21. Nomes de bebê

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Nos primeiros dias, Newt fez questão de estque visse nosso filhote transformar-se, o que ele acompanhava com semblante fascinado, mas logo seus afazeres impediam-no de estar conosco todos os dias nesse horário, e geralmente eu e o filhote ficávamos juntos. A partir de sua primeira metamorfose, o filhote começou a seguir seu próprio ritmo, e nunca mais assumimos o mesmo formato de modo coincidente, e Newt achava incrível o fato de como duas criaturas que exteriormente eram diametralmente diferentes pudessem ser maternalmente afiliadas entre si, e às vezes ele pegava-se maravilhado com o fato de que, na realidade, paternalmente afiliado com ele próprio, ao passo que eu, por meu lado, dava-me também conta de outras coisas.
          Na verdade eu jamais havia pensado na maternidade, muito simplesmente porque, até que eu tivesse a sorte de encontrar Newt no meu caminho, isso era simplesmente impossível para mim, uma possibilidade simplesmente inexistente, portanto, ver meu filhote crescendo era algo absolutamente novo para mim, era um mundo de possibilidades totalmente inesperadas. E dar-me conta disso fazia-me pensar muito ultimamente, inclusive no fato de que eu havia tido um filhote macho ao invés de uma fêmea, como se a vida realmente estivesse disposta a pôr tudo de volta no lugar, como se ela estivesse decidida que a linhagem dos metamorphosusvelticcus estava destinada a prosperar novamente como houvera prosperado um dia ao invés de estar condenada à extinção como eu havia acreditado que estivesse por quase uma vida. E pensar que a vida tinha na verdade os seus planos secretos todos já moldados e pré-definidos dava-me uma nova visão das coisas. Um dia eu havia suposto que meu destino era permanecer na mala de Newt, mas agora eu começava a imaginar que esse talvez não fosse na realidade o plano que a vida tinha para mim, para nós dois, agora que, na verdade, éramos três.
          Mesmo porque isso não seria justo para com o próprio Newt. Ele estava feliz com minha companhia e com a do filhote, mas simplesmente porque era possuidor de um espírito muito bondoso, que alegrava-se mais com o bem alheio do que com o próprio; mas eu tinha uma noção mais crua e real da realidade, talvez pela vida dura e difícil que eu havia levado antes de conhecê-lo. Eu tinha noção de que, embora ele estivesse contente, não estava plenamente feliz: Ambas as coisas têm uma ligeira diferença entre si, embora ele não a visse porque certa e simplesmente não quisesse ver. Newt, como todos os humanos, precisava de um amor, de uma companhia, de alguém ao qual pudesse ter ao lado 24 horas, todos os dias, e não alguém como eu, que sequer era humana, que sequer era mulher, alguém como eu, que dependia do acaso, da sorte, da natureza, fosse o que fosse, para poder estar ao lado dele, para poder amá-lo e ser dele da forma como ele merecia. Newt era um homem especial e extraordinário, disso não restavam dúvidas, e justamente por isso ele merecia uma felicidade plena. E justamente porque eu o amava com todo o meu coração e com toda a minha alma era que eu sabia que eu precisaria deixá-lo livre para que ele tivesse a chance de ter a felicidade que ele merecia ao lado de uma fêmea de sua espécie agora que ele cumprira o seu papel para com a minha própria.
          As semanas passavam e tornavam-se meses, e Newt seguia com suas viagens, que tomavam dele muito tempo, bem como seus estudos e o tempo que passava escrevendo, e embora eu e o filhote passássemos com ele o tempo de que dispúnhamos, eu tinha plena consciência de que, embora Newt considerasse-nos assim, nós três não éramos a família que ele merecia ter, ou melhor, a que ele deveria ter, pois, por mais que ele fosse diferente à sua própria maneira, ele não podia isolar-se indefinidamente de sua própria raça pretendendo como que tornar-se parte da minha. Por mais que eu adoraria que Newt pudesse ser ou transformar-se um dia num metamorphosusvelticcus como eu, que na verdade seria a única forma da vida que levávamos tornar-se o correto, eu sabia que, isso sim, era impossível. E então a verdade tornou-se subitamente muito clara para mim embora fosse também verdade que ela doesse profundamente no meu coração, porque eu o amava, independentemente de qualquer barreira, de qualquer diferença - do que quer que fosse.
          E os meses passavam em paz ao que eu notava o inevitável: Nosso filhote era, ao que parecia, um metamorphosusvelticcus perfeitamente normal, ou seja, ao contrário de mim, ele parecia não conseguir assumir formas meio-humanas apesar de ter o pai que tinha, porque não havia ainda feito isso sequer uma vez e já estava perto de ter assumido suas primeiras 350 metamorfoses, ou seja, perto de completar seu primeiro aniversário pela contagem de tempo dos humanos - e na verdade nem eu mesma havia assumido mais nenhuma forma meio-humana desde então. Havia tanto que eu queria dizer a Newt, tanto do que me passava pelo coração e pela alma e que eu queria externar-lhe se tivesse chance, mas o tempo como que obrigava-me a  recolher-me para pensar melhor no que dizer, e foi o que eu fiz. Até que naquela tarde isso finalmente acontecesse.
          Finalmente naquele meio-dia e dez eu assumi a forma de um centauro, e após ter ajeitado aos cabelos à frente do corpo, penteando-os entre os dedos, cruzei os braços atrás das costas, lançando ao redor um olhar curioso e de satisfação ao mesmo tempo. Gostava de assumir a forma de um centauro. Eles eram tão absolutamente sérios, inteligentes e ponderados, portavam-se tão bem e tinham o dom da eloqüência,  e eu gostava de sentir-me assim. Pensei nas coisas que o filhote devia estar aprontando pois ainda era um pelúcio desde a uma e catorze da tarde do dia anterior, e como esse era um formato que agradava imensamente a Newt, logicamente que estavam os dois  juntos desde ontem, e com um sorriso no rosto dei alguns passos ao redor, pensando se dava uma volta ou os aguardava, porque Newt geralmente o trazia para metamorfosear-se em nosso cercado, e logo mais estariam os dois portanto de volta, e então resolvi aguardar.
          Exatamente à uma da tarde avistei Newt caminhando com o filhote dependurado sobre o ombro, enquanto alegremente conversava com ele e o acariciava com a mão, e assim que ele de longe avistou-me vi que parou por um instante antes de apertar o passo, um imenso sorriso surgindo em seu lindo rosto, e quando ele estava a uma distância em que eu poderia ouvi-lo Newt simplesmente gritou:
          - Memêzinha! Finalmente! Quanto... Quanto tempo! - e pegando o filhote de sobre o ombro e trazendo-no para o colo, onde segurou-o cuidadosamente para conseguir então correr os últimos metros, ele gritou de novo - Vamos poder conversar! Oh, eu, hum... Preciso de respostas suas!
          E ao que parou diante de mim escorou-se com uma das mãos sobre o comedouro mais alto, arfando um pouco ao que sorria, e de maneira alegre pegou o filhote e colocou-o sobre a própria cabeça, ao que o pequeno pelúcio preto segurou-se aos seus cabelos com as patinhas, olhando para mim, e com um pequeno sorriso e as mãos ainda atrás das costas eu observei-os juntos, orgulhosa deles e feliz com o quanto eram lindos juntos e com o quanto eu os amava a ambos, e erguendo a mão direita e apontando o filhote, Newt falou, rindo:
          - Memê, esse nosso filho... É terrível! Sempre que se torna um pelúcio ele me dá um trabalho... sabe quantas vezes ele roubou o meu relógio só hoje?
          Ainda de mãos às costas e com um pequeno sorriso no rosto eu baixei de leve os olhos e bati os cascos das patas dianteiras no chão de terra antes de dizer:
          - Não faço ideia, Newt.
          - Cinco vezes - ele exclamou, rindo ao que o filhote mexeu-se sobre a cabeça dele, bagunçando-lhe todo o cabelo, pegando-no com ambas as mãos - Hum, ahn, vá agora com sua mãe um pouco - e esticou-o na minha direção, ao que o filhote saltou, pulando para o meu dorso, pondo-se sentado sobre ele, ao que eu sorri - Aproveite os últimos... - e checou o relógio - Hum... onze minutos - e parou um instante, ajeitando os próprios cabelos, ainda visivelmente animado com a paternidade, e era claro como a água o quanto Newt seria um ótimo pai para as crianças humanas que ele um dia teria com a humana com a qual se casasse; e pensando isso eu baixei os olhos para o chão, mas não notando, Newt continuou a falar - Memê, aliás, quando você acha que ele irá assumir uma forma meio-humana? Eu... Eu na verdade estou curioso para ver o rosto e ouvir a voz do meu filho... Ahn... se é que você me entende.
          Sim, eu entendia. Ergui o olhar para ele e disse de forma simples:
          - Talvez ele seja normal, Newt.
          - Mas é claro que ele é normal, ele é tão saudável quanto eu e você! - falou-me ele de forma que entregava que ele não havia realmente pensado no sentido em que eu havia empregado o termo, e outra vez eu peguei-me pensando que era porque ele talvez não quisesse pensar - Aliás, que bom poder falar com você - e gesticulou com os braços ao redor, enquanto eu observava-o - Estive pensando muito... Precisamos de um nome para ele, não podemos chamá-lo simplesmente de "filhote" a vida inteira, ham... O que você prefere? Você quer escolher, ou eu talvez escolha... bem... talvez coloque nele o nome de meu pai, porque, afinal de contas, ele é o meu primeiro filho, ou então, talvez o meu próprio nome...
          - Newt - eu interrompi-o com voz carinhosa - Metamorphosusvelticcus não têm nome. Humanos é que têm nomes.
          Newt estacou e encarou-me como se não compreendesse, e o filhote começou a subir pelos meus braços, e eu peguei-o com as mãos, trazendo-no para o meu peito, onde ele pôs-se a brincar, enroscando-se nos meus cabelos compridos, e somente então depois de um tempo eu completei:
          - Acho que ele talvez não seja como eu, Newt. Acho que ele seja um metamorphosusvelticcus normal, compreende? Eu começo a achar que o fato de eu possuir essa anormalidade tinha um propósito bem definido - e estiquei de leve o filhote na direção dele - E esse propósito foi atingido.
          Newt continuava olhando-me com expressão meio atarantada, os olhos muito abertos e as sobrancelhas unidas de leve:
          - Não estou compreendendo, Memê.
          - Eu não sou normal - eu disse, muito tranquila - Você mesmo me disse isso da primeira vez em que eu tornei-me uma medusa e falei com você, lembra-se? Mas a minha anormalidade tinha um propósito. A natureza é sábia, Newt. Se eu fosse normal, ou se em vez de mim houvesse resistido outra fêmea normal, minha raça estaria agora fadada à extinção, irremediavelmente. E agora eu percebo que isso não era o que a natureza queria.
          - Você está tentando me dizer...
          - Estou tentando dizer que absolutamente nada em toda essa história foi por acaso: O fato de eu haver nascido assim; o fato de eu haver sobrevivido e não qualquer outra; o fato de eu ser uma fêmea, e de você haver nascido homem, e ser como e quem é; porque, Newt, qualquer outro em seu lugar... teria me matado no primeiro dia; nenhum outro em seu lugar, tendo-me recolhido, se apaixonaria por mim. Estou sendo clara?
          Ele olhava-me com a expressão de um breve relampejo de compreensão no rosto, afinal de contas, era um homem inteligente, mas, ao contrário dos centauros, que eram puramente racionalidade, e eu internamente agradecia que fosse essa a forma que eu tinha assumido no dia de hoje, Newt era também extremamente sentimental, e eram claramente os seus sentimentos que estavam a todo custo tentando vedar os seus olhos e o seu entendimento para que ele não visse a verdade, simplesmente porque ela iria irrevogavelmente feri-los, e a auto-preservação deles estava sendo maior que a sua racionalidade, e Newt baixou os olhos para o chão.
          - Nós precisamos conversar, Newt. Mas será uma conversa séria, e muito racional - deixei o filhote saltar para o chão, e ele correu alegremente para longe, não compreendendo a delicadeza nem a importância da conversa que seus pais estavam tendo entre si, e eu completei - Não uma conversa sobre nomes para filhotes aos quais não há a necessidade de serem nomeados - e somente o Criador sabia como, apesar de tudo, falar aquelas palavras doía-me, embora eu estivesse naquele dia no auge da lógica e da racionalidade.
          E erguendo para mim os lindíssimos olhos azuis e tristes contornados pela pele macia e sardenta de seu rosto, com o queixo ainda baixo Newt suspirou para mim baixinho, com voz meio indecisa:
          - Precisa ser agora que teremos essa conversa, Memê? Não podemos esperar a metamorfose do nosso filhote? Não podemos tê-la depois do almoço? - e baixou os olhos, retorcendo as mãos de leve entre si - Há tanto tempo não temos o prazer de conversar, não... Não podemos deixar a conversa séria para mais tarde?
          Eu olhei-o sem saber o que dizer. Não sabia quando seria a próxima oportunidade em que eu conseguiria falar, então era simples e lógico que eu quisesse aproveitar o momento e conversar o mais breve, mas eu compreendi os motivos de Newt, e baixei os olhos para o chão, somente tornando a erguê-los quando percebi-o sobresstando-se e adivinhei que a metamorfose do filhote deveria ter começado, erguendo o rosto e tornando-o na direção em que Newt agora olhava com ar exaltado. E nós ambos presenciamos como o pequeno pelúcio começou a cintilar, ao que seu corpinho esticava-se  e crescia rapidamente, e logo havia sobre a relva não mais um fofo bichinho preto e peludo, mas uma grande cobra branca, e Newt correu para ele, alegremente pegando-o e colocando-o sobre os próprios ombros, ao que retornava para perto de mim, com um sorriso no rosto que era de alegria, mas mesclado com tristeza, que ele a custo tentava disfarçar, ao que dizia-me:
          - Vamos, Memêzinha... Vamos aproveitar que hoje o dia está menos corrido e... vamos os três ter um almoço em família, venha - e parando diante de mim tomou-me pelas mãos com as dele, olhando para elas por um tempo de forma meio tímida, antes de finalmente erguer o rosto para o meu, que por estar mais alta olhava-no de cima, e puxando-me as mãos delicadamente ele fez-me baixar-me, colando os lábios aos meus, apenas ficando assim, demoradamente, ao que fechou os olhos, respirando sobre o meu rosto. E quando soltou-me, vi que ele tinha lágrimas nos olhos - Vamos aproveitar um pouco o tempo juntos - e apertou-me as mãos, antes de baixar o olhar para o chão e soltar-me, ao que voltava-se na direção de sua casinha, e sussurrou, de costas para mim - E mais tarde conversaremos o que você quiser.

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No próximo capítulo, teremos uma conversa séria, mas que ao contrário do que Memê desejaria, será emocional SIM.

Presa na Mala de Newt ScamanderOnde histórias criam vida. Descubra agora