20. Primeiro vestígio

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2016

As coisas aconteceram muito rápido naquele ano. Minha inocência não me deixava nem ao menos vislumbrar o que aconteceria. Eu estava definhando rápida  e dolorosamente, sem conseguir aceitar a menor ajuda que fosse. Charlie tentava me ajudar e eu sentia pena dele por todo aquele esforço em vão. Os dias continuavam sem cor e pareciam cada vez mais sombrios a medida que o ano se expirava. Foi em setembro que o desespero me tomou por completo e tudo que eu conseguia fazer era ficar na cama e chorar. Charlie vinha periodicamente, todos os dias após as aulas e ficava comigo durante algumas horas, as vezes até bem tarde da noite. Vez por outra dona Carla ligava brava e eu me sentia culpada pelos sermões que ele levava da mãe por estar ali, por horas a fio, tentando me animar.  Nos finais de semana ele ficava o dia todo, chegava de manhã cedo e só ia embora muito tempo depois do sol se por.

Ele nunca se cansou, me amava, sem precedentes. Vênus aparecia sempre aos sábados a tarde, quando tinha uma folga dos intermináveis trabalhos da faculdade, e pensar que no final do trimestre ela trancaria a faculdade para tentar cuidar de mim. Ela ficava a tarde toda e fazia bolo de chocolate na caneca para todos. Eu já estava bem magra, apesar dos esforços de minha mãe para me fazer comer qualquer coisa que fosse . Geralmente, eu dormia durante a tarde, nos dias de semana, e ficava acorda durante toda a madrugada, chorando. Sempre refreava a vontade de ligar para Charlie a uma da manhã apenas para chorar e dizer a ele o quanto doía. As poucas vezes que fiz isso ele apareceu na manhã seguinte, desesperado, tinha medo que eu morresse.

Mas foi em novembro que tudo aconteceu.

Eu adormeci, naquela tarde, no chão do quarto, escondida entre o guarda-roupa e a parede, na posição mais desconfortável que fosse possível imaginar. Minha cabeça estava entrando em um colapso nervoso e eu custei a dormir. Não ia mais a escola fazia semanas . Ninguém gostava de mim lá e eu não me importava se isso fosse me atrapalhar no futuro. Eu não tinha futuro.  Eu não via mais nada a minha frente  senão um borrão sem forma onde eu mal conseguia enxergar o dia de amanhã.  Os dias continuavam todos iguais e sem graça. Para mim, a vida tinha acabado ali,  não era mais uma vírgula ou um "mas" era um ponto final.  Era a última frase lamuriosa de uma curta e dolorosa vida. Alguém gritou. Um grito cheio de desespero, uma voz embargada. Eu despertei.Achei que estava apenas sonhando quando escutei-o de novo.

— LARA? — Charlie chamou com uma voz embargada. — Você está ai?

Não fui capaz de sair de onde eu estava. Não porque eu estava entalada, mas porque eu não tinha mais forças para nada.Charlie demorou um  pouquinho para me achar, quando me viu estava com lágrimas nos olhos e o desespero já o consumia. Ele concedeu-me um sorriso e limpou uma lágrima insistente que saia de seus olhos. Ele estava feliz por me ver, viva, mesmo naquele estado. Eu fechei os olhos. A realidade me atingiu em cheio e eu comecei a chorar.  Senti Charlie me envolver em seus braços e me tirar dali, eu estava desesperada. Foi a primeira vez que eu fiz aquilo. Eu quis esconder meu braço e os cortes. Num primeiro momento eu achei que ficaria tudo bem, mas depois de um tempo eu descobri que não. Charlie arregalou os olhos quando percebeu o sangue no chão,  eu vi a dor passar pelos seus olhos e ele puxar meus braços para ver o que tinha acontecido.

— Por quê ? — perguntou encarando os cortes profundos em meu braço. 

Eu não consegui responder. Eu não disse nada queria pedir desculpa por existir, por ser tão idiota e principalmente, por ser um estorvo. Eu apenas neguei com a cabeça, sem vontade de fazer qualquer coisa. 

— Você já comeu ? — perguntou preocupado.

Algo tão banal como comer já tinha perdido o sentido para mim. Charlie conseguia me pegar no colo facilmente e me colocar onde ele quisesse sem que eu pudesse fazer qualquer objeção.

Penhascos do drama [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora