CAPÍTULO 12: A OBSESSÃO DE CLARICE

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         A mulher de cabelos longos e negros ajeitou alguns papéis em uma maleta sobre a cama e fechou. Pegou seu celular e identificou três chamadas perdidas.

Clarice Belikov era uma linda mulher de trinta e quatro anos. Nascida na Rússia, mudou-se para o Brasil quando ainda era uma simples adolescente. Seus olhos, incrivelmente azuis, transbordavam um mistério único. Seu corpo curvilíneo esbanjava-se através de um elegante vestido azul. Ela passou por um longo e estreito corredor iluminado após deixar o quarto, em sua mão direita jazia a maleta preta, e na outra o celular. Passou por meia dúzia de portas até deter-se à frente de uma enorme porta de metal. Quando a sala se abriu, um homem de jaleco olhou-a.

– Srta. Belikov, que bom vê-la por aqui – balbuciou o homem de cabelos grisalhos.

– Como andam as coisas? Algum resultado? – Clarice não retribuiu a gentileza, entrou no enorme salão gelado e observou os outros homens que aparentemente trabalhavam arduamente em alguma coisa.

– Nada muito positivo, devo-lhe dizer – respondeu o sujeito.

Clarice não lhe deu atenção. Pôs a maleta sobre uma mesa e abriu-a após digitar uma senha de três dígitos. Um homem aparentemente de origem indígena estampava-se em uma fotografia. "Infectado Número Um" estava escrito à caneta no canto da folha. Em seguida, Clarice retirou uma segunda fotografia, onde uma garota de cabelos cacheados sorria, e ali havia escrito "Infectado Número Dois".

O telefone novamente tocou, tirando Clarice de suas conjecturas. Com muita má vontade, ela atendeu a ligação:

– Que você quer?

– Estou no Rio de Janeiro – a voz do outro lado respondeu.

– Ótimo, preciso de você por aqui. Espero que faça como deve ser feito dessa vez!

– Eu... logo estou por aí.

Em seguida, a ligação chegou ao fim. Clarice suspirou, observou mais uma vez as fotografias.

Um dos homens de jaleco e máscara analisava um cadáver aberto em uma mesa, observando cuidadosamente os mínimos detalhes do corpo. Clarice se aproximou e olhou, impassível.

– Outro infectado que não resistiu? – indagou a mulher.

O homem assentiu. Clarice deixou a sala em seguida, ignorando o grupo de homens que permaneciam focado em seus afazeres. Voltou para seu quarto, em um canto isolado do último andar. Algo estranho arrastava-se em um cômodo escuro, tentando se aproximar, um grunhido sufocado e sinistro ressoava no silêncio.

– Vai ficar tudo bem, eu sei – sussurrou Clarice enquanto ajeitava seus cabelos à frente de um espelho redondo.

O local não tinha janelas, e meia dúzia de quadros sinistros nas paredes davam um ar macabro e deprimente ao cômodo. Clarice acendeu a luz de um abafado cubículo ao fim do corredor, e sorriu ao ver um pequeno garoto magricelo de cabelos ensebados e olhos fundos.

Era um menino de aproximadamente onze anos, estava pálido, e sua blusa de lã completamente encardida. Em seu pescoço, uma corda enlaçada lhe impedia de se aproximar. Porém, ele lutava para chegar até a mulher, estendendo o braço e soltando um grunhido de agonia. A corda dava um nó em um cano, e aquilo parecia o suficiente para segurá-lo.

– Bom garoto – sorriu Clarice. – Comportou-se enquanto estive fora?

O menino estava com um péssimo cheiro, algo como restos de fezes, urina e vômito. Suas unhas jaziam completamente sujas, e os lábios pareciam secos e sem vida.

– Está com fome, Carlos?

Clarice foi até um frigobar ao lado da cama e pegou um prato de fígado cru. Levou para o menino e entregou, mas Carlos parecia dominado pela fúria, e por pouco não mordeu a mão da mulher.

– Enlouqueceu? – Clarice lhe golpeou com um violento tapa, e o menino ruiu ao chão como um saco de carne. – Como pode? Depois de tudo que eu fiz...

Os olhos de Clarice encheram-se de lágrimas, Carlos, entre cambaleios, se levantou como se nada tivesse acontecido.

– Me desculpe, querido...

Carlos não se importou com as lamúrias da mãe, pegou o fígado cru do chão e devorou-o como um animal selvagem e faminto. Clarice se sentou, observando o filho enquanto se lembrava do dia em que o pequeno havia sido infectado por um cão em um longínquo lugar da Venezuela. Ela e o marido estavam trabalhando em um projeto no país quando o pequeno Carlos foi acometido por uma mordida feroz. Ele fora vacinado no mesmo dia, mas não conseguira escapar...

Na maioria dos casos, a raiva matava em poucos dias, porém, com Carlos foi diferente. Ele tornou-se desorientado, completamente violento e faminto, com seus sinais vitais funcionando quase que normalmente. Clarice ouviu de meia dúzia de especialistas que o vírus sofrera uma mutação complexa no organismo do menino, e isso seria algo extremamente perigoso. Alguns ainda tentaram convence-la de acionar a saúde pública, mas ela não deu ouvidos, sua prioridade era salvar seu único filho, encontrar a cura...

Quando o celular novamente tocou após deixar o cubículo, ela atendeu:

– Já estou aqui, preciso que me deixe entrar. Mudaram a senha... – disse uma voz do outro lado.

Clarice desligou, seguiu para fora do quarto e rumou para um elevador. Pressionou um botão com uma seta para o alto, e uma luz verde acendeu. Quando a porta se abriu, um outro longo e estreito corredor exibiu-se à sua frente. Ela continuou andando...

Após quase dois minutos, abriu-se para os lados um amplo salão com uma única porta. Clarice digitou a senha em um painel com números e esperou que o portal se abrisse verticalmente, expondo a luz da lua sombreada por dezenas de árvores sinuosas. Não muito longe, sinalando o horizonte, um carro preto misterioso jazia escondido entre as sombras.

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