XIII - Lágrimas na Chuva (Livro 1)

Capítulo 17 - Estrutura

“Se o Camie estiver envolvido no acidente do Ian, então acabei culpando o Doug indevidamente por aquilo. Bem, o Doug é um babaca do mesmo jeito e se eu disse todas aquelas coisas, foi porque ele deu muitos motivos para ser culpado”, pensou Noah ainda forçando-se em não querer acreditar que Camie tinha realmente algum tipo de ligação com acontecimentos tão banais.

Quando tão jovens, Noah sempre viu seu primo como uma fonte de inspiração. Passavam muito tempo juntos. Brincavam o dia inteiro se fosse possível pois Camie sempre teve as ideias geniais enquanto Noah as seguia cegamente com o intuito de se divertir ainda mais em sua companhia. Até seus quatorze anos, Noah nunca tinha percebido nenhum tipo de maldade, ódio ou mágoa no semblante de Camie, ele era cerca de dois anos mais velho que Noah, e mesmo assim já era tão maduro, encarava a sua própria dor com um sorriso escancarado, nunca lamentou-se e nunca demonstrava fraqueza. Camie era bastante forte, sabia que o pior de tudo era encarar as coisas com negatividade, por isso mesmo, nunca rebaixou-se ao sofrimento e era justamente isso que estava fortalecendo em Noah a esperança de que Camie ainda podia ser considerado inocente no meio de tudo aquilo.

As vidas de Camie e Noah nunca foram um mar de rosas e ambos tinham suas próprias maneiras de encarar as dificuldades. Enquanto Camie se escondia atrás de um sorriso (não um sorriso falso, mas um sorriso que dizia, “eu estou suportando. Ficarei bem, obrigado”), Noah mantinha tudo guardado, também não deixava exposto para que todos pudessem ver, pelo contrário, ele empurrava tudo para debaixo de sua pele, tentando suportar, caindo, rastejando. Mas continuar fazendo aquilo já não estava mais surtindo efeito, Noah estava desmoronando, estava se sentindo em pedaços cada dia mais, mas, pela sua sorte, acabou encontrando uma “base” para manter-se de pé, apesar de tudo, agora ele tinha um apoio para seguir firme, tinha uma estrutura, tinha uma fonte de poder para manter-se ancorado à realidade.

─ Você está ouvindo? ─ disse Even ao cutucar o braço de Noah.

─ Hm?! ─ piscou algumas vezes, tentando voltar para si.

─ Karen. Eu disse que gosto dela.

─ Ah, sim, eu ouvi sim. ─ “Claro que você não ouviu Noah!”, esbravejou consigo mesmo em pensamentos.

─ Ela é divertida, descontraída. Amo aquele jeito dela! ─ segurou a mão dele enquanto caminhavam.

─ É, você tem razão!

Even percebeu que Noah não estava presente na conversa por completo.

─ O que aconteceu? No que estava pensando?

─ Ah, bem, não é nada.

─ Eu já disse que você é péssimo em mentir! Vamos, me conta!

─ Err… ─ houve uma rápida pausa para pensar. ─ Lembra sobre as nossas conversas de alguns tempos atrás? ─ falou qualquer coisa para tentar despistá-la.

─ Ah! Você está falando quando nós conversamos sobre filhos? ─ ela sorriu envergonhada. ─ Eu acho que disse muita baboseira, não liga não, sabe que eu sou meio desatenta!

─ Não! Talvez eu nunca tenha dito, mas um dos meus sonhos sempre foi chegar um dia em que eu seria pai. ─ se deixou levar pelo rumo do diálogo.

Even e Noah já tinham quase três meses de namoro, e mesmo assim já faziam planos para um futuro extenso no qual os dois seriam sempre felizes. Nunca chegaram à dormir juntos, pois Noah sempre a respeitou quanto a isso, mas conversavam sobre filhos sim, era um assunto em que ambos tinham interesse. Na sociedade no qual viviam, tal questão não era muito debatida entre os jovens e era isso o que tornava o assunto ainda mais importante para eles, pensavam de certa forma juntos, de uma só maneira, e aquilo era um dos principais motivos para manter a união entre o casal. Namoro nem sequer era a palavra ideal para nomear o tipo de relacionamento entre os dois, eles estavam conectados tão profundamente que já até se "pertenciam", estavam ali, um tentando curar a ferida do outro na base do carinho, amor, afeto e companheirismo. Eles eram a salvação um do outro. Já não se tratava de duas pessoas distintas, eles eram apenas uma agora.