Capítulo 22 - Importuno

55 10 10
                                    

TERCEIRO ATO

Karen estava na cozinha terminando de bater uma massa rígida de trigo quando ouviu o sino da porta do Rose tilintar. Olhou para trás e não viu seu pai, supostamente estava ocupado com os pães no forno, e na área onde se encontrava, não era possível ouvir quem entrava no estabelecimento.

─ Deixa que eu atendo! ─ disse ela esperançosa de que Samuel tivesse ouvido.

Ao sair pela porta da cozinha, deparou-se com a postura de alguém conhecido sentando-se nos bancos do balcão.

─ Camie?! ─ disse surpresa. ─ Achei que tivesse ido embora depois de tudo aquilo.

Ele sorriu.

─ Eu vim ver você. Não podia ir sem antes ver esse rosto macio e delicado uma última vez.

─ Seu dinheiro é bem vindo aqui, não as suas cantadas cafonas e medíocres!

─ Hahah! Curta e grossa. É isso o que eu adoro em você! Tenta ser rude para esconder a delicadeza e fragilidade que existe em você.

Karen não disse nada, o encarava com um olhar de menosprezo que podia ser lido como, "Tá! E daí?! Quem liga para o que você fala?". Camie ficou um pouco mais sério, tentou falar as próximas frases com mais maturidade, com certa "preocupação".

─ Mas, eu também vim aqui atrás do Ethan. Não o vi desde aquela última vez em que saiu abalado porta afora.

─ Eu também não tive muito contato com ele... Quer dizer, não tive mais nenhum tipo de contato. ─ comentou pensativa. ─ Faz quanto tempo? Uma semana?

─ Um pouco mais que isso. ─ corrige. ─ E a escola? Você não o viu por lá? ─ perguntou preocupado.

─ Eu não tive muito tempo de ir à escola essa semana, meu pai teve muito trabalho, então tive que ajudar.

─ Que importuno.

─ Já foi na casa dele? Você sabe onde fica, não é?!

─ Tive alguns imprevistos... E só pude retornar hoje, então vim direto pra cá, acho que ele passa maior parte do tempo aqui do que na própria casa.

─ "Passava"!

Camie sacou um celular do bolso para ver a hora. Levantou-se de onde estava sentando em seguida.

─ Bom, nos vemos uma outra hora. ─ deu as costas.

─ Espera! Você vai na casa dele?

─ Sim.

─ Espera! ─ repetiu ao entrar correndo pela porta da cozinha novamente, e saiu de lá pouco tempo depois com as mãos lavadas e sem o avental que usava. ─ Vou com você.

...

Ambos entraram caminhando em um ritmo suave no beco estreito e vazio que levava à casa de Noah. Karen nunca tinha passado por ali, sabia que aquele era o caminho, mas nunca teve a curiosidade de entrar ali para descobrir sozinha onde a casa se localizava. O beco era estreito demais, uma sensação de falta de ar a deixava desconfortável, as paredes dos prédios altos e robustos que se estendiam por todo o caminho exalavam uma aura sombria, era como se um sentimento de solidão e amargura se desprendia dali e pairasse no ar em pequenas moléculas de poeira, essas mesmas concentravam-se na pele de Karen e a arrancava suspiros de agonia, sentia-se caminhando dentro das entranhas de um monstro gigante, sentia estar sendo devorada pelo tempo e espaço, ali naquele corredor, ela estava sendo esvaída pouco a pouco pela penumbra que se alojava em cada canto... Ali onde os raios de sol não conseguiam penetrar, pois o local já pertencia à escuridão. "É isso o que ele sente toda vez que passa por aqui?", pensa ela ao abraçar-se com os dois braços, não estava sentindo frio, estava tentando se proteger de algo, "Será que por sentir tanto isso... Ele já se acostumou com esse vazio?".

XIII - Lágrimas na Chuva (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora