CAPÍTULO 4: UM LUGAR PARA SE ESCONDER

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O pai de Regina e Erick sempre fora um homem muito ocupado. Almejando priorizar a qualidade de vida da família, tornou-se ausente na adolescência da filha mais velha. Regina amava-o, porém, um ressentimento alimentava seu íntimo desde que ele deixara a cidade. Erick, entretanto, era mais próximo, e o apoiou quando ele deixou São Paulo para não perder a grande oportunidade.

Admirada, Regina soubera pelo pai que no Rio de Janeiro o caos não havia se generalizado. Ainda era possível encontrar abrigos e hospitais funcionando, e muitos de outros Estados estavam se refugiando por lá. A pior parte fora quando Regina, à beira das lágrimas, disse ao pai o destino cruel que sua mãe recebera.

À medida que a noite se aproximava lentamente, uma garoa gélida e monótona banhava a cidade, e uma vez ou outra podia-se ouvir pelas janelas gritos e grunhidos macabros.

Victor, ansioso por notícias, cutucava o pequeno rádio de pilhas sobre o colo, recebendo em troca somente chiados oscilantes. Gustavo cozinhava batatas e cenouras em uma panela enquanto Regina acendia algumas velas sobre pratinhos de porcelana na mesa de jantar. A energia foi-se logo quando a noite atingiu seu auge, deixando todos em constante alerta. Mesas e cadeiras travavam a porta, impedindo que infectados, andando a esmo pelo prédio, pudessem invadir o abrigo.

- Quero dizer, vocês são do exército. Eles não estão fazendo nada para resolver toda essa merda? - Victor indagou após encher seu prato de batatas, cenouras, frango e arroz cozido.

- Perdi contato com todos meus colegas de lá - respondeu Regina, Gustavo suspirou.

- Se pudessem fazer alguma coisa, já estariam pelas ruas acabando com essa bagunça - Theodoro resmungou após bebericar um pouco do suco de acerola.

- Se formos até lá, pode ser que... - sugeriu Regina, mas Gustavo interrompeu.

- Não!

Regina e Erick contemplaram o homem robusto: Gustavo usava uma blusa de lã, devidamente limpa. Seus músculos dando volume no tecido.

- Por que não? - Regina questionou.

- Caramba! - Gustavo largou o garfo e olhou a noiva. - Você está grávida, não?

- Desde quando isso é algum problema?

- No momento, só precisamos de um lugar para nos esconder.

- Que quer dizer? - Erick perguntou, desconfiado.

- Vamos ficar por aqui, porra - respondeu Gustavo, admirando toda a sala. - Temos comida, água, segurança e conforto!

- Mas até quando, Gustavo? - Regina disse. - Você não ouviu o que meu pai disse? As coisas no Rio de Janeiro estão menos piores. É para lá que devemos ir!

- Ir para o Rio? - desdenhou Gustavo. - Sabe quanto tempo vamos levar para chegar nessas condições? Há dezenas de carros empilhados pelas estradas, provavelmente infectados e bandidos soltos por todos os lados...

- Então sua ideia brilhante é ficar por aqui até tudo acabar? - Erick interveio.

Gustavo não respondeu, e o jantar terminou somente com o som fúnebre dos tilintares dos talheres. Conforme os dias iam se passando, Regina e todos os outros presenciavam os mantimentos acabando aos poucos. Victor, ainda esperançoso, ouvia todos os dias o rádio em busca de notícias, mas nenhum resultado era obtido. Em uma noite fria e sombria, Regina observou dois homens com pedaços de ferro nas mãos correndo pela calçada, fugindo de um grupo de infectados. A situação só piorava... absorta, ela encheu uma taça de conhaque e bebeu, ainda admirando a cidade abandonada e sombria pela janela.

- Você não devia fazer isso - retrucou Erick quando deteve-se ao seu lado.

- Ah, um pouco não fará mal ao bebê, tenho certeza.

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