•3. Menina esquecida

19 2 2
                                    

2009

- Manhêêê. - gritei do meu quarto.

Estava totalmente tomada pelo desespero. Segurava a cabeça da minha boneca favorita em uma das mãos e o corpo na outra. Uma clássica boneca Barbie, daquelas brancas loiras e dos olhos azuis, que tinha articulação apenas nas pernas e ainda assim eram tão duras que quase não dava para mexer.

- O que foi ? - ela chegou na porta do meu quarto ofegante por ter subido as escadas correndo.

Eu comecei a chorar descontrolada, gesticulava muito mal, mostrando a cabeça da boneca e apontado para meu primo, Nicolau, se fingindo de inocente. Quem via achava que ele era um santo martirizado, mas aquele ali não me enganava.

- E.e.. Ele - gaguejei nervosa, eu tremia loucamente, mal conseguia manter a boneca quebrada em minhas mãos.

Mamãe me olhava séria, ela deu um sorriso triste e lançou-me um olhar decepcionado enquanto tirava a boneca de minhas mãos. Era delicada, em todos os seus gestos, os olhos castanhos escuros, pequenos e puxados, os cabelos negros e curtos, tinha o rosto mais achatado e lábios cheios. Aos seus 29 anos ela não tinha nenhuma ruga nos olhos, se cuidava.

- Calma princesa. - ela disse acariciando meu rosto enquanto me encarava com aqueles olhos castanhos brilhantes. - Respira. - ela mandou enquanto enchia o peito de ar a soltava devagar, acariciou minhas bochechas que na época eram bem grandes. - O que aconteceu ?

Bem lentamente eu fui me acalmando, andei em círculos para espairecer um pouco mais.

- Nicolau quebrou minha boneca. - eu disse apontando para ele, fazendo uma voz manhosa.

Estava atrás de mim, sentado no tapete felpudo. Observava-nos com seus pequenos olhos castanhos, a pele morena e os cabelos negros cortados a tigela, tinha o nariz quase afundado para dentro da face. O rosto ainda grande de mais para o pequeno corpo mesmo tendo lá seus seis anos de idade.

Parecia que eu estava a cometer-lhe uma injustiça, colocando a culpa de algo tão horrendo sobre ele, mas de fato ele era uma peste. Ele tinha cara de inocente, apenas isso, nada mais. E é nessa hora que você me pergunta "como ele conseguiu quebrar minha boneca ?", eu também não sei, quando voltei a boneca já estava quebrada em suas mãos.

- Foi sem querer!- ele se defendeu, a sua voz chorosa entrava pelos meus ouvidos, mas definitivamente eu não me importava se ele era inocente ou não. - Eu só virei a cabeça dela e...- ele encarou-me suplicante, se isso chegasse nos ouvidos de sua mãe ele iria levar uma surra daquelas. - Ela quebrou. Desculpa.

Eu juro que tentei acreditar nele, na versão dele, até porque era a única que eu tinha. Mesmo assim o histórico dele não me permitis. Era um pestinha. Ele piscou seus pequenos olhinhos na minha direção, todavia eu fui firme e insisti na minha versão. Eu tinha plenos conhecimentos que minha mãe iria acreditar em mim, por ser filha dela, além do mais caso não fosse isso que acontecesse eu tinha essa carta na manga.

- Foi ele!- eu insisti e ela não pode resistir, eu tive a palavra final.

- Tudo bem. - ela lançou um olhar compreensivo a ele e eu senti meu sangue começar a ferver. Eu queria gritar para ela levá-lo embora para casa, brigar com ele, aplicar um corretivo nele , mas não o fiz. -Vamos ao shopping comprar outra.

Meu sangue fervia, a raiva subia pelo meu corpo. Se estivéssemos num desenho animado eu estaria soltando fumaça pelos ouvidos naquele exato momento. Como é que tanta raiva e ódio podem caber num corpo tão pequeno?

Entrei no banco de trás do carro totalmente emburrada. Cruzei os braços, cara de poucos amigos, quase como se dissesse " não chega perto de mim ou eu te mato". Mamãe deu partida no carro, meu primo do meu lado sentado na cadeirinha, ele tinha uma postura tão confiante e sonsa que só incitou ainda mais minha raiva.

Penhascos do drama [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora