VISITA INESPERADA

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Cambridge, Inglaterra

A noite era fria e o vento sibilava ao passar por entre as paredes da mansão. Criados andavam silenciosamente pelos corredores e guardas os assistiam com olhos sedentos, mas se mantinham em seus postos. A localização dessa mansão era conhecida por poucos, tendo em vista a densa vegetação que a circulava e o ar sombrio que a goticidade da construção exalava, a tornando completamente aterrorizante.

Mas os seus habitantes eram a real preocupação de qualquer um que se atrevesse à pisar naquelas terras.

No andar superior, um homem pálido e ruivo que aparentava ter pouco mais de quarenta anos e parecia possuir uma carranca incessante, estava sentado à mesa de seu escritório. Uma taça de um líquido carmesin balançava entre seus dedos enquanto ele parecia analisar alguns documentos prostrados à mesa, não parecendo gostar do que via. Logo as grandes portas de mogno de sua sala se abriram, revelando um homem magricela e de olhos fundos, tão pálido quanto uma folha de papel e com uma expressão aterrorizada no rosto. — Meu lorde, péssimas notícias!

— O que foi, Baltazar? — o vampiro perguntou em um tom levemente irritado sem levantar o olhar dos documentos — Estou ocupado.

— Mas senhor, é sobre sua filha!

O lorde imediatamente levantou o olhar, sua carranca se intensificando — Algo de errado com minha preciosa Scarlett?

— Uhm... — o servo vacilou perante o olhar fulminante de seu lorde. Engolindo em seco, ele prosseguiu — P-parece que ela resolveu brincar com um humano durante suas férias no Brasil... e... — o lorde franziu, deixando Baltazar ainda mais nervoso. Por que ele era o encarregado de dar as notícias? — E-era um caçador da Liga Mortal.

A taça entre seus dedos se estilhaçou e o lorde se levantou — O QUÊ?! — ele vociferou, fazendo Baltazar se encolher — Está me dizendo que aquela criança tola resolveu brincar com a mais preocupante escória de caçadores da face da terra? Onde ela está?!

— E-esse é o problema, meu lorde... — Baltazar gaguejou — Ela está morta.

O vampiro se aquietou por um segundo, sua expressando indo de furiosa à chocada enquanto ele se deixou cair na cadeira — O que?

— Ela tinha predado dois humanos e... enquanto se alimentava de um, ele a pegou... — O servo explicou nervosamente — Seis balas de orvalho branco no peito, a incineração foi imediata.

Silêncio se instalou na sala. Baltazar suava frio enquanto observava seu lorde, que no momento possuía um olhar vago e uma expressão indiscernível. Alguns momentos se passaram até que o lorde vampiro finalmente se pronunciou — Eu quero o nome do maldito e da vítima que sobreviveu, e a localização do quartel general dessa Liga no Brasil. E chame Alexi, eu preciso que os outros lordes sejam acionados. — Baltazar assentiu, mas permaneceu onde estava. Seu olhar trêmulo ainda encarando seu lorde — O que é? Já tem suas ordens, suma da minha frente!

O servo magricela se encolheu ainda mais perante o tom áspero — S-sim, lorde Godric. Imediatamente!

O homenzinho logo saiu e fechou as portas, deixando Lorde Godric sozinho em sua sala. O vampiro ancião ficou imóvel por alguns segundos até se levantar subitamente e, em um ataque de fúria, agarrou sua mesa e a lançou contra parede. O barulho estrondoso de madeira se partindo ecoou por toda a sala quando a madeira cedeu e se partiu com o impacto, caindo ao chão e deixando uma bagunça de madeira e papéis.

Godric arfava furiosamente e seu corpo inteiro tremia com ódio. Sua pequena Scarlett, seu mais amado tesouro... morta por um maldito verme.

Ele se vingaria. Descobriria o nome do homem que tirou a vida de sua princesa e destruíria tudo o que lhe é mais sagrado, só pra então torturá-lo até a morte. Ninguém cruza com os poderosos Maquiavelli e vive para contar a história.

Ele se moveu na direção dos restos de sua mesa e pegou uma das folhas agora espalhadas pelo chão. Se tratavam do recente acordo que o submundo tinha feito com os humanos; tinham lhe mandado os papéis solicitando a sua assinatura e cooperação com a proposta de paz. Amassou o papel entre os dedos.

