CAPÍTULO 1: ERICK

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         Erick cutucava o ouvido com a tampa da caneta enquanto o professor de Biologia, com os enormes óculos redondos cintilando à luz do dia, escrevia no quadro a matéria da próxima prova. O garoto de apenas dezessete anos virou-se para a janela, admirando a esmo a paisagem urbana. Curioso, observou dois homens engravatados papeando em tom de urgência ao contornar uma esquina movimentada.

– Ei, Erick – sussurrou uma voz logo atrás. – Ei, você está anotando?

Erick voltou a si, lembrando-se que o prof. Theodoro ainda permanecia na sala. Na cadeira de trás estava Victor, seu melhor amigo desde os seis anos.

– Não, você está?

– Ta ficando maluco? – Victor sussurrou. – Sabe que a matéria vai cair na prova, não é?

Erick se virou para trás e sorriu.

– Então você está copiando, certo?

Victor Oliveira era magro e moreno, com os cabelos lisos e bagunçados. Diferente de Erick, o rapaz tinha o livro de Biologia sobre a mesa, aberto em uma página qualquer.

– Caramba, eu sempre pego a matéria de você. Por que seria diferente agora? – perguntou Victor, perplexo. – Você não quer repetir o ano, quer?

– Não se preocupe, Victor – sussurrou Erick. – Depois pego o caderno de Eliza.

Victor, aparentemente aliviado, debruçou-se mais para frente, analisando o amigo com desconfiança. Entrementes, o prof. Theodoro repassava mais uma vez a matéria após um aluno indagar sobre o capitulo quinze do livro.

– Que você tem? – Victor perguntou. – Me parece mais distraído do que o normal.

Erick ajeitou-se na cadeira, agradecendo por ter um aluno absurdamente grande e gordo na sua frente, olhou o amigo e sussurrou:

– Não está achando as coisas diferentes?

Victor franziu o cenho, ainda mais perplexo.

– Como assim?

– Hoje mais cedo vi minha mãe ligando para o meu pai – principiou Erick. – Ela me parecia extremamente preocupada com alguma coisa. Depois disso, senti um clima esquisito quando saí de casa...

– Mesmo? – Victor endireitou-se, pensativo. Coçou o queixo e suspirou. – Pensando bem, as pessoas na rua me parecem esquisitas.

Antes que Erick pudesse questionar, a aula chegara ao fim com o som estridente do sinal. Todos levantaram-se sem hesitar, animados para o final de semana que estava mais próximo do que antes.

Erick e Victor papeavam enquanto seguiam rumo a suas casas, o assunto mudou quando, desesperados, se lembraram que na próxima segunda-feira iria se iniciar as provas. O amigo de Erick ficou pelo caminho, detendo-se em um prédio malcuidado, de muros altos e um canteiro de flores secas.

Erick Monteiro morava em São Paulo desde os quatro anos, quando seus pais decidiram deixar o Rio de Janeiro e tentar uma nova vida em um outro lugar após uma terrível tragédia familiar. Porém, quando completou quinze anos, seu pai recebeu uma proposta de trabalho irrecusável em Niterói, um município vizinho da Cidade Maravilhosa. A família fora pega de surpresa, mas a mudança seria impossível, já que sua mãe tinha um excelente emprego onde viviam. Por fim, seu pai aceitou o trabalho e se mudou, visitando a família duas vezes por mês quando possível.

Ele subiu os últimos degraus e deteve-se na porta de casa, pegou a chave na mochila e abriu-a. Quando entrou em casa, foi recebido por sua mãe pondo a mesa do almoço, uma mulher baixa, de cabelos cacheados e loiros.

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