12 Sydney

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Fui dormir perturbada. Adrian havia mudado de ideia rápido demais para que fosse
sincero. Na manhã seguinte, porém, não tivemos tempo de discutir mais. Declan exigia
nossa atenção e, pouco depois, era hora de partir para ajudar os outros na busca por
Alicia. No entanto, antes de encontrar as bruxas, eu e Adrian precisávamos nos
reencontrar com alguns amigos de longa data.
Na companhia de Rose e Dimitri, fomos ao antigo apartamento de Adrian. Aquilo
me despertou mais uma onda de nostalgia, ao lembrar de todo o tempo que havia
passado ali. Longas tardes deitada nos braços de Adrian, antes de nos casarmos, antes de
ser perseguida sem parar… Na época, achava que estávamos vivendo perigosamente, mas,
comparado ao que enfrentávamos agora, a vida daqueles tempos parecia simples.
Trey Juarez atendeu a porta com seu sorriso simpático, que se tornou radiante ao
se deparar comigo e com Adrian.
— Quanto tempo, Melbourne! Ou devo chamar você de Ivashkov agora?
Retribuí seu abraço forte. Quando Adrian tinha saído de Palm Springs para viver na
Corte, ele havia dado seu apartamento para Trey.
— Vou continuar tentando fazer você me chamar de Sydney — eu disse. Apresentei
Rose e Dimitri para ele, depois observei o apartamento. As paredes ainda tinham o tom
radiante de amarelo que Adrian havia pintado. Eddie e Neil estavam lá nos esperando, e
também abracei os dois. — Cadê Angeline?
— Em Amberwood. Está fazendo aulas de verão.
— Sério? — perguntei, surpresa. — Não sabia. Achei que ela só estava usando o
alojamento lá durante o verão.
— Ela estava — Trey concordou, com um brilho nos olhos. — Mas a convenci de
que estudar um pouco mais a ajudaria com as aulas no outono.
— Outono? — Sentei no sofá, tentando não pensar nas vezes em que eu e Adrian
deitamos de conchinha ali. — Pensei que ela fosse voltar para os Conservadores.
— Até parece que você não conhece Angeline — Neil disse, irônico. — A rainha
aceitou financiar os estudos dela como agradecimento por ter cuidado de Jill durante
todo esse tempo. — Demorei para entender as palavras dele. Ver Neil me lembrou de
Declan esperando na mansão de Clarence. Eu e Adrian tínhamos concordado que era
melhor esperar para contar a notícia, mas esse era um segredo enorme demais para
carregar.
— Angeline quase recusou — Trey acrescentou. — Disse que não merecia porque
tinha deixado Jill ser levada. Mas a convenci de que Jill vai querer uma guardiã com boa
formação quando a resgatarmos… e que Amberwood não fica muito longe da UCLA.
Sorri, apesar da pontada de inveja. Trey iria para a faculdade logo mais, o que me
fora negado por fazer parte dos alquimistas. Agora, em fuga constante, parecia improvável
que frequentaria uma algum dia.
— Olha só você, dando um bom exemplo pros outros — brinquei.
— Ei — ele disse. — Estava falando sério. E nós vamos resgatar Jill, certo? Explica
aí essa pista que vocês têm. Eddie disse que é uma menina contra a qual você já lutou,
certo?
A atmosfera tranquila mudou instantaneamente quando começamos a tratar dos
assuntos sérios.
— O nome dela é Alicia DeGraw — expliquei, tirando o celular do bolso. — Não
sabemos exatamente onde ou como está mantendo Jill, mas parece claro que está fazendo
isso para se vingar de mim. A última pista dela levava ao Salton Sea, que é onde as amigas
da sra. Terwilliger vão nos ajudar a procurar hoje. — Mostrei a foto de Alicia que a sra.
Terwilliger havia conseguido com uma amiga que conhecera a bruxa nos tempos em que
ela era aprendiz de Veronica. Tinha sido tirada alguns anos antes de eu conhecê-la, mas
estava igual: óculos de aro grosso, muitos acessórios e cabelo loiro-claro cacheado.
Os olhos de Trey se arregalaram.
— Conheço essa menina. — Ao perceber nossos olhares assustados, ele
acrescentou rápido: — Quer dizer, já a vi uma vez. Ela veio aqui procurando por você e
Adrian. Contei a vocês na época… mas ela não falou o nome pra mim.
Lembrei vagamente de Trey mencionando uma menina que tinha vindo perguntar
por mim e por Adrian durante a época que estava presa na reeducação. Nós estávamos tão
preocupados com outras coisas, como escapar vivos das mãos dos alquimistas, que o
incidente entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
— Ela esteve aqui? — Eddie exclamou.
— Só por tempo suficiente para perguntar por Sydney e Adrian — Trey disse. — E
usar o banheiro.
Logo entendi.
— E aposto que deixei um pente ou escova lá. Foi assim que ela conseguiu um fio
de cabelo meu para ligar aquele feitiço a mim.
Muitos dos nossos amigos só sabiam partes da história da caçada a que Alicia havia
nos conduzido, então parei um momento para atualizar todo mundo e fazer um relato
completo. Eddie estava furioso quando terminei.
— Ficar na cidade sabendo que talvez esteja tão perto de Alicia sem poder fazer
nada está me deixando maluco — ele disse. — Mas a sra. Terwilliger insistiu para fazermos a busca com as outras bruxas.
— Você poderia ter feito a barba nesse meio-tempo — Adrian sugeriu, prestativo.
— Entendo — falei para Eddie, ignorando a gracinha de Adrian. — Também não
gostei da demora, mas a ajuda delas vai nos dar uma proteção extra contra Alicia. Não
tem como saber que armadilhas mágicas ela preparou.
— Tem certeza que ela quer que você vá ao Salton Sea? — Dimitri perguntou. —
Você acha que a pista dela era para ser levada ao pé da letra?
— Todas as outras pistas eram muito específicas — respondi. — Então, sim, acho
que era o plano inicial dela… mas nós atrasamos alguns dias. Isso pode ter atrapalhado o
que ela pretendia inicialmente, o que é bom e ruim. Significa que ela vai ser pega de
surpresa… mas também que pode ter inventado alguma coisa nova que não estamos
esperando. Nossa esperança é descobrir hoje alguma pista em Salton que possa nos
colocar de volta ao caminho certo.
— Nem conheço essa menina e já tenho ódio dela — Rose comentou.
Encarei o relógio.
— Vamos torcer pra que a gente a encontre pra você falar isso pessoalmente. Está
na hora de ir.
Nosso grupo se mobilizou e partiu em dois carros para encontrar a sra. Terwilliger
e as outras bruxas no parque estadual do Salton Sea. O céu estava coberto de nuvens
cinza, indicando um raro dia chuvoso de verão. Pelo menos umas vinte bruxas estavam
nos esperando.
— Me sinto meio mal — murmurei para a sra. Terwilliger, afastando-me dos
outros. — Envolvendo todas essas pessoas.
Ela ajeitou os óculos e sorriu para mim.
— Já te falei nos Ozark: esse é um problema de toda a comunidade mágica. Você
não tem por que se sentir mal. A culpa é de Alicia, não sua.
Suspirei.
— Tomara que ter esperado para vir tenha sido a decisão certa.
— Preferia ter vindo exausta magicamente, como ela queria? Não, Sydney. Você
estaria praticamente se entregando a ela. Mesmo se não a encontrarmos hoje, pelo menos
você teve a chance de descansar e se preparar para o que está por vir.
Assenti, achando melhor não contar que meus últimos dias com Adrian não
tinham sido nada relaxantes. Podia não estar exausta do ponto de vista mágico, mas sem
dúvida estava esgotada mentalmente. Torci para que isso não prejudicasse a caça a Alicia.
Todas as integrantes do clã que havia conhecido na minha iniciação estavam lá,
abandonando todos os seus planos a fim de rastrear Alicia. Maude, Trina, Alison e
outras cujos nomes tinha esquecido nos últimos meses. Igualmente surpreendente foi ver
integrantes de outros clãs também se juntarem a nós, confirmando a ideia insistente da
sra. Terwilliger de que aquele realmente era um problema de toda a comunidade mágica.
— Nós é que não iríamos deixar um problema desses nas mãos de uma novata
como você — Inez Garcia ironizou, vindo na minha direção quando me separei da sra.