— Vocês vão pagar, — rosnou, amassando o papel por completo — todos vocês, malditos vermes.

Duas semanas tinham se passado desde àquela noite. Quatorze dias em que Lucas não se sentia bem na própria pele.

Depois que ele acordou no hospital e recebeu a devastadora notícia, ele entrou em negação. Na primeira semana chorava todos os dias; mal comia ou dormia. Seus pais estavam desesperados e nem mesmo suas melhores amigas conseguiram ajudar, até que no começo da semana ele simplesmente parou. Quando seus pais perguntaram, ele apenas dizia que estava tudo bem, dava um sorriso breve e então se virava para dormir. Dona Carmen e o senhor Otto apenas trocavam olhares preocupados, não sabendo o quê aquela súbita mudança significava, mas depois de uma semana finalmente voltando a se alimentar e a falar, Lucas finalmente teve alta do hospital.

Seus pais insistiram para que ele fosse passar um tempo na casa deles, mas ele negou. Insistiu que estava tudo bem e que ele só precisava de um tempo pra assimilar tudo. Muito relutantemente, seus pais respeitaram a sua decisão e o levaram para o seu apartamento. Depois de passar o dia com ele, foram embora depois de Lucas os assegurar que estava tudo bem.

Exceto que assim que eles foram embora, ele desabou por completo.

Deitou em sua cama, e ali ficou até a manhã do dia seguinte. Passara a noite chorando mais uma vez, caindo no sono por exaustão algumas vezes apenas para acordar e ser relembrado da realidade. Se não fosse o fato de que ele era uma pessoa que honra seus compromissos, ele nem se atreveria a sair da cama naquela manhã de segunda. Ou na manhã de qualquer dia.

Mas ele tinha seus pacientes pra cuidar, e além de tudo, não queria preocupar ainda mais seus pais. Reuniu todas as forças que lhe restavam — que não eram muitas — e se arrastou para o chuveiro. Depois de uma longa ducha, se preparou e partiu para mais um dia de trabalho.

Deu o seu melhor para não transparecer a sua tristeza. As pessoas — inclusive seus pacientes — perguntavam se ele estava bem, se era a hora certa de retornar à clínica, mas Lucas apenas sorria e assentia, deixando claro que ele estava ali pra escutar... e não desabafar. Mas a realidade, era que ele estava destruído por dentro.

Ele ainda não compreendia o que tinha acontecido de fato naquela noite. Ele sabia que algo tinha os atacado, mas o quê ainda o deixava confuso. Os ferimentos de Wellinton não faziam sentido algum, e a polícia decidiu arquivar o caso, alegando que tinha sido um ataque de um animal selvagem. Lucas ficou completamente estarrecido. Ele perdera a pessoa mais importante de sua vida, e a única coisa que as autoridades fazem é empurrar o caso pra debaixo do tapete como se não fosse grande coisa. Se não fosse pelo fato de que ele não tinha cabeça pra lidar com esse tipo de coisa no momento, ele realmente iria virar um problema a para a polícia federal.

Batidas na porta de seu consultório interromperam seus devaneios. Ele franziu e verificou o relógio da parede, que marcava 18:12. Gabi não lhe informara de um paciente após as seis — ela na verdade já tinha deixado o consultório, seu namorado tinha passado ás seis em ponto para buscá-la — então quem estaria batendo em sua porta? Teria ela esquecido algo?

As batidas ficaram insistentes e repetidas, o que deixou Lucas alarmado. Incerto do que fazer, ele engoliu em seco e decidiu que enfrentar a situação era a opção mais lógica. Deu passos inseguros até a porta e avistou de canto de olho um taco de beiseball que um de seus pacientes mais jovens tinham esquecido em seu consultório. Na pior das hipóteses... eu tenho como me defender. Tentou se reconfortar, mas enquanto sua mão girava a maçaneta, sentia o suor frio escorrer pelo seu rosto.

Mas claro que um par de intensos olhos castanhos e um sorriso estonteante não era bem o que ele estava esperando encontrar do outro lado da porta.

— Olá doutor, tem horário disponível?

Mas que merda...?

Guardião por DestinoWhere stories live. Discover now