse, desolado.
A sra. Terwilliger desistiu daqueles feitiços e usou um de congelamento parecido com o que tinha usado no museu de robôs. Lançou uma rajada de frio intenso na direção
da poça derretida, que parou no meio do caminho. Metade da gosma começou a se
solidificar, mas o resto ainda estava líquido e em movimento, serpenteando e arrastando a
parte congelada consigo.
— Sydney, vai pro outro lado! — exclamou a sra. Terwilliger.
Obedeci correndo. Saí da barraca e parei do outro lado da gosma, que estava
liquefeita de novo já que a minha professora interrompeu o feitiço. A massa líquida
voltou a avançar na direção da barraca, e a sra. Terwilliger ergueu as mãos para lançar o
feitiço novamente.
— No três — ela ordenou. — Um… dois… três!
Ao mesmo tempo, lançamos feitiços de congelamento, atacando a gosma de ambos
os lados. A massa torceu e retorceu sob a magia, mas, aos poucos, começou a se
solidificar. Nunca tinha sustentado este feitiço por tanto tempo, mas a sra. Terwilliger
parou de liberar a magia. Segui o exemplo dela até que, finalmente, o ouro ficou imóvel,
completamente solidificado num formato irregular. Com cuidado, caminhamos até ele,
que continuou parado.
— Que esquisito — eu disse. — Não foi tão ruim quanto o último ataque. — Eu
ainda tinha alguns cortes dos vaga-lumes mágicos que nos atacaram em Pittsburgh.
— Só porque não alcançou a gente — a sra. Terwilliger apontou. — Odeio pensar
no que teria acontecido se estivéssemos todos dormindo na barraca quando nos
alcançasse.
Tive um calafrio, sabendo que ela tinha razão.
— Mas o que isso significa?
Ninguém tinha uma resposta imediata, mas Eddie nos surpreendeu ao falar alguns
segundos depois:
— Já vi isso antes.
— Um tijolo dourado que se transforma numa poça assassina de metal derretido?
— perguntei.
Ele abriu um sorriso fraco.
— Não. Olha esse formato. Não parece familiar?
Inclinei a cabeça para examinar o objeto dourado diante de nós. Não parecia ter
nenhum formato específico. Era uma forma amorfa e vagamente oval, que parecia ter
endurecido daquele jeito por acaso. O intenso olhar de concentração de Eddie mostrou
que ele não pensava assim. Depois de mais um tempo concentrado, pareceu entender.
Tirou o celular do bolso e digitou alguma coisa. Com o péssimo sinal no parque,
demorou um tempo para Eddie encontrar o que precisava, mas, quando achou, ficou
triunfante.
— Aqui, dá uma olhada.
Eu e a sra. Terwilliger encaramos a tela e encontramos um mapa da região
metropolitana de Palm Springs. Instantaneamente percebi qual era a questão.
— É o Salton Sea — exclamei. — Boa memória, Eddie.
O Salton Sea era um lago salgado nas redondezas de Palm Springs, e a poça de metal
à nossa frente tinha exatamente a mesma forma que ele. A sra. Terwilliger balançou a
cabeça e bufou, consternada.
— Que ótimo. Saí de Palm Springs para avisar você, fui parar numa caça ao tesouro
mágica e aqui estou eu, depois de todo esse trabalho, simplesmente levando-os pra casa.
— Mas por quê? — Eddie perguntou. — Será que Jill ficou lá esse tempo todo? E
quem está controlando toda…
— Pra trás! — a sra. Terwilliger gritou, erguendo as mãos numa postura defensiva.
Nem Eddie conseguiu se afastar rápido o bastante. A gosma dourada tinha
começado a tremer, como se estivesse subitamente cheia de uma energia que precisava
sair. Tentei lançar um feitiço de escudo, mas, enquanto as palavras se formavam nos
meus lábios, percebi que não conseguiria me mover com velocidade suficiente. A gosma
explodiu em centenas de cacos dourados e afiados que voaram na nossa direção. Pararam
ao acertar uma barreira invisível e caíram inofensivos no chão.
Observei onde eles caíram com o coração acelerado ao pensar nos ferimentos
terríveis que teriam causado se a sra. Terwilliger não tivesse sido tão rápida. Por isso, foi
uma surpresa quando ela falou:
— Ótimos reflexos, Sydney. Não consegui a tempo.
Voltei o olhar para ela.
— Não foi você quem lançou?
Ela franziu a testa.
— Não. Pensei que você tinha lançado.
— Fui eu — disse uma voz atrás de nós.
Virei e fiquei boquiaberta quando, surpreendentemente, Adrian surgiu dentre as
árvores. Esquecendo a tragédia que quase tinha acontecido, corri para os braços dele,
deixando que me levantasse do chão.
— O que você está fazendo aqui? — exclamei. — Deixa pra lá. — Eu o beijei com
força, tão emocionada que nem liguei que Eddie e a sra. Terwilliger estivessem perto.
Ficar longe dele nesses últimos dias tinha feito meu coração doer mais do que esperava, e
acho que foi uma surpresa para nós dois quando ele finalmente interrompeu o beijo.
— Não falei que daria um jeito de vir pra cá? — ele disse, sorrindo. Seu olhar
recaiu sobre os cacos e seu sorriso se desfez. — Bem na hora, pelo jeito.
Ainda envolta por ele, virei na direção dos pedaços, que cintilavam sinistros na
grama. Uma lembrança surgiu dentro de mim.
— Já vi isso antes — eu disse, assim como Eddie.
A sra. Terwilliger soltou o fôlego trêmula.
— É um feitiço terrível. Não é um que se lança à toa.
— Eu sei — eu disse baixo. — Já o lancei uma vez.
Todos se voltaram para mim, espantados.
— Quando? — ela perguntou. — Onde?
— Na sua casa… sua antiga casa, antes de ela pegar fogo — corrigi. Centenas de
lembranças voltaram com tudo e senti o mundo tremer um pouco quando, de repente, fiz
uma conexão após a outra. Achava que não conhecia ninguém capaz de usar esse tipo de
magia humana, ninguém que iria querer vir atrás de mim, pelo menos. Estava errada.
Encarei os olhares ansiosos dos meus amigos. — Foi o feitiço que usei para matar Alicia
— expliquei.

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