16. Velha Bruxa

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2017

No dia seguinte tudo pareceu bem melhor, eu estava mais recuperada, mais calma e Vênus, junto a mim, decidiu que seria uma boa ideia procurar a forma espectral de Charlie. Queríamos esclarecer minha visão do dia anterior. Vênus estava encucada, apoiava a cabeça na mão amassando e deformando a bochecha temporariamente.

— Você me disse uma vez, — Começou levantando a cabeça.  — Que os fantasmas não aparecem durante o dia. — Ela concluiu se levantando da cadeira em que estava sentada em meu quarto. — Nunca. — reforçou fazendo um gesto firme com o dedo indicador. — Talvez... — ela me observou cautelosa e deu alguns passos em minha direção, eu estava na cama, sentada e abraçada a minhas pernas. — Você tenha tido uma alucinação. — eu neguei com a cabeça. Não podia ser.

Relaxei os braços e a encarei por alguns instantes, ela achava que eu estava ficando louca. Era verdade e um tempo depois eu iria descobrir que aquele era só o início do que estava por vir.

— Mas o que eu vi tinha ar de fantasma.  — disse a ela meio incerta. — Mas..

Ela me encarou com uma das sobrancelhas erguidas. A agonia do ser humano é enlouquecedora, ela sempre vem acompanhada da curiosidade, e mas incompletos como o meu deixavam uma angústia inebriante dentro de si.

— Mas o que ? — ela disse se sentando na cama e socando a coxa.

Eu estiquei as pernas e mudei de posição, indo deitar em seu colo. Ela acariciou meu rosto e eu a encarei sem nenhuma expressão.

— Ele mão era um fantasma. — constatei meio triste. — Foi uma alucinação.

Ela sorriu para mim de forma confortadora.

— Você o amava não é ? — ela perguntou ainda sorrindo.

Eu apenas assenti, ela ainda acariciava meu rosto e seu sorriso de certa form me aquecia por dentro e de alguma forma ainda desconhecida reavivava minha vontade de viver. ainda havia aquela dor dilacerante, eu ainda me sentia mau, mas naquele momento parecia haver uma esperança. Uma pequena esperança, minúscula como um pontinho quase impossível de ser visto, existência essa que era quase improvável. Todavia ela estava ali, mesmo que pequena, mesmo que fraca e ignota.  

— E se a gente fosse procurar o fantasma dele ? — sugeriu seria.

Eu a olhei como se aquela sugestão fosse completamente absurda. Eu lembrava muito bem o que tinha acontecido quando eu tentei procurá-lo. Lembrava de ter apagado dentro do cemitério.

O dia estava claro e eu o vi de novo. Estava deitado no chão como se olhasse as estrelas, mas na verdade não havia céu para se olhar dentro daquele quarto, ele encarava o teto. Havia uma garota ao lado dele, tinha cabelos negros curtos com franjinha, os olhos puxados, as sobrancelhas ralas e o nariz e boca finos, era gordinha, com coxas largas e seios grandes. Aquela garota era eu, há um ano atrás. Hoje eu ainda tenho os mesmos cabelos curtos e negros, a mesma franjinha e os mesmos olhos puxados, as sobrancelhas ralas, mas agora eu estava magra, bem mais magra, tinha perdido mais de cinco quilos sem fazer nenhum esforço. Mesmo sendo muito parecida eu não me via mais naquela garota.

Agora eu não era nem se quer a sombra do que um dia eu fora. Ele me olhou, os olhos sem vida e aquilo me matou por dentro.

— Eu tô vendo ele de novo. — disse, ela me encarou confusa e eu completei — Não é um fantasma, eu também estou do lado dele.

Ela me observou com olhos preocupados. A loucura é preocupante, ela pode levar tudo pelo ralo sem deixar nem mesmo uma gota de sanidade. Eu queria muito estar sã, mas aquilo tudo estava acabando comigo. A sanidade é algo relativo, mas em alguns casos, como o meu, estava óbvio que ela estava sendo perdida gradativamente sem nenhum impecílio. Eu estava enlouquecendo do jeito mais cruel.

Penhascos do drama [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora