17. Relógio de bolso

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2014

- Vamos lá para cima. - Charlie disse apontando a escada. - Os quartos têm coisas muito mais legais que essa sala aí.

Eu arqueei uma sobrancelha e fiz um pequeno bico.

- Deixemos os melhores por último e aproveitemos cada pedacinho do que essa casa tem a nos oferecer. - disse de forma clara enquanto analisava um livro o qual estava sobre a mesinha de centro.

Era um livro curioso, A história da magia por Morgana Saint-Germain , tinha a capa azul na contracapa havia a foto de uma mulher de cabelos loiros e ondulados perfeitamente arrumados em um penteado pin-up com um lenço preto. Usava óculos de meia lua e era extremamente mal encarada. Havia uma florzinha desenhada na primeira página. O livro estava um tanto despedaçado o que podia significar que ele estivera em meio a uma briga. Haviam algumas páginas rasgadas, inclusive uma carta saindo para o lado de fora. Eu a abri.

"Meu amor.

Sinto muito pelo que meu pai lhe fez, ele pode parecer um monstro as vezes. Espero que não tenha se machucado. Ele as vezes faz isso com as pessoas que são diferentes, no entanto eu garanto que ele teria gostado de você, se você não tivesse demonstrado que via fantasmas. Meu pai odeia qualquer coisa que tenha a ver com a paranormalidade ou com magia. Ele quase rasgou meu livro de história da magia, espero que ele não encontre o livro de poções. "

Era apenas um rascunho feito num pedaço de uma folha. A carta nunca fora enviada e eu imaginei que ela morreu antes que pudesse acabar de escrever. No final da folha rasgada, contornando a borda com a letra floreada havia também algo escrito.

"Sinto muito que ele tenha te matado."

Eu encarei Charlie que não cabia em si de tanta felicidade e animação. Ele estava em êxtase. Adorava desvendar as coisas. Olhou a volta excitado com a experiência nova que estava tendo, havia coisas interessantíssimas a se explorar  naquela casa. Ele tinha um sorriso radiante e largo aberto para mim, era capaz de iluminar minha alma. Ele desceu do degrau em que estava, prestes a rumar para o segundo andar quando de repente viu-se interessado pelo livro que eu segurava.

— O que é isso ? — perguntou deitando a cabeça tentando ver melhor. — Eles liam coisas desse tipo nessa casa ? — olhou ao redor observando o papel de parede gasto.

Eu foleei o livro. Haviam páginas e mais páginas de histórias que iam de bruxas na idade média até o início da idade contemporânea. Eu entreguei o livro a Charlie que amava ler, ele examinou com cuidado, mas semelhante a mim, tudo que lhe interessou foi a foto da autora, Morgana Saint-Germain, a qual a mulher se mexia mudando vagamente de ângulo  parecendo procurar um eterno ângulo perfeito o qual nunca achava.

— Eu estou ficando louco ou essa mulher está se mexendo ? — indagou quando a mulher trocou bruscamente de ângulo.

Imaginei que não seria algo bom se Charlie saísse por aí falando que nós dois tínhamos visto alguém se mexendo em um livro. Não é algo normal, mesmo para mim que via fantasmas. Eu larguei o livro, e procurei qualquer outra coisa que merecesse minha atenção. Charlie me fitou com certa curiosidade.

Foi então que eu ouvi um sussurro baixo e sibilante. Ele dizia:

— A morte está por todos os cantos. Os fantasmas dessa casa são mais sombrios do que o costume.

Eu dei alguns passos para trás e cai sentada na poltrona aterrorizada. Eu saiba o que vinha pela frente, no entanto Charlie com certeza não me escutaria. Aqueles fantasmas seriam aterrorizantes de todos os modos, muito mais para mim que podia vê-los. Eu dei alguns passos em direção a Charlie que me abraçou carinhosamente.

— O que você escutou ? — perguntou ao pé do meu ouvido.

Fiquei ponderando se eu deveria dizer a ele o que eu havia escutado. Pensei no que ele diria, mas eu decidi que seria melhor  apenas contar a verdade.

— Há um perigo iminente e assustador. — contei a ele com os olhos levemente esbugalhados pelo medo. — Principalmente para mim que posso ver. Há um grande horror nessa casa.

Ele ponderou por alguns instantes pensando se deveria acreditar no que eu dizia. Eu sorri tentando dar maior credibilidade a minhas palavras.

— Você está brincando. — ele insinuou rindo da minhas palavras. —Está com medo de ver mais fantasmas ?

Eu quis chorar naquele momento, foi decepcionante ver que meu único amigo duvidar de mim. Mesmo assim eu sabia que era isso o que ele ia dizer. Eu o conhecia tão bem.

— Se você ao menos entendesse. — sussurrei, mas ele não escutou.

Ele ficou parado por alguns instantes olhando para o nada, absorto nos próprios pensamentos. Não houve uma única palavra durante algum tempo, até que nós dois resolvemos nos manifestar.

— Porque não vamos para a cozinha ? — dissemos juntos.

Arregalamos os olhos um para o outro, assustados com nossa sintonia. Assentimos. Não havia no que concordar se nós dois tivemos a mesma ideia.

A cozinha era um ambiente muito peculiar, tinhas as paredes e os móveis inteiramente verdes, haviam facas e panelas penduradas sobre a pia numa ilha de bancadas. Eu e Charlie começamos a vascular as gavetas, na primeira que eu abri haviam apenas pilhas de papéis desinteressantes. Continuei. Charlie também não havia descoberto nada de interessante, mas eu pude ver que estava prosseguindo mais em suas buscas do que eu. Achara uma chupeta o que significava que naquela casa houve um bebê antes de todos morrem, isso me pareceu um tanto estranho , nunca tinha ouvido falar naquela criança. Charlie jogou a chupeta de lado. Parecia desinteressante a ele e para mim tanto fazia, não deixaria minhas buscas para interferir nas dele. Achei um faqueiro de prata, dentro de uma das gavetas. No fundo eu não queria saquear a casa, mas aquilo me pareceu tentador.

— Charlie ? — chamei com a respiração ofegante.

Eu estava tomada pela ganância, pela vontade de roubar tudo de valioso que havia naquela casa. Não sabia como ainda existiam tantas coisas de valor naquela casa. A cidade não era assim tão pacata a esse ponto, mas haviam boatos de que os fantasmas daquela casa eram horrendos.

— Charlie? —chamei uma segunda vez e ele abriu mais uma gaveta.

De lá ele tirou um relógio antigo, daqueles que os homens carregavam antigamente nos bolsos. Ele olhou o objeto por alguns instantes, os olhos hipnotizados, a ganância rugindo enquanto o relógio de ouro amarelo balançava em suas mãos. Ele não olhou para mim, apenas cedeu aos seu ímpeto humano, o qual era visivelmente ganancioso, e colocou o relógio no próprio bolso. Meus olhos se arregalaram para a atitude tão inesperada do meu amigo.

Naquele momento nós havíamos nos tornado cúmplices. Ele estava pegando algo que não era dele. Eu vi, embora não fosse contar nada a ninguém.

Penhascos do drama [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora