Motivações

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Ao chegarem no Instituto Médico Sarah e Luan se depararam com uma cena deplorável: Marcos e os pais de Vivian discutiam no corredor.

- Você disse que iria encontrá-la! - a mãe da garota chorava e soluçava, tremendo e socando o peito do irmão. - Disse que a traria de volta para mim! Me garantiu! A minha filha...

- Maria, me perdoe... - Marcos segurou os braços dela e abraçou a irmã. Seus olhos estavam marejados. Ao lado dos dois o pai de Vivian chorava silenciosamente.

Sarah nunca vira antes uma cena tão digna de pena. Mesmo sua antipatia pelo chefe se dissolveu aos poucos diante de tanta dor.

Após alguns minutos Marcos viu os dois detetives parados à distância. Desvencilhou-se carinhosamente da irmã e foi ao encontro deles.

- O que estão fazendo aqui? - perguntou, enxugando os olhos.

- Investigando - Sarah disse, relutante. - Marcos, eu sinto muito...

- Não sinta - ele interrompeu. - apenas encontre o monstro que fez isso. Do que precisa?

- Informações. A autópsia já foi feita?

- Acredito que sim. Venham comigo.

Marcos e os dois detetives entraram passando pelo corredor onde os pais de Vivian choravam abraçados. Ele os levou a uma sala grande, repleta de instrumentos cirúrgicos e macas onde corpos repousavam sob panos. Um médico bigodudo anotava informações em uma prancheta. Marcos se dirigiu a ele.

- Doutor Lúcio - ele indicou os detetives - Esses são os policiais Sarah e Luan, encarregados do caso da minha sobrinha.

O médico apertou as mãos dos dois, cordialmente.

- Imagino que queiram respostas da autópsia. Contudo, os resultados ainda não chegaram, lamento. Demoram várias horas, mesmo acelerando o processo.

- Não pode nos dizer nada? Nenhuma informação? - Sarah perguntou.

- Por enquanto só o que os anos de experiência me ensinaram - ele respondeu - mas já é alguma coisa. Escutem, aquela garota, infelizmente, sofreu muito antes de morrer.

Marcos nada disse, branco. Luan puxou o caderno de anotações e o lápis.

- Continue - Sarah pediu.

- Havia cortes por todo o corpo - o médico prosseguiu - e não foram tentativas de desmembrá-la.. acredito que foram feitos com uma lâmina pequena. Sinais claros de tortura. Os pulsos e tornozelos tinham marcas que me pareceram de cordas ou correntes, e os pés tiveram um pequeno rompimento nos ligamentos.. acredito que... ela foi colocada de cabeça para baixo, suspensa pelos pés.

Quanto mais ouvia, mais chocada Sarah ficava.

- Havia muitos sinais de violência sexual. Alguns, inclusive... - o médico parou, engolindo seco.

- Continue.

- Bem... os testes vão determinar isso que vou dizer, então estou só supondo, certo? Mas.. acredito, pela coagulação do sangue, que ela foi desmembrada depois de morta..

- O que é um consolo - Marcos comentou, carrancudo.

- O problema - o médico continuou - é que estimamos a morte dela como sendo há pouco mais de dois dias. E o sêmen que encontramos nas regiões do reto e da vagina é... mais recente, digamos assim.

Quando compreendeu a extensão daquela informação, Sarah quase vomitou.

- Está me dizendo - Marcos avançou para o médico - que o monstro a estuprou depois de morta?

- Estou dizendo que acho que foi isso - ele afastou-se um pouco - mas só os resultados da autópsia podem confirmar. Mas sim, acredito que isso tenha acontecido. Lamento.

Marcos afastou-se um pouco, nauseado. Sarah teve uma ideia:

- Então vocês têm o DNA do estuprador, correto? - perguntou. - Já cruzaram com o do noivo dela, Ricardo? Para saber se é dele?

- Soube que a perícia mandou alguns fios de cabelo dele que encontraram na casa - o médico confirmou - mas, como disse, isso demora. Provavelmente só sairá amanhã o resultado desse teste.

Sarah passou a mão nos cabelos, impaciente.

- Alguma coisa a mais? - Ela perguntou.

- Bem... - disse o médico, olhando para Marcos. - não queria ter que dizer agora, mas se é para o bem das investigações.. ok. Ela estava grávida.

- Grávida?? - Luan se impressionou. O queixo de Marcos caiu.

- Sim, e isso nem é o pior. - Lúcio continuou, suspirando. - encontramos um corte profundo na região do útero dela. Imagino que alguém quisesse matar o bebê... e conseguiu.

Marcos parecia sem vida.

- Estão fazendo o teste de DNA para determinar a paternidade? - Luan perguntou.

- Claro que estamos - o médico respondeu. - quando os resultados saírem informarei a vocês.

- Agradecemos muito - disse Luan, entregando um cartão com seu contato ao médico.

Os detetives saíram do interior do Instituto e foram até o carro, acompanhados por Marcos. Nada disseram no caminho, mas ao chegar lá fora, o chefe de polícia se manifestou:

- Vocês têm que encontrar esse maníaco - ele disse. - Nunca pensei... nunca imaginei... - ele passou a mão no rosto. - Já têm alguma pista do paradeiro do noivo?

Sarah relutou um segundo antes de dizer o que queria:

- Marcos, sinto muito pelo que aconteceu. Mas algo me diz que Ricardo não é o culpado. Simplesmente não se encaixa.

- Me explique seu raciocínio, então - Marcos pediu. Luan olhava os dois apreensivo.

- Colhi depoimentos dos pais e conhecidos de Vivian, como sabe - ela explicou. - Nada, em nenhum deles, me deu indício de que Ricardo é remotamente instável ou violento. No depoimento que ele nos deu, não encontrei divergências. Além do mais, o álibi dele é bom; há pelo menos três testemunhas que podem atestar onde ele esteve no dia que ela desapareceu. Ele inclusive não foi visto nos arredores da igreja ou no bairro naquele dia. - ela aproximou-se de Marcos. - Um crime hediondo desses é praticado por mentes perturbadas, que mentem, fingem e enganam tão fácil como respiram. Você conhece o Ricardo, droga. Acredita mesmo que ele é assim e você nunca percebeu?

Marcos demorou um pouco para responder. Analisou bem a situação.

- Sarah - disse ele por fim - você é minha melhor detetive. É irritante, impetuosa, até um tanto desobediente. Mas você encontra a verdade.

Ela não soube o que dizer, então esperou.

- Por isso mesmo - Marcos continuou - quero que vá para casa.

- Ir pra casa? - ela perguntou. - está me pedindo para desistir do caso? Porque eu não vou...

- Não me interrompa - Marcos levantou a mão, pedindo silêncio. - quero que você vá para casa e entre no caso.

- Como assim?

- Sarah, você está envolvida emocionalmente. Pensa na sua filha quando lembra dessas meninas... é seu combustível, mas é também sua distração. - ele olhou-a fundo nos olhos. - Amanhã chegarão os federais. Se eu não tiver uma boa explicação para essa confusão toda, o caso será deles.. é por isso que preciso de você. Afaste-se. Veja o caso por outros ângulos. Se não há sentido, encontre. Se não acredita que foi o Ricardo, me apresente o verdadeiro culpado. E não quero nada baseado em quem mentiu ou não para você. Quero provas.

Sarah nada disse, mas entendeu.

Quando ela chegou em casa, vinte minutos depois, ainda estava pensativa sobre o que Marcos dissera. Justamente por isso não viu que, do outro lado da rua, um homem com bigode, de boné e óculos escuros a observava atentamente.

O CaçadorOnde histórias criam vida. Descubra agora