23. Um risco a si próprio

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2017

Eu acordei. No dia seguinte eu acordei. Não houve nenhuma sequela, apenas um sono profundo e quase mortal. Eu estava na minha cama. Pisquei os olhos com força tentando focar o teto. A sensação de ainda estar viva me embrulhava o estômago. Meus olhos se encheram d'água, mas eu não chorei. Eu estava triste, desolada. Fiquei ali parada por alguns instantes pensando no quão inútil eu era e na loucura a qual eu havia cometido. Virei de lado e observei o quarto. Tudo ali estava do mesmo jeito, mas a minha carta havia sumido.

As caixas de remédio estavam espalhadas pelo chão na bagunça que eu havia feito e tudo parecia no mesmo  lugar, embora houvesse algo errado. Havia um clima pesado, uma aura de morte, algo que eu tinha causado.

O sol entrava tristemente pelas frestas da cortina deixando o quarto mal iluminado. Tudo parecia calmo e pacato, não havia o mínimo barulho no exterior da casa.

A porta do meu quarto se abriu devagar e uma Vênus totalmente devastada se esgueirou para dentro dele. Suas grandes íris me olhavam com grande temor, os olhos estavam inchados e vermelhos, o lábio inferior tremia levemente como o de um bebê prestes a chorar e seu cabelo curto estava bagunçado.  Ela passou os olhos por mim, estava assustada e surpresa. Seus lábios se curvaram em um sorriso genuíno que iluminou seu rosto inteiro. Ela se aproximou, devagar, como se eu fosse virar fumaça e entrelaçou nossas mãos. Ela sentou-se ao meu lado levando a outra mão para a minha perna. Seu toque quente me causava arrepios. Ficamos ali durante um tempo, apenas nos olhando, no nosso próprio mundinho. Ela sorria largamente. Seus braços me envolveram em um abraço consolador.

— Eu achei que — ela quebrou o silêncio. A voz meio incerta se deveria dizer o que eu fiz.

— Que eu já estivesse morta.

Foi doloroso. Tudo era doloroso e eu não era capaz de imaginar a agonia que ela sentiu. Ela assentiu com a cabeça. Eu não senti nada. Havia apenas um grande vazio e um desejo de morte que insistia em perdurar. Não havia mais Charlie para me amparar. Ele estava morto e isso deixava um vazio angustiante em mim.

— Você sabe que eu não vou durar muito mais tempo. 

Minhas palavras a atingiram de maneira forte, sem aviso. Algumas lágrimas escorreram pelos seus olhos em direção aos lábios. Eu queria beija-la. Meu olhar era terno. Eu fitava seus lábios, desejosa, mas eu refreei meus instintos.

— Desculpa — pedi — Mas eu sei que assim desse jeito, eu não vou conseguir.

— Você precisa de um médico Lara. Remédios. Um tratamento. Você não devia ter chegado a esse ponto. — Ela largou minha mão e escondeu a sua entre as pernas. — Eu vou conversar com a sua mãe.

Era a coisa certa a se fazer. Buscar um tratamento. Mas no fundo eu não queria nada. No fundo eu não queria melhorar. Eu só queria a morte. Ela saiu do quarto e o vazio voltou a me preencher com um grande nada. A solidão me abraçou. Eu me levantei devagar e com as pernas bambas e fracas. Consegui ir até a janela ver a luz do sol. Abri uma pequena fresta e vi as crianças do vizinho brincarem no quintal. Meu estômago roncou, mas eu estava completamente sem apetite. Vi um homem começar a colocar a carne na churrasqueira e meu estômago se embrulhou. Eu estava profundamente triste. Cansada. O sono não me trazia nenhum descanso e meu corpo pedia para voltar para a cama.

Vênus voltou com comida e uma noticia nada agradável. Havia uma caneca grande cheia de café como eu gostava e um sanduíche de atum. Eram minhas coisas favoritas, mas eu não sentia vontade de come-las. As coisas que eu mais amava perderam a graça. Eu não as queria mais.

Eu neguei com um movimento de cabeça a mera menção que ela fez a comida na bandeja.

— Coma amor. — ela pediu. Sua voz doce estava longe, minha cabeça estava pesada e minha visão um pouco embaçada. — Amor. —Ela chamou. Eu estava dormindo sentada. — Come, só um pouco. O que você conseguir. Você precisa. — ela me olhava de um jeito terrível. Como se eu estivesse totalmente quebrada e eu estava. — Olha eu sei que você adora isso.

Penhascos do drama [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora