Frente a frente

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- Lindo nome o seu - O Padre elogiou. - Se eu tivesse uma filha seu nome também seria Sarah, mas a santidade me chamou a servir o Senhor, então nunca me casei. - Ele indicou um banco da igreja. - Mas sente-se, vamos conversar com calma. O que querem saber?

Sarah sentou-se no banco ao lado de Luan. O Padre se acomodou defronte deles em uma cadeira trazida pelo sacristão. Luan retirou seu bloco de notas e lápis, e Sarah a pasta com anotações e fotos da gravação das câmeras de segurança do comércio que ficava a duas ruas dali.

- Bem, gostaria de saber com quem Vivian falou por último - Sarah disse. - Ela veio tratar do casamento com você, certo?

- Comigo? Não, não. - respondeu o Padre. - Os detalhes são decididos com a administração, a tesouraria.. enfim, o conselho paroquial. Ela deve ter tratado com seu João e dona Carmem. Se quiser falar com eles, estarão aqui mais tarde, lá pelas oito.

Luan anotou os nomes enquanto Sarah consultava o relógio. Ainda eram seis e vinte da manhã, mas às oito ela teria de deixar Lorena na escola.

- Bem, Padre, você disse que conhecia Vivian. O que pode me dizer sobre ela? - Sarah perguntou.

- Ah, garota adorável, simplesmente adorável. - respondeu ele, com um sorriso. - Vinha por aqui de vez em quando... para as missas. Soube que ela morou nesse bairro por um tempo antes de se mudar, muito antes de eu assumir a paróquia. Ela frequentava essa igreja, por isso gostava tanto daqui.

- E você sabe o motivo da mudança? - Luan perguntou, ainda anotando o depoimento.

- Nunca soube - Respondeu ele. - mas como disse, foi bem antes de eu chegar.

- Ela costumava se confessar aqui com você? - Sarah perguntou.

- Algumas vezes.

- E quando foi a última vez?

- Ah, meses atrás - o Padre respondeu. - Quando ela esteve aqui há alguns dias estava apressada, acho, pois não veio falar comigo.

- Pode nos dizer o teor da última conversa que tiveram? - Luan perguntou.

- Bem, receio que isso não seja possível - o Padre respondeu, e pela primeira vez na conversa Sarah viu seu sorriso vacilar. - As confissões são unicamente entre o fiel e Deus. Eu sou um mero intermediário das vontades do senhor aqui.

- Mas com certeza que o Senhor entenderá a importância dessa conversa, correto? - Sarah pressionou-o. - Deus iria querer que a encontrássemos, não?

O Padre demorou um segundo a mais para responder.

- Não cabe a mim definir os desejos do Senhor...

- Mas pode perdoar pecados em nome dele? - Sarah desdenhou. - não faz sentido.

Ela notou que uma leve ruga começou a se formar na testa do homem. Ela conhecia muito bem a linguagem corporal; Estava deixando -o ligeiramente irritado.

- Muito bem, acho que você tem certa razão - ele disse, abrindo um sorriso que não a enganou. - Deus certamente iria querer que ela voltasse sã e salva a seu lar.

Ele se aprumou na cadeira.

- Vejamos, o que ela disse.. - não tenho memória muito boa, mas acredito que passava dificuldades no relacionamento.

- Com o noivo? - Luan perguntou.

- Sim, ele mesmo. Pelo visto, estavam tendo inúmeras discussões no lar. Ela até chorou em determinado momento.. mas eu a amparei com a graça do Senhor. Disse- lhe para orar com fervor e ser mais servil ao marido, para que Deus voltasse a abençoar seu relacionamento.

Servil? Quanta bobagem! Sarah pensou.

- Tem certeza disso? - Sarah perguntou. - Em todos os depoimentos que colhemos, nenhum falava de brigas entre os dois.

- Foi o que ela me disse - ele sorriu. - pode ter escondido da família, quem sabe... ninguém quer mostrar os problemas familiares assim para o mundo. Para Deus é outra história...

Sarah balançou a cabeça, pensativa.

- Entendo. - ela retirou uma foto em meio a seus arquivos. - mais uma pergunta: conhece essa garota? Seu nome é Bella Fernandes.

O Padre olhou a foto com ligeira curiosidade.

- Não, nunca vi - respondeu ele. - ou se vi, não lembro. Como disse, minha memória já não é tão boa.

- Certo - ela respondeu. E alguma dessas? - retirou um pacote de fotos das outras vinte e sete meninas desaparecidas.

O Padre olhou uma por uma, e em determinado momento Sarah pensou ter visto algo em sua expressão mudar. Foi quase como... medo.

- Não, desculpe - ele disse, sem o sorriso característico e sem olhá-la nos olhos. - agora se me dão licença, preciso me aprontar para a missa das sete horas.

Sarah e Luan assentiram e levantaram-se, rumando para a saída. Já no carro, Luan comentou o depoimento:

- Simpático ele, não? - disse. - porque o pressionou daquele jeito? Ele é um padre, pelo amor de Deus...

- Um Padre que mentiu pelo menos três vezes nessa conversa - ela disse, sob o olhar atônito do parceiro. - Você deveria mesmo estudar a linguagem corporal, Luan.

- Se você está dizendo - ele deu a partida no carro.

- Sim, tenho certeza que ele mentiu sobre algumas coisas. E agora vou descobrir o porquê.

O CaçadorOnde histórias criam vida. Descubra agora