Terwilliger. Inez devia ser o reforço mais surpreendente de todos. Ela era uma velha
bruxa venerável por seus poderes e sua recusa a entrar para qualquer clã. Tinha sido a
bruxa com quem a sra. Terwilliger fora conversar sobre a caixa de madeira. Seu humor
ácido também era famoso, mas até que tinha gostado de mim (na medida em que
conseguia gostar de alguém). Ao avistar Rose e Dimitri conversando perto de Trey, Inez bufou com um sorriso sarcástico. — Não é nenhuma surpresa você trazer dampiros. O
que aconteceu com aquele Moroi que estava com você da última vez? Aquele com o rosto
bonito?
— Ah, está ali — eu disse, corando de leve. — Eu, hum, casei com ele.
Inez arqueou a sobrancelha.
— Casou, foi? Sorte a sua.
Maude, uma das bruxas mais velhas do Stelle, chamou a atenção de todos. Nos
reunimos num grande círculo enquanto ela lançava um feitiço que criava um mapa em
miniatura do Salton Sea no chão. Por enquanto, o plano era simples, até porque não
sabíamos o que esperar. Juntando as recrutas mágicas da sra. Terwilliger e a “força bruta”
que tinha conseguido com Trey e os dampiros, estávamos em quase trinta pessoas. Nos
dividiríamos em grupos menores para investigar a maior parte possível da margem do
lago. Algumas partes eram mais fáceis de chegar do que outras, então o objetivo do dia
era dar uma olhada nas áreas públicas. Teoricamente, Alicia teria as mesmas limitações.
Os grupos foram divididos com base nas que tinham maior talento para detectar magia e
as que eram boas em lançar feitiços para detectar encantamentos ocultos. Os dampiros
foram distribuídos entre os grupos, para caso fosse necessário usar a força. A sra.
Terwilliger queria que eu e Adrian ficássemos com ela, e Eddie insistiu em continuar com
a gente também. Embora Jill fosse sua prioridade principal, ele ainda se sentia
responsável por nós.
Parecia que as previsões da sra. Terwilliger foram certeiras e que era bem provável
que Alicia tivesse abandonado o plano por eu não ter mordido a isca imediatamente. Se
ela havia deixado alguma armadilha mágica por ali, tinha feito um excelente trabalho
erradicando todos os vestígios. Nossos grupos de busca vasculharam todas as áreas
públicas possíveis, checando algumas delas duas vezes, sem encontrar nada. Não nos
deixamos abater. Fizemos uma pausa para o almoço e nos reencontramos para explorar
as regiões menos acessíveis. Chegar a essas áreas exigiu magia, especialmente feitiços de
invisibilidade, e, para isso, foi necessária muita coordenação. Com o passar da tarde,
porém, as buscas clandestinas se revelaram tão infrutíferas quanto as primeiras. Nem
sinal de Alicia ou de armadilhas mágicas.
Maude e a sra. Terwilliger agradeceram os outros clãs pela ajuda e os mandaram
voltar para casa para passar a noite.
— Eu e Maude vamos sair para arranjar alguns ingredientes de feitiços que podem
ser úteis — a sra. Terwilliger me falou. — Seria bom você fazer alguns feitiços de
proteção no lugar em que for ficar, só por segurança… a menos que queiram ficar na
minha casa.
Sorri com a oferta, pensando em Declan.
— As coisas estão um pouco complicadas agora. É melhor ficarmos na casa de
Clarence.
— Tudo bem — ela disse —, ainda mais com aqueles dampiros por lá. É bom que
você esteja com essa proteção extra para o caso de Alicia tentar alguma coisa inesperada.
Na verdade… Bom, tenho outra sugestão pra te ajudar. Queria que você passasse na casa
do Malachi no caminho de volta. Você lembra como chegar lá, não?
— Malachi Wolfe? — perguntei, como se ela pudesse estar se referindo a outro
Malachi.
— Sim — ela respondeu. — Já falei com ele. Vai te emprestar uma arma, só por precaução. Confio na sua magia, mas me sentiria melhor se você tivesse uma proteção
extra.
Não gostava da ideia de ter uma arma, mas a sra. Terwilliger tinha razão. Quando o
assunto era Alicia, não podíamos correr nenhum risco. Observei meus amigos reunidos
atrás de mim.
— Não tem necessidade de irmos todos; alguém precisa ir pra casa ver como sua
mãe está, Adrian. — Pude ver pelo rosto dele que entendeu perfeitamente o que quis
dizer: na verdade, era Declan que precisávamos ver.
— Bom, adoraria ver Wolfe, mas acho que é melhor você mesma falar com ele,
caso ele peça outro “teste de habilidade” antes de te emprestar uma arma — Adrian disse.
— Vou voltar pra casa pra ver minha mãe. Vocês… — Ele encarou os dampiros.
— Vou com Sydney — Eddie disse. — Quero finalmente conhecer esse cara. —
Ele tinha ficado mal com nossa falta de resultados hoje, então me surpreendi ao vê-lo
entusiasmado com alguma coisa.
Claro, Malachi Wolfe tinha se tornado uma lenda entre os meus amigos. A maioria
deles nunca o conhecera e só sabia das histórias que eu e Adrian contávamos sobre nosso
curso na Escola de Defesa Wolfe. Na verdade, ficou claro nos rostos de Trey e Neil que
eles queriam vir comigo e com Eddie, mas Trey precisava buscar Angeline e tinha vindo
para o Salton Sea no carro alugado de Neil. Rose e Dimitri voltariam com Adrian. Assim,
sobramos eu e Eddie. Depois de nos despedirmos dos nossos amigos, partimos para o
terreno de Malachi nos arredores de Palm Springs.
— Os chihuahuas são mesmo treinados para atacar? — ele perguntou.
Não consegui conter o sorriso.
— Segundo Wolfe, sim. Mas a gente nunca os viu em ação.
— Mal posso esperar para ver os nunchakus dele.
— Não toque neles de jeito nenhum — avisei. — Nem em arma nenhuma sem
permissão. Se ele aprovar você, pode deixar que pegue alguma emprestada também.
O bom humor de Eddie diminuiu um pouco.
— Odeio que você precise de uma arma emprestada. Odeio que a situação tenha
chegado nesse nível. — Ele suspirou, desconsolado. — Sei que a sra. Terwilliger avisou
que Alicia podia ter ido embora, mas estava torcendo muito, muito mesmo, para que
encontrássemos algum sinal dela hoje.
— Eu sei — eu disse, com tristeza. — Também estava. Mas se ela mudou os
planos, são grandes as chances de ter ficado descuidada. Só precisamos aproveitar isso e
acabar com ela antes que ela volte a agir.
— E cada dia que esperamos é mais um dia de sabe-se lá Deus o quê pra Jill.
O desespero na voz dele partiu meu coração.
— Eu sei — concordei com ele, triste. — Eu sei.
O complexo de Malachi era composto por uma série de edifícios de aspecto
industrial num grande terreno sem grama, bem longe da rodovia. Estacionamos na longa
estradinha de cascalho e vi parte do entusiasmo de Eddie retornar ao ver com os próprios
olhos cada fantasia sobre o excêntrico estilo de vida de Malachi se revelando. O sol estava
começando a tocar o horizonte, deixando tudo ainda mais assustador com o cair das
sombras. Não consegui conter um sorriso ao lembrar da primeira vez em que eu e
Adrian tínhamos ido até lá, sem saber se estávamos nos metendo num curso de defesa
pessoal ou num sequestro.
Bati na porta da casa e não fiquei surpresa ao ouvir os passinhos frenéticos dos
chihuahuas, seguidos por uma cacofonia de ganidos agitados.
— Nossa, cara — Eddie exclamou. — É mesmo uma matilha inteira. — Já tinha
visto Eddie enfrentar o ataque de um Strigoi sem pestanejar, mas ele deu um passo
apreensivo para trás ao som do avanço canino.
Sorri e virei para a porta, esperando que o próprio Malachi Wolfe atendesse.
Mesmo que ligeiramente instável e nada convencional, Wolfe tinha se tornado um bom
amigo para mim e Adrian. E mais do que um amigo para a sra. Terwilliger. Essa última
parte ainda me causava estranheza, mas, depois de tudo que eu e Adrian havíamos
passado, estava mais do que convencida de que todo mundo precisava de alguém para
amar, inclusive feiticeiras desmioladas e instrutores de defesa pessoal com tapa-olho.
Como ninguém atendeu, bati de novo. Isso fez os cachorros latirem ainda mais alto,
mas Wolfe não apareceu.
— Que estranho — eu disse.
— Você não mandou mensagem pra ele antes de sairmos? — Eddie perguntou.
— A sra. Terwilliger mandou — respondi. Dei uma olhada nos outros edifícios,
procurando algum movimento. — Ele falou que tinha algumas armas em mente pra mim.
Talvez esteja indo pegar. — Voltei para a trilha e fui em direção ao lugar onde sabia que
Wolfe guardava suas armas. — Espero que ele não tente me dar aquela zarabatana de
novo.
O rosto de Eddie se iluminou enquanto me seguia pelo terreno arenoso.
— Zarabatana? Você jura que…
Sua frase foi interrompida quando a caixa de correio explodiu de repente ao nosso
lado. Sem perder tempo, Eddie me jogou no chão e descemos rolando para longe de onde
o calor e as chamas estavam mais fortes. O cascalho e o solo duro arranharam minha
pele, mas era definitivamente melhor do que ser queimada. Eddie se manteve numa
posição protetora sobre mim enquanto erguíamos a cabeça com cuidado para observar ao
redor, vendo os destroços da caixa em chamas.
— O que foi isso? — ele perguntou.
Outra explosão estourou o chão ao nosso lado. Não houve nenhuma chama dessa
vez, mas as rochas que saíram voando eram piores que os estilhaços, e soltei um grito
quando uma especialmente afiada acertou meu braço. Apontei para a construção mais
próxima.
— Lá!
Antes que ele pudesse me deter, corri na direção da garagem, lançando um feitiço
de força invisível que quebrou uma janela. Um alarme estridente disparou. Não era
nenhuma surpresa Wolfe ter instalado alarmes na sua escola. A questão era se a paranoia
dele se estenderia a ter esse sistema de alarmes monitorado pela polícia ou não.
Eddie me seguiu e entramos no galpão que servia como área de treinamento para o
curso de defesa pessoal. O lugar era amplo e aberto, forrado com espelhos e estojos de
armas. Observei o salão, procurando o local mais seguro. Enquanto isso, Eddie correu
diretamente para um dos estojos. Depois de ficar em dúvida entre uma boleadeira e um
soco-inglês, escolheu a boleadeira, girando-a de um lado para o outro com facilidade
enquanto recuava com cautela e ficava de olho na janela que havíamos quebrado. Fiz meu
feitiço predileto, invocando uma bola de fogo na palma da mão.
— É Alicia? — Eddie gritou para ser ouvido sobre o alarme.
— Acho que sim — respondi. Tinha sentido uma magia humana nas explosões e,
a menos que houvesse outra bruxa atrás de mim, Alicia parecia a escolha óbvia. Com a
mão livre, consegui mandar uma mensagem para o contato mais recente no meu celular:
sra. Terwilliger. Só consegui escrever uma mensagem curta e torci para que transmitisse a
gravidade da situação: socorro.
Devia ter imaginado que Alicia não se contentaria com a abertura que fizemos na
janela. De repente, a porta principal explodiu numa chuva de faíscas e madeira. Uma
silhueta surgiu no batente e, antes de confirmar sua identidade, lancei a bola de fogo. O
vulto ergueu a mão e a bola se desfez numa barreira invisível. Quando passou pela porta,
a silhueta avançou e, finalmente, fiquei cara a cara com Alicia. Ela me abriu um sorriso
frio.
— Oi, Sydney. Bom ver você de novo. Surpresa por me encontrar viva?
Invoquei outra bola de fogo.
— Nunca tive a intenção de matar você. — Até eu sabia quão pouco convincente
isso soava, considerando tudo que tinha feito com ela. Alicia soltou uma risada dura.
— Jura? Então por que me atacou com cacos afiados e me deixou numa casa em
chamas?
Antes que pudesse responder, Eddie avançou contra ela, girando a boleadeira no ar.
Com um rápido movimento do punho, ela fez uma parede de espelhos se estilhaçar atrás
dele. Percebi o que iria acontecer, mas não fui rápida o bastante para desfazer minha bola
de fogo e criar um bom escudo para Eddie. Desviei parte do dano, mas alguns dos cacos
o atingiram, especialmente no braço. Vi uma expressão de dor perpassar rapidamente seu
rosto, mas isso não conteve seu avanço. Alicia quebrou outro espelho e, dessa vez, eu
tinha projetado o escudo a tempo para protegê-lo. Ele lançou a boleadeira, mas, apesar da
mira perfeita e da alta velocidade, ela se antecipou e explodiu a arma com uma onda de
força invisível.
— Onde está Jill? — gritei para ela.
Alicia abriu um sorriso cruel.
— Você adoraria saber, né?
Eddie pegou um caco de vidro quebrado e foi correndo na direção dela,
empunhando-o como uma faca.
— Juro que se você tiver machucado Jill…
— Ah, por favor. Até parece que perderia meu tempo machucando aquela menina.
— Alicia tirou uma pitada de pó do bolso, atirando-a contra Eddie e gritando um feitiço
que eu não conhecia. Não consegui interceptar e a magia se apoderou de Eddie. De
repente, ele ficou paralisado, no meio do passo, segurando o caco de vidro
ameaçadoramente na mão.
— O que você fez com ele? — gritei.
— Relaxa, Sydney — Alicia disse. — Ele está vivo. Assim como sua amiga Moroi…
por enquanto.
— Onde ela está? — exclamei.
Alicia riu.
— Sinto muito, Sydney. Você nunca mais vai ver sua amiga. Ela vai sofrer ouvindo
mais alguns salmos… Já você? Você só vai sofrer.
O chão aos meus pés tremeu. Cambaleei e caí de joelhos, mas consegui lançar uma
bola de fogo contra Alicia antes de perder completamente o equilíbrio. Minha mira foi certeira, mas ela ergueu as mãos para lançar o que imaginei ser outro feitiço de proteção.
O encantamento que ela falou era em grego, outro que também nunca tinha ouvido. A
bola de fogo atingiu uma barreira invisível, mas, em vez de se apagar, as chamas rebateram
e voltaram na minha direção. Gritei e consegui sair do caminho a tempo. Fui poupada,
mas a bola de fogo atingiu um armário, tragando-o em chamas. O fogo se espalhou
rápido, me levando a especular que tipo de verniz Wolfe tinha usado. O alarme
finalmente parou de tocar.
— Feitiço de espelhamento — Alicia disse, sorridente. — Muito útil. Tome
cuidado com o que você lançar.
Falou como uma provocação, mas havia uma verdade naquilo que me fez hesitar
antes de planejar minha próxima ação. Demorei demais, pois ela logo lançou o mesmo
feitiço que havia congelado Eddie. Era complexo demais para que o imitasse, mas
consegui desviar e bloquear. Então, optei por um tipo diferente de congelamento, mais
literal, enviando uma onda de gelo na direção dela. Não era tão devastadora quanto uma
bola de fogo, mas não aumentaria o incêndio que se espalhava. Alicia respondeu com o
feitiço de reflexão, enviando o gelo de volta para mim. Desviei e o gelo caiu numa parte da
sala em chamas atrás de mim. Em vez de reduzir o fogo, porém, ele apenas tornou a
fumaça mais densa.
— Você deve estar ficando cansada — ela provocou.
Ela estava certa. Ainda tinha muita magia em mim, mas esse combate ativo era
desgastante. As palavras da sra. Terwilliger me voltaram à mente: Alicia está seguindo a velha
tática de esgotar o inimigo primeiro. Era isso que Alicia estava fazendo: tentando me esgotar
com magia para poder lançar um feitiço que acabaria de vez comigo. Com as vidas e
poder que ela havia roubado, essa batalha não a cansaria tão rápido.
— Alicia, não precisamos lutar — eu disse. — Por favor. Vamos parar com isso e
sair daqui antes que este lugar pegue fogo por completo. Me conte onde Jill está, solte
Eddie e podemos seguir nosso caminho.
— Parar com isso? Depois que você tentou me matar?
— Eu só…
Sem se importar se agravaria as chamas, Alicia lançou outra bola de fogo na minha
direção. Fiquei tentada a arriscar o feitiço de reflexão e mandar a bola de volta para ela,
mas temi acertar Eddie por engano.
— Você é uma ameaça grande demais, Sydney — ela disse enquanto eu neutralizava
a bola de fogo com um feitiço de água. — Não posso permitir que você simplesmente vá
embora. Vou deixar esse lugar pegar fogo ao seu redor, assim como você me deixou para
queimar naquela casa.
O chão tremeu aos meus pés novamente, e caí mais uma vez. Ela começou a recitar
um feitiço complexo, que reconheci ser o início daquele que paralisara Eddie. Este era o
plano dela: me transformar numa estátua viva e me abandonar num prédio em chamas,
mais ou menos como eu tinha feito com ela. Com dificuldade, me levantei desesperada,
tentando sair do caminho do feitiço. Enquanto ela terminava de falar, vi algo inacreditável:
Malachi Wolfe no batente da porta da sala em chamas. Seu tapa-olho estava no olho
direito (mudava de um dia para o outro) e havia pedaços de corda em volta dos seus
punhos e tornozelos, como se tivesse sido amarrado.
Não era capaz de copiar o feitiço de estátua, mas tinha ouvido o feitiço de
espelhamento vezes suficientes para me sentir confiante. Falei as palavras e senti a magia me envolver. Os olhos de Alicia se arregalaram surpresos enquanto ela tentava sair da
frente do feitiço. O que ela não tinha visto, porém, era a matilha de chihuahuas correndo
para dentro da sala junto com Wolfe. Depois de apontar para Alicia e dar um comando
aos cachorros, eles se aglomeraram em volta dela, fazendo-a tropeçar e impedindo-a de
desviar a tempo. O feitiço de estátua a atingiu e, de repente, ela ficou tão paralisada quanto
Eddie, mas com uma aparência muito menos graciosa. Ele parecia um nobre guerreiro
prestes a atacar. Ela, no meio do tombo, encarava incrédula a matilha de chihuahuas que
latiam ao seu redor.
— Teria chegado aqui antes — Wolfe resmungou, chamando a matilha com um
gesto rápido —, mas essa filha da mãe me amarrou. Precisei esperar os cachorros
mastigarem as cordas.
— Rápido! — falei, correndo na direção de Eddie. — Me ajuda a tirá-lo daqui. —
Tossi com a fumaça densa e encarei Alicia de relance, cujo rosto delicado estava
paralisado num grito de desespero. — Me ajuda a tirar os dois daqui.
Eu e Wolfe conseguimos retirar os corpos paralisados antes que o prédio
desmoronasse. Levamos os dois até a casa dele enquanto os bombeiros chegavam,
seguidos quase imediatamente por Adrian, Trey, a sra. Terwilliger e algumas outras
bruxas. Adrian me abraçou apertado.
— Você está bem? — ele perguntou. — Quando Jackie me ligou, não sabia o que
esperar.
Pousei a mão em seu peito, tranquilizada pelo seu toque.
— Sim. Tive sorte. Muita sorte. Mas Eddie…
Uma das bruxas de um clã que não conhecia tirou da bolsa umas flores secas que
espalhou sobre Eddie enquanto entoava um feitiço em latim. Um instante depois, Eddie
ganhou vida novamente, ainda no meio do passo. Ele cambaleou, observando ao redor
surpreso por não estar onde esperava. Eu e Adrian o deixamos ainda mais espantado
quando demos um abraço coletivo nele.
— Vocês vão ter que descongelar Alicia também — eu disse, com pesar. —
Precisamos encontrar Jill.
A sra. Terwilliger franziu a testa.
— É uma pena. Esse é um jeito muito bom de lidar com ela. Você não conseguiu
arrancar nenhuma pista dela sobre a localização de Jill?
Balancei a cabeça e soltei Eddie.
— Não. Ela admitiu que Jill estava viva “por enquanto”, mas não explicou. —
Fiquei lembrando, tentando repetir todas as palavras em meio ao caos. Embora tivesse
sido bom ouvir a confirmação de Alicia de que Jill estava viva, já sabíamos disso através
dos nossos feitiços. Não foi tão útil quanto eu esperava. — E ela falou alguma coisa sobre
Jill ouvir salmos.
Para a sra. Terwilliger, isso fez tão pouco sentido quanto para mim, e ela soltou um
grande suspiro, trocando olhares com outras bruxas. Elas também não pareciam
empolgadas com a ideia de soltar Alicia.
— Bom, quando os bombeiros terminarem, vamos criar um círculo de segurança e
libertá-la para conseguir algumas respostas.
Trey, que vinha se mantendo à margem do círculo, limpou a garganta antes de
dizer:
— Talvez não seja necessário. Acho que sei onde ela está… ou, pelo menos, com quem está ,--- Todos os olhos se voltaram para ele em choque, mas eles nao vacilou---Acho que os guerreiros da luz estao com ela.

